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Mesquita: repressão e prevenção




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Brasil está mais violento, especialmente nas regiões metropolitanas. Entre os anos de 1980 e 2000, foram vítimas de homicídio no País quase 600 mil pessoas (o número exato é 598.367). Entre os homens brasileiros, os acidentes de trânsito eram, na década de 80, os principais responsáveis pelas mortes por causa externa – que incluem ainda suicídios e outras razões não-naturais –, mas na década de 90 os homicídios assumiram a liderança. As regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro concentram 40% desses crimes, embora possuam apenas 18% da população do País. “Os números mostram que nesse período houve uma deterioração da condição econômica e social de uma grande parcela da população nesses locais, e mostram também que existe um relacionamento entre condições sociais e econômicas e problemas de segurança pública”, afirma o cientista político Paulo de Mesquita Neto, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP. A contribuir para essa avaliação está, por exemplo, a realidade dos salários: entre 1996 e 2002 o rendimento médio real dos trabalhadores caiu 14%.

Os dados são da Síntese dos Indicadores Sociais e foram divulgados na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o levantamento, nesses 20 anos a taxa de mortalidade por homicídio cresceu 130%, passando de 11,7 por 100 mil habitantes para 27 por 100 mil. Os quatro Estados onde mais aumentou o número de assassinatos foram Pernambuco (54 por 100 mil), Rio de Janeiro (51), Espírito Santo (46) e São Paulo (42).

Entre 1991 e 2000, o índice de homicídios cometidos com o uso de armas de fogo subiu 95% no grupo de homens com 15 a 24 anos de idade. Considerando apenas o ano 2000, houve 71,7 casos de morte por armas de fogo para cada 100 mil habitantes, o que equivale a 13 vezes a taxa dos Estados Unidos no mesmo período. “O crescimento do crime organizado, do tráfico de drogas e do comércio ilegal de armas foi muito intensificado durante a década de 90”, diz Mesquita Neto. Associada a essa realidade, aponta o pesquisador, está a questão da corrupção das autoridades na esfera governamental e policial, o que contribui para o agravamento do problema.

Comparados com as taxas de vítimas de conflitos armados pelo mundo, os números da violência no Brasil impressionam ainda mais. Em média, são 30 mil homicídios por ano, o que corresponde a três vezes a quantidade de vítimas civis da atual Guerra do Iraque. Em Angola, a guerra que castigou o país por 27 anos (de 1975 a 2002) matou 350 mil pessoas, 250 mil a menos que os brasileiros assassinados em duas décadas. Um dos poucos casos que superam as estatísticas brasileiras foi a Guerra do Vietnã, quando cerca de 3 milhões de pessoas perderam a vida. É preciso, entretanto, considerar que nos 11 anos do conflito os Estados Unidos destruíram quase 70% do território do Vietnã do Norte e lançaram no Vietnã do Sul toneladas de napalm – bomba incendiária que espalha combustível sobre uma grande área – para tentar impedir que os soldados vietcongues se escondessem nas florestas.


Desemprego

Para Mesquita Neto, o desemprego é sem dúvida um fator importante e que contribui para o crescimento da criminalidade no País, embora seu impacto seja diferente para os jovens e para os adultos. “O desemprego causa um desequilíbrio muito grande na estrutura da família e é um problema sério na relação com os filhos. Porém, podemos ter taxas equivalentes de pessoas desocupadas em duas comunidades, com reflexos diferentes dependendo do tipo de família e da comunidade em que ela está inserida – por exemplo, se os filhos estão na escola e a realidade dessa escola”, diz.

Segundo o cientista político, muitas das razões que geraram o cenário atual se devem à falta de políticas integradas das distintas esferas do poder público e da sociedade quanto à repressão e à prevenção da criminalidade. “Se ficarmos apenas tentando dar respostas momentâneas a crises pontuais ou fazendo somente ações repressivas, vai ser difícil reverter esse quadro”, afirma. O pesquisador do NEV defende que só o desenvolvimento de medidas consistentes na repressão penal e na prevenção – sustentadas a longo prazo e que unam esforços da sociedade e dos governos municipais, estaduais e federal – poderá ofebecer perspectivas de mudança. A reestruturação do sistema prisional, a melhoria do acesso da população às instâncias do Poder Judiciário, o investimento em políticas de geração de emprego e assistência às famílias e o aprimoramento da saúde pública e da educação – passando pelo debate do papel da mídia e da formação cultural de crianças e jovens – são alguns dos itens que precisam constar dessa agenda, acredita Mesquita Neto.

Há outro aspecto que tem merecido pouca atenção, lembra em artigo publicado na imprensa o pesquisador Cláudio Beato, do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais: a desigualdade na provisão do bem público da segurança e da justiça para as camadas mais desfavorecidas. “Os números do IBGE não se traduzem na mobilização da opinião pública em termos do triste espetáculo das inúmeras mortes anônimas nas capitais brasileiras”, aponta. “Só quando a violência ultrapassa esses limites estruturais é que soam os alarmes da mídia e da indignação das elites. O triste espetáculo silencioso das mortes de jovens de periferia, e da sua ressonância estridente nos redutos seguros da zona sul, somente será modificado quando o enfoque da proteção privilegiada a alguns espaços urbanos estender-se a todos os afetados pela violência”, conclui Beato.


Desigualdades em gênero e cor

Quanto maior o tempo de estudo da mãe, maior a chance de sobrevivência dos filhos. A Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE mostra que filhos de mulheres com até três anos de estudo têm 2,5 vezes mais risco de morrer antes dos cinco anos de idade do que as crianças cujas mães estudaram por oito anos ou mais. No primeiro grupo, a taxa de mortalidade é de 49,3 por mil nascidos vivos, enquanto no segundo é de 20 por mil. No Nordeste, a mortalidade de filhos de mulheres de baixa instrução – que representam 39,6% das mulheres em idade fértil – chega a 70,3 óbitos de menores de cinco anos por mil nascidos vivos.
País essencialmente desigual, o Brasil espelha diversas diferenças importantes quando se fala em gênero e cor. Em 2002, o rendimento médio dos homens era de R$ 719,90, enquanto o das mulheres, mesmo tendo em média um ano a mais de estudo, ficava em R$ 505,90 – ou seja, 70% da renda masculina. Entre as pessoas empregadas com mais de onze anos de estudo, a diferença era ainda maior: as mulheres recebiam, em média, 58% do valor pago aos homens.

Para o IBGE, entretanto, “a discriminação por cor é ainda maior que a por gênero”. A pesquisa mostra que o rendimento das mulheres brancas é quase 40% maior do que o de homens pretos ou pardos (termos do IBGE). Os brancos possuem mais anos de estudo que os pretos e pardos em todas as regiões do País.

“Pouco mais de dois anos de estudo de vantagem para a população branca resultaram em uma quase duplicação de seus rendimentos em relação aos das populações de pretos e pardos”, aponta o trabalho. Na região metropolitana de Salvador, onde a diferença chega a quase três anos de escolaridade, a renda dos brancos é três vezes maior. O IBGE confirma também que há grandes disparidades na média de escolarização dependendo da renda familiar e da região do País. Os estudantes de famílias pobres dificilmente chegam ao ensino superior: na rede pública, em 2002 apenas 2,3% dos estudantes provinham de famílias do primeiro quinto de rendimento médio per capita, enquanto 59,2% provinham do último quinto (o mais alto).

O analfabetismo caiu: em 2002, o País tinha 14,6 milhões de pessoas que não sabiam ler (11,8% da população de 15 anos ou mais), contra 17,2% em 1992. Entretando, 32,1 milhões eram considerados analfabetos funcionais. O atraso educacional brasileiro está refletido também no fato de que 65,7% dos estudantes com 14 anos estavam defasados – ou seja, possuíam menos anos de instrução do que deveriam.




 




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