Nesta terça-feira, dia 4, das 13h às
18h, o Anfiteatro Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária,
será o palco de discussão de um dos mais polêmicos
temas dentro da academia: os mecanismos de funcionamento das fundações
de apoio às atividades de ensino e pesquisa. Trata-se de
uma reunião extraordinária do Conselho Universitário
aberta a todos os interessados e que terá como base o relatório
final do GT-Fundações (Grupo de Trabalho Fundações).
Formado por representantes docentes, discentes e servidores não-docentes,
o GT foi criado em fevereiro de 2002 para diagnosticar os componentes
principais dessas entidades de direito privado e apresentar recomendações
para adequar seu funcionamento à missão acadêmica
e social da USP. A reunião contará com a presença
dos membros do GT e será presidida pelo pró-reitor
de Pesquisa da USP, professor Luiz Nunes de Oliveira.
O tema é bastante polêmico e devemos ir à
reunião preparados para uma boa discussão, diz
Oliveira, que coordenou os trabalhos do grupo. Durante as reuniões,
realizadas até agosto passado, o GT ouviu sugestões
de convidados como o ex-reitor e atual secretário estadual
do Meio Ambiente José Goldemberg e do professor Ciro Teixeira
Correia, da Adusp (Associação dos Docentes da USP),
além de assessores da diretoria-geral do Tribunal de Contas
do Estado e do procurador-geral da República, Marlon Alberto
Weichert, entre outros nomes ligados às fundações
e a diversos departamentos da USP.
Dessas discussões surgiram um relatório de maioria,
assinado por 26 pessoas, entre docentes e servidores não-docentes,
e outros três relatórios de minoria, elaborados,
respectivamente, por membros da Adusp, do DCE (Diretório
Central dos Estudantes) e da APG-Capital (Associação
de Pós-Graduandos da USP).
Fase
de transição
A partir do pressuposto de que muitas atividades das fundações
não podem ser extintas repentinamente, o que acarretaria
a suspensão de inúmeros projetos em andamento, o relatório
de maioria propõe uma fase de transição, necessária
para alcançar um arranjo que torne dispensável o apoio
das fundações. Nesse período, seria criada
a Cogere (Comissão Gestora das Relações Externas),
órgão administrativo responsável por gerenciar
a interface entre as entidades de apoio e a USP. Os signatários
do relatório de minoria da Adusp apresentaram outras sugestões
sobre esse tópico.
Entre outras funções, a Cogere cuidaria do cadastramento
das fundações e do recadastramento delas a cada cinco
anos, com base em critérios transparentes e fundamentados
no desempenho e interesse da USP, segundo o texto. Ao se cadastrar,
as entidades de apoio apresentariam plano detalhado de atividades,
previsão de receitas e despesas e demonstrativo financeiro
do exercício anterior, entre outros itens, como forma de
tornar transparentes suas informações e funcionamento.
Segundo o pró-reitor Luiz Nunes de Oliveira, a Universidade
ainda desconhece muito das atuações das fundações,
daí a necessidade dos cadastros e relatórios anuais.
Tudo que é da Fusp (Fundação de Apoio
à USP) é totalmente transparente. Outras fundações
apresentam relatórios com informações básicas
e outras ainda são totalmente opacas, não passam nenhuma
informação para a Universidade, mesmo usando o nome
dela, justifica.
Ainda de acordo com o relatório, caberia também à
Cogere viabilizar o USP-Ágil, conceito assim chamado por
incorporar medidas que visam à racionalização
dos mecanismos públicos de gestão. Para Oliveira,
o USP-Ágil será uma forma de chamar para a Universidade
algumas das atividades que atualmente estão sendo executadas
por fundações. Muitos professores preferem a
intermediação das fundações por achar
que o processo feito diretamente com a Universidade é muito
moroso, o que não é verdade. Tenho visto muitos processos
serem aprovados em dez dias ou até menos. Depende de, ao
chegar aqui na Reitoria, virem bem instruídos. Isso mostra
que primeiro é necessário um trabalho de informação,
o que deverá ser feito pelo USP-Ágil, explica.
Mesmo sendo uma prática muito comum, Oliveira lembra que
a realização de convênios através de
fundações fere as normas da Universidade. A
única fundação que pode fazer convênios
diretos com entes externos é a Fusp, porque tem uma autorização
especial.
A maioria dos membros do GT-Fundações entende ainda
que a utilização da marca USP deverá
ser disciplinada de modo a garantir taxas diferenciadas, de acordo
com o tipo de atividade desenvolvido pelas fundações.
Assim, caberia à USP uma taxa mínima de 10% auferida
da receita bruta total por atividades como convênios, contratos,
serviços e eventos realizados por fundações
em nome da Universidade. Além daquela taxa fixa, o relatório
sugere também a TC (taxa de curso), estipulada segundo uma
tabela progressiva sobre a receita bruta recebida anualmente pelo
curso. À Codage (Coordenadoria de Administração
Geral) caberia manter o registro das taxas recolhidas e redistribuí-las
às unidades, departamentos e projetos de acordo com os critérios
da Universidade, sendo que 34% do total seriam destinados à
Reitoria e 66%, para os projetos das unidades.
Outro ponto do relatório sugere um rigor maior na concessão
da flexibilização ao RDIDP (Regime de Dedicação
Integral à Docência e à Pesquisa). Existia
um consenso de que a Universidade era muito fechada em si mesma
e por isso o Estatuto de 1988 flexibilizou a jornada de trabalho
dos professores, disponibilizando oito horas por semana para que
eles se dedicassem a atividades externas. Mas, com o tempo, isso
produziu distorções, porque é muito difícil
controlar o tempo dos docentes, diz Oliveira.
No diagnóstico geral, a maioria do GT entende que as entidades
de apoio viabilizam a captação de recursos para a
Universidade, permitem a intermediação de demandas
da sociedade e possibilitam o envolvimento de estudantes em atividades
de pesquisa e extensão, entre outros aspectos. Mas ressalta
que esses organismos devem corrigir seus pontos negativos, que incluem
a operação inadequada, a falta de transparência
e a oferta de cursos sem apreciação e aprovação
dos conselhos centrais da USP.
Docentes e estudantes criticam propostas
Para a Adusp (Associação dos Docentes da USP),
o relatório de maioria produzido pelo GT-Fundações
não conseguiu apresentar argumentos acadêmicos
suficientes para justificar a necessidade das fundações
privadas. Ficou evidente que as fundações
privadas, criadas com o pretexto de contornar dificuldades
de natureza administrativa e entraves legais, acabaram por
gerar enormes distorções nas atividades de ensino,
pesquisa e extensão desenvolvidas na Universidade,
diz o texto.
O relatório de minoria elaborado pelos docentes propõe
que todas as fundações tenham suas atividades
suspensas e que apenas uma fundação pública
dê apoio ao trabalho acadêmico vinculado às
fundações. O texto sugere que haja um processo
de transição em que o relacionamento entre a
Universidade e as entidades de direito privado seja norteado
por essa fundação. A perspectiva é
que esse processo conduza a uma situação em
que qualquer tipo de fundação seja supérflua,
afirma o relatório. Nesse processo de transição,
a Adusp propõe a criação de um órgão
central ligado à Reitoria para gerenciar convênios,
assim como identificar e remover entraves burocráticos
no desenvolvimento de projetos de ensino, pesquisa e extensão.
Sobre o RDIDP, o texto da Adusp considera este o regime preferencial
de trabalho na Universidade e acredita ser injustificável
a existência de complementos salariais através
do trabalho nas fundações.
O relatório de minoria apresentado por membros da APG-Capital
(Associação de Pós-Graduandos da USP)
condena com veemência a atuação das fundações
e recorre a um trecho do Código de Ética da
Universidade, que prega a não submissão
a pressões de ordem ideológica, política
ou econômica que possam desviar a Universidade de seus
objetivos científicos, culturais ou sociais.
O texto lembra que os interesses econômicos norteiam
muitas das parcerias da Universidade com as fundações,
daí
o desvio dos objetivos primeiros do papel institucional da
Universidade.
A APG-Capital sugere que a USP tome para si as atividades
realizadas pelas fundações e que essas entidades,
regidas pelo direito privado, devam igualmente fazer parcerias
com universidades pagas. O texto lembra que a Universidade
pública precisa estar a serviço da população,
cumprindo a legislação federal de garantir a
todos os cidadãos acesso gratuito à educação
e à cultura.
O texto lembra também que a remuneração
aos docentes vinda das entidades de apoio fere o princípio
da isonomia salarial. Para os pós-graduandos, a educação
deve ser vista como um direito e não como uma mercadoria.
Sugerem, em seu relatório, a realização
desse debate em foro público. Reiteram que são
contrários à permanência dos cursos pagos
na USP e defendem que a flexibilização do RDIDP
e a criação de um regime intermediário
desvirtuam os objetivos
da Universidade.
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