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O ministro Nilmário Miranda e Regina Assis, coordenadora-geral do encontro: por uma mídia voltada para as necessidades das crianças e jovens do planeta

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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uitas vozes, vários povos. Mídia de todos, mídia para todos. Com esse tema principal, a 4a Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, realizada entre 19 e 23 de abril, no Rio de Janeiro, reuniu, pela primeira vez na América Latina, os mais importantes profissionais da indústria de mídia e pesquisadores da área. Organizado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Multirio, o evento contou com o Fórum dos Adolescentes, que teve a participação de 150 jovens de 12 a 19 anos, vindos de vários países com o compromisso de traçar ações conjuntas por uma mídia de qualidade.

Participaram ainda 2.600 pessoas de 70 países e 300 jornalistas de todo o mundo cobriram o evento. “Esse sucesso foi resultado do trabalho desenvolvido há três anos. Foi uma conquista de todos”, destacou Regina de Assis, coordenadora-geral do encontro. Segundo ela, o tema “Mídia de todos, mídia para todos” resume a necessidade de se criar uma mídia universal sem perder de vista as identidades culturais particulares, garantindo a produção local de qualidade nos cinco continentes, e principalmente nos países em desenvolvimento. O evento se propôs a incentivar parcerias, co-produções, redes de distribuição e integrações culturais e comerciais.

Os trabalhos tiveram quatro eixos temáticos: “Um mundo, muitas vozes”, “Mídia: mercado, audiência e valores”, “Desafios para a qualidade: alianças pela qualidade” e “Compromissos para o presente e o futuro”. Enquanto os adultos participavam de plenárias e sessões, os jovens se encontravam nas oficinas de rádio, Internet, roteiro, animação, crítica audiovisual, agência de notícias jovem, arte e cultura, culminando, no último dia do evento, com a elaboração da Carta Multimídia do Rio, com os adultos. A carta reuniu as perspectivas de adultos e adolescentes, os resultados de acordos globais e compromissos firmados pela indústria de mídia, governos e sociedade antes e durante a cúpula.

Na conclusão da carta, os jovens pedem: que os adultos “reconheçam o trabalho que fazemos e priorizem a produção de mídia de qualidade com a participação de crianças e adolescentes e, quando tomarem consciência de que não somos custo, mas investimento, que somos o presente que constrói o futuro, teremos vencido a nossa luta de hoje”. Já os adultos afirmam: “Examinamos no Rio a mídia e o mundo de diversas perspectivas. Uma gama de experiências bem-sucedidas, provenientes dos cinco continentes, comprova a viabilidade e a presença de alternativas à homogeneidade que tem prevalecido. Esta cúpula renovou o nosso compromisso na construção da solidariedade e dos valores humanos na mídia”. Para Regina de Assis, a carta consagra a esperança em transformar para melhor a produção de mídia para crianças e adolescentes.

A paulista Laila El Alam, de 13 anos, representando o Projeto Educom.rádio, do Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, torce para que a cúpula seja apenas o ponto de partida de outras iniciativas semelhantes. “Temos que mostrar para o mundo que os adolescentes têm direito e voz. A cúpula é muito importante porque temos contato com muitas culturas e pessoas diferentes. Aprendemos como fazem mídia e como são e pensam os adolescentes nos outros países.”

Também a jamaicana Natalie Andréa obteve, no Fórum dos Adolescentes, muitos conhecimentos para mobilizar os jovens do seu país em favor de uma mídia de qualidade. Já Mohammad Joulani, 18 anos, de Jerusalém, estava feliz em participar do evento. Ele trabalha na TV Speak Up, que semanalmente exibe para o público jovem programas sobre problemas de saúde, como a incidência da Aids entre os adolescentes. Para a palestina Lana Mohammad Kamleh, 18 anos, foi uma oportunidade de dizer o que é a Palestina, o que dizem, fazem, vivem e mostrar que, mesmo em conflito, é um território que mantém sua produção de mídia.


O encontro no Rio de Janeiro deu voz a crianças e adolescentes que, vindos de várias partes do mundo, expuseram a sua visão sobre a mídia: "Trabalhem conosco, não para nós. Queremos uma mídia de todos, para todos e, principalmente, por todos"


Valores positivos

“A hora do silêncio acabou. Temos uma voz forte e determinada. Podemos transformar, recriar e inovar.” Com essas palavras, os adolescentes Natália Saliés, Michelle Queiroz e Peter Buarque abriram a 4a Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes. A solenidade reuniu Carol Bellamy, do Unicef; Regina Assis; Jorge Werthein, representante da Unesco no Brasil; Beth Carmona, presidente da TVE-Rede Brasil; Nilmário Miranda, ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos; o vice-prefeito do Rio de Janeiro, Marco Antônio de Moura Vales, e representantes do Ministério da Educação e do governo do Estado do Rio de Janeiro.

Os palestrantes ressaltaram a importância de cada país explorar suas próprias histórias e personagens e apresentarem valores positivos, além de darem espaço para que crianças e adolescentes participem da produção de mídia de qualidade. Isso porque, acrescentaram, sem espaço para a criação de uma mídia individualizada e o respeito às diferentes vozes no mundo não existe mídia democrática. Também ressaltaram o cuidado com a divulgação dos estereótipos, alertando para o perigo do preconceito que alguns veículos alimentam.

Em conferência na primeira sessão plenária, dia 20, o pesquisador argentino Néstor Garcia Canclini destacou as novas tendências de consumo cultural de jovens e crianças e as estratégias das indústrias audiovisuais para expandir sua difusão massiva e atender a essa diversidade. Para Canclini, o mundo passou de uma etapa em que a globalização era sinônimo de homogeneização para uma outra era, em que “se reconhecem as operações complexas em que os movimentos globais trabalham com a diversidade cultural, com as segmentações sociais e criam novas diferenças”.

O pesquisador defendeu uma “renovação na conversa entre a mídia e a escola”. Para ele, é preciso que o rádio e a televisão conectem as pessoas diariamente com o mundo e que a Internet siga seu caminho tornando os indivíduos mais cosmopolitas. “A educação formal necessita das telas televisivas e dos computadores para se vincular com a vida cotidiana dos estudantes, mas nem o controle remoto nem o mouse organizam a diversidade cultural ou desenvolvem opções de vida inteligente.”

Para Patrícia Edgar, presidente da Fundação Mundial de Cúpulas de Mídia para Crianças, da Austrália, os valores da atual sociedade globalizada não atendem às necessidades e expectativas de crianças e adolescentes. Valores que são difundidos e defendidos pela mídia ocidental, em particular pela americana, e imperam em todo o planeta. Valores que regem a cultura da violência, do consumo, do individualismo, do materialismo e do sensacionalismo. “Se quisermos reverter esse quadro, temos um longo caminho a percorrer. E o primeiro passo é fazer uma grande limpeza na programação da mídia. É preciso reavaliar como apresentamos as notícias, os modos de vida, as ficções e os esportes”, analisou. Patrícia lembrou que, hoje, crianças com dois anos são consumidoras, ditam aos pais suas demandas, e que bilhões de dólares são gastos em merchandising para esse público. “O consumo e a ênfase sobre o individualismo gera insatisfação e alienação”, alertou.

A USP na cúpula

A USP esteve presente na cúpula através dos professores Ismar de Oliveira Soares e Marília Franco, ambos da ECA, que participaram tanto da coordenação temática do evento como da preparação e desenvolvimento do Fórum dos Adolescentes. Eles levaram ao encontro cinco adolescentes vinculados aos projetos do Núcleo de Comunicação e Educação da ECA. Os professores apresentaram também os projetos Educom.rádio e Educom.TV. As sessões aconteciam simultaneamente, em cinco espaços, com capacidade para 60 pessoas cada, onde eram apresentados projetos e troca de experiências de vários países.

Um dos temas discutidos no evento foi o uso do rádio por adolescentes, com a apresentação de cerca de dez experiências internacionais que acontecem na Índia, Venezuela, Somália, Congo, Moçambique e Brasil. Nessas experiências o Educom.rádio se destacou por ser o mais abrangente, envolvendo o maior número de adolescentes. “São 5 mil alunos de escolas públicas dos Estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás”, ressaltou Soares.

Marília, professora de Audiovisual da ECA, foi moderadora de um dos painéis da cúpula, com o tema “Pesquisa e mídia – A busca de soluções compartilhadas entre a indústria e os pesquisadores pela melhor qualidade da mídia”. Segundo Marília, essa mesa foi muito importante para a cúpula porque é a primeira vez que a pesquisa está integrada no evento. “Nas três primeiras edições da cúpula, as discussões sobre pesquisa nunca aconteciam concomitantemente, mas sempre antes ou depois do evento. Agora ela está integrada no conjunto de suas atividades.” Durante a mesa foram apresentados os relatos da NHK, emissora japonesa de televisão, que tem um departamento de pesquisa integrado no seu corpo de funcionamento, e da BBC de Londres. “Nos dois casos são atividades de pesquisa que nasceram com as emissoras”, explicou Marília.

Houve ainda a apresentação da pesquisadora Tatiana Flores, da Argentina, que realiza pesquisas acadêmicas principalmente na área de videojogos. “A questão principal na América Latina é que o pesquisador fica de um lado e o produtor, do outro e não há conversa entre esses dois ambientes de pensar a mídia e de produzi-la. O que interessa é saber, a partir dessas experiências, o que se pode fazer para trazer o produtor para perto do resultado da pesquisa”, observa.

A USP foi convocada a contribuir para a construção do Centro Internacional de Referência sobre Pesquisa e Experiências sobre mídia para crianças e adolescentes. O objetivo desse centro é democratizar o acesso e a divulgação da produção de conhecimento sobre mídia, educação, cultura e entretenimento e articular uma rede de pesquisas, estudos e produtos em diferentes mídias. O material estará reunido e colocado à disposição de todos os interessados por meio de um centro de documentação digital, organizado, fomentado e sediado na Multirio.

Para o professor Ismar Soares, a cúpula representou um espaço de aproximação entre produtores, analistas e usuários da mídia, que, juntos, produziram um documento que reafirma o direito das crianças e adolescentes de ter uma mídia de qualidade, que os respeite e abra espaços para que se expressem sobre suas perspectivas quanto às mudanças do mundo atual. A USP esteve representada na cúpula também pelo Laboratório de Pesquisa sobre Infância, Imaginário e Comunicação (Lapic), da ECA, apresentando o trabalho do pesquisador Claudemir Viana.




Iraque


O encerramento do evento contou com a participação criativa e irreverente dos adolescentes, que deixaram um recado às mídias: “Trabalhem conosco, não para nós. Queremos, sim, uma mídia de todos, uma mídia para todos, mas, principalmente, uma mídia por todos”. Os jovens Khairul Amanda Sabri, Jennifer Guan Huey Chen, Marisha Naz Br Snakil Anmad e Sarah Chen Tzee Eien, da Malasyan Children Foundation, por meio de uma reportagem que realizaram no Iraque, denunciaram as dificuldades que crianças e adolescentes vêm enfrentando no dia-a-dia violento das guerras e do terrorismo.

Crianças fantasiadas e de rostos pintados subiram ao palco e pediram para que a platéia ficasse toda em pé e assumisse em juramento o compromisso de trabalhar com crianças e adolescentes para a produção de mídia de qualidade. Enquanto isso, a malaia Marisha Shakil dizia: “Ao se dar uma folha de papel em branco para uma criança, ela vai fazer um desenho lindo, mas se você fizer o desenho com ela, os dois farão uma obra-prima”. Outro jovem malaio, Khairul Azri Sabri, ratificou dizendo: “Se vocês nos ensinarem a amar, amaremos. Se vocês nos ensinarem a brigar, brigaremos. E, se vocês nos deixarem livres para praticar o que pensamos, voaremos”.

O anúncio de que a quinta versão da cúpula será na África do Sul foi recebido com entusiasmo pela delegação sul-africana, representada por Firdoze Bulbulia, diretora do The Children’s Broadcast Forum of Africa (CBFA). Logo após o anúncio, ela convidou todos os participantes africanos a subir ao palco. “Viva a África, viva! África, essa é nossa vitória. África, você está chegando ao mundo!”, bradou, prometendo um sabor africano na próxima cúpula.


Mais informações sobre a 4a Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes podem ser obtidas na página eletrônica www.riosummit2004.com.br.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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