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m amplo e variado mapa do negro no Brasil encontra-se na nova edição da revista Estudos Avançados, que o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP lança nesta quinta-feira, dia 13, na Cidade Universitária. Com 29 textos sobre a questão racial, a revista comemora sua 50a edição (leia texto ao lado).

Nesse novo número, a condição do negro no Brasil é avaliada por especialistas de diferentes áreas do conhecimento – entre elas antropologia, sociologia, história, saúde pública, educação, genética e artes. Um dos textos publicados na revista é uma entrevista do sociólogo Octavio Ianni, falecido no dia 4 de abril. Na entrevista, realizada em 11 de dezembro de 2003, Ianni destaca a importância da chamada “escola sociológica paulista” para a desmitificação da “democracia racial” – a idéia, oriunda das obras de Gilberto Freyre, de que no Brasil há preconceito de classe e que o preconceito racial é apenas um ingrediente dele. “Com os trabalhos de Roger Bastide e Florestan Fernandes, em Negros e brancos em São Paulo, é que foi revelada a realidade do preconceito racial de par em par com o preconceito de classe e, portanto, o preconceito racial constitutivo da sociabilidade na sociedade brasileira”, disse Ianni. “O impacto desses estudos foi assimilado de modo traumático porque havia na ideologia brasileira e na academia, como ambiente cultural, um certo compromisso com a tese da democracia racial.” Ianni ainda assina um artigo publicado em Estudos Avançados, “Dialética das relações raciais”, um dos últimos textos do sociólogo.

Maneiras de promover a inclusão social dos negros no Brasil também são destaque na edição 50 de Estudos Avançados. A revista apresenta uma inovadora experiência promovida pela Prefeitura de Salvador, na Bahia: a criação da Secretaria Municipal da Reparação. Instalada em dezembro de 2003, a pasta tem o objetivo de formular políticas e assessorar ações com as áreas de saúde, educação e habitação, sempre com vistas a diminuir as desigualdades sociais. Entre as iniciativas já tomadas pela secretaria está um projeto de capacitação de jovens de baixa renda, concebido e proposto por uma ONG de Brasília. Uma parceria com a Secretaria Municipal da Saúde já rendeu também um projeto de assistência à população negra portadora de anemia falciforme.

Em breve, será incluída nos currículos das escolas de ensino fundamental a disciplina História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Com a Fundação Palmares e Universidade Federal da Bahia, a secretaria elaborará um livro didático para auxiliar as aulas daquela disciplina. “Reparar não é consertar: é abrir oportunidades para esse segmento enorme da cidade, a fim de combater as desigualdades raciais, provenientes de um processo de colonização e exclusão da população pobre”, explica a titular da pasta, Arany Santana, entrevistada por Estudos Avançados, lembrando que 86% da população de Salvador são negros. “A secretaria não é a salvadora-da-pátria, mas inicia um processo novo de reparação. Para tanto, é preciso que haja uma mobilização da sociedade como um todo, uma participação da sociedade civil organizada, do empresariado, das ONGs, de todos, enfim, independentemente da cor da pele e do partido político.”

A política de cotas para negros em instituições públicas – inclusive nas universidades – é analisada em textos como “Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?”, “A difícil tarefa de definir quem é negro no Brasil” e “Ser negro no Brasil: alcances e limites”.

Cultura negra

Estudos Avançados tem o mérito ainda de mostrar a relevante produção cultural dos negros no Brasil. O ensaio “A trajetória do negro na literatura brasileira”, do Professor Emérito da Universidade Federal Fluminense (UFF) Domício Proença Filho, é um exemplo disso. O artigo traça o percurso do negro na literatura brasileira, destacando, de um lado, textos literários sobre o negro e, de outro, literatura do negro. Proença Filho cita Luís Gama (1850-1882), um dos pioneiros em fazer uma literatura que tem o negro como sujeito:

Eu bem sei que sou qual Grilo
De maçante e mau estilo;
E que os homens poderosos
Desta arenga receosos
Hão de chamar-me tarelo,
Bode, negro, Mongibe.

Porém eu, que não me abalo,
Vou tangendo o meu badalo
Com repique impertinente,
Pondo a trote muita gente.
Se negro sou, se sou bode,
Pouco importa. O que isto pode?

Proença Filho se detém em autores surgidos a partir dos anos 70, “momento de efervescência dos movimentos de auto-afirmação da etnia”, como declara. Citando vários nomes contemporâneos, o professor da UFF nota que, nos poemas desses autores, transparece “um comprometimento ideológico deliberadamente assumido”, uma “posição de resistência e luta pela afirmação e pelo reconhecimento social”. Como ocorre nos versos de “Protesto”, de Carlos Assumpção:

Mas irmão, fica sabendo
Piedade não é o que eu quero
Piedade não me interessa
Os fracos pedem piedade
Eu quero coisa melhor
Eu não quero mais viver
No porão da sociedade
Não quero ser marginal
Quero entrar em toda a parte
Quero ser bem recebido
Basta de humilhações
Minha alma já está cansada
Eu quero o sol que é de todos
Ou alcança tudo o que eu quero
Ou gritarei a noite inteira
Como gritam os vulcões
Como gritam os vendavais
Como grita o mar
E nem a morte terá força
Para me fazer calar.

“A política dos homens de cor no tempo da Independência”, “Intelectuais negros e formas de integração nacional” e “História, antropologia e a cultura afro-americana: o legado da escravidão” são outros ensaios publicados na edição 50 de Estudos Avançados. A revista traz também textos sobre a comunidade quilombola e sobre instituições que lutam contra o preconceito, como o Núcleo de Consciência Negra da USP, o Fala Preta! e o Geledés.

O lançamento do número 50 da revista Estudos Avançados será no dia 13, quinta-feira, às 17h30, no auditório da Sala do Conselho Universitário da USP (rua da Reitoria, 109, Cidade Universitária, São Paulo). Haverá palestra de Arany Santana, secretária municipal de Reparação de Salvador (BA), e pronunciamento do professor José de Souza Martins em homenagem ao professor Octavio Ianni. A entrada é gratuita. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3091-3919 ou na página eletrônica www.usp.br/iea.


Revista comemora número 50

 

Criada em dezembro de 1987, a revista Estudos Avançados – uma publicação quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP – tem o objetivo de fazer do conhecimento científico um instrumento de desenvolvimento social e econômico do Brasil. Para isso, ela publica estudos realizados por pesquisadores de diferentes universidades, em várias áreas do conhecimento.

Em seus quase 17 anos de existência, a revista preparou dossiês de relevância nacional e internacional. Alguns desses dossiês tiveram como tema Fome e desnutrição (número 48), Amazônia (45 e 46), Educação hoje (42), Desenvolvimento rural (43), Nordeste (29), Tecnologia, Trabalho e Desenvolvimento (número 17) e América Latina (16).

Foram publicadas três edições especiais. A de número 9 (maio a agosto de 1990), lançada em português e em inglês, trouxe a íntegra do Projeto Floram – o projeto concebido por pesquisadores da USP que propõe o reflorestamento de áreas devastadas do Brasil. Na edição 15 (maio a agosto de 1992), a revista publicou as convenções assinadas durante a Eco 92, a reunião da ONU sobre ambiente realizada no Rio de Janeiro. Já o número 22 (setembro a dezembro de 1994) foi dedicado aos 60 anos da USP.

Em 30 de julho de 2003, Estudos Avançados recebeu o Colar do Centenário, concedido pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo ao Melhor Periódico publicado em 2002. Recentemente, a Scientific Electronic Library Online (Scielo) aprovou a inclusão da revista na biblioteca eletrônica mantida pela entidade (www.scielo.br).

Com tiragem média de 2.500 exemplares, a revista tem como editor, desde janeiro de 1989, o professor Alfredo Bosi, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.


 

 




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