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O
s dias podem estar contados para o terror que muitos sentem pelo consultório do dentista. E a arma para o ataque é o laser. Não se trata de algo saído de páginas de ficção científica, mas da realidade de clínicas médicas e odontológicas. Usando o mesmo princípio da terapia fotodinâmica – já consagrada para o tratamento do câncer de pele e em estudos pré-clínicos para outros tipos de câncer –, cientistas propõem nova forma de tratamento dentário. Indolor, sem anestesias, sem motores e sem efeito colateral, é o “tratamento à base da luz visível”.

Os testes em humanos começaram no final do ano passado. Cerca de 20 dentistas de São Paulo e do Paraná vêm utilizando e testando essa nova tecnologia com sucesso, tanto na remoção da placa bacteriana quanto no tratamento da cárie. Todo o trabalho é coordenado pelo professor Antonio Claudio Tedesco, do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, que há um ano e meio, com sua equipe, desenvolve drogas e testes in vitro para a nova terapia odontológica.

Os resultados obtidos até o momento com os pacientes nos consultórios confirmam os achados laboratoriais. “Realmente é uma técnica eficiente para matar as bactérias cariogênicas”, comemora Tedesco, referindo-se aos organismos causadores da cárie. Na verdade, os dentistas avaliam a eficácia de uma nova formulação, desenvolvida no laboratório do professor em Ribeirão Preto, que entra em ação atacando especificamente bactérias cariogênicas quando estimuladas pela luz do laser de baixa potência, ou, como é conhecido no meio clínico, o laser odontológico. É o mesmo equipamento já utilizado nos consultórios para clareamento dental, tratamento de aftas e cauterização pós-implantes.

Tedesco acredita numa rápida transferência da tecnologia para o consumo da sociedade. A droga só age quando irradiada e mais, somente sobre microorganismo específico, a bactéria da cárie. Os testes também mostraram que a luz tem ação somente sobre o fármaco, sem qualquer efeito colateral sobre o tecido normal. “Está na reta final”, avalia o professor. “Uma vez completada esta etapa, da casuística, o fármaco estará disponível para industrialização.”


Pacientes especiais

A proposta para profilaxia contra as cáries é a de substituir o que se faz hoje com o flúor e outros tratamentos de controle quanto aos desequilíbrios de bactérias. O procedimento é rápido e simples. Basta aplicar a droga, que se apresenta em forma de gel ao contato com o dente, irradiá-la com a luz visível do laser de baixa potência, já conhecido do dentista, lavar a boca e pronto, obtém-se o reequilíbrio da placa bacteriana.

Para a cárie, necessita-se avaliar as condições do dente. A odontopediatra Cristiane Loureiro Margato, que utiliza a nova técnica, explica que existem vários tipos de cáries, apesar de as bactérias serem as mesmas. Quando se apresenta uma “panela”, um buraco grande, não é necessário abrir o dente, pois a cárie já está exposta. O gel pode ser aplicado e irradiado diretamente. Quando, ao contrário, verifica-se apenas um pequeno ponto, é necessário abrir passagem com a ajuda do motor.

O dente é formado por três partes: o esmalte (a camada externa e mais dura), a dentina (mais volumosa e menos resistente) e a parte nervosa (que é a mais sensível). No tratamento com o laser, somente é usado o motor para expor a dentina, quando for necessário romper o esmalte. A remoção da cárie, com motor e curetas afiadas, e as injeções de anestesia são descartadas. Com a cavidade aberta, não é necessário remover a lesão, apenas aplicar o gel e o laser. Os microorganismos incorporam o gel e morrem. O próximo passo é restaurar o esmalte da forma tradicional.

Para certificar-se de que a cárie não voltará, Cristiane tem seguido um protocolo que consiste do acompanhamento periódico do paciente. Faz avaliações semanais e, depois, mensais, que incluem exames laboratoriais de cultura e radiografias.

Como o sistema é rápido e indolor, Cristiane está entusiasmada pelas novas possibilidades oferecidas a seus pacientes. Além de pediatra, ela é especialista em atendimento a pacientes especiais. Entre eles, trata portadores de diferentes paralisias, cerebral e motora. Ganhar a confiança do paciente, segundo ela, é fundamental para o êxito do tratamento. “Usamos de todos os artifícios para isso, e também equipamentos adaptados. Se sentir dor, o paciente fica traumatizado”, comenta.

Testes para canal

O mesmo procedimento deve atender outras áreas da odontologia, como a endodontia e a periodontia. Essas pesquisas já estão avançadas e os testes in vivo devem começar em breve, primeiro em animais e depois em humanos. Tedesco adianta que nesse caso são utilizadas novas drogas, formulações apropriadas e fontes de laser diferentes, mas ainda dentro da faixa de fontes de baixa potência.

Mesmo assim, os cuidados são maiores, pois as bactérias nesse nível atingem os tecidos nervosos. Além de testar fármacos e sistemas a laser para garantir eficácia e segurança, a equipe pesquisa procedimentos diversos, como a introdução de fibra óptica no canal para aplicação da droga e o tratamento do processo inflamatório com técnicas diferentes das convencionais para o canal.

Como o procedimento está em fase de testes, apesar do sucesso já alcançado, informações específicas quanto às substâncias usadas e a tecnologia envolvida permanecem ainda sob certo sigilo. Sabe-se que utilizam determinados compostos sensíveis à luz, em formulações que se apresentam na forma líquida à baixa temperatura, para conservação, e que tomam o aspecto de gel ao contato com a temperatura do corpo, o que torna mais fácil sua aplicação sobre a área afetada do dente.

Esse gel é fotossensibilizante: ele absorve luz e libera os agentes ativos que irão atuar sobre os microorganismos. Em meio cariogênico, o gel é absorvido pela bactéria. Exposta à luz de baixa potência do laser, num comprimento de onda determinado – ou, como descrito de forma popular, “de uma certa cor” –, tem-se a absorção dessa luz, o que provoca uma resposta biológica do microorganismo, destruindo-o.

Esse mesmo princípio é utilizado no tratamento de alguns tipos de câncer. A equipe do professor Tedesco trabalha desde 1995 com essa linha de pesquisa voltada para terapia fotodinâmica. As terapias de saúde propostas a partir dessas investigações são alvo de pesquisa em diversos centros do mundo. A aplicação dessas terapias na área da medicina já são realidade em países europeus, “porém na área odontológica muito pouco tem sido feito”, segundo o professor. “O Brasil está na vanguarda dessa tecnologia.”

A contribuição do laboratório da USP de Ribeirão Preto nesse sentido representa o domínio brasileiro sobre uma tecnologia considerada, por enquanto, fora do alcance da sociedade. Os resultados do grupo do professor Tedesco devem reverter esse quadro, tornando a técnica acessível. O equipamento do laser já é fabricado no Brasil a custo relativamente pequeno e amplamente utilizado em consultórios e, agora, a tecnologia para a fabricação das drogas e formulações pode ser considerada nacional.

 

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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