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ampliar o repertório da pessoa com deficiência auditiva e
abrir novas possibilidades de trabalho para promover a sua inclusão social parece difícil – e é. Mas, ao empunhar essa “bandeira”, o Núcleo Integrado de Reabilitação e Habilitação
(Nirh), uma unidade do Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais da USP, o Centrinho, em Bauru, colabora para abrir os olhos – e os ouvidos – do empresariado para as múltiplas potencialidades da chamada “população surda”.

O núcleo atua em parceria com Fundação para o Estudo e Tratamento das Deformidades Craniofaciais (Funcraf), entidade que apóia hospital há mais de 18 anos. Ao mesmo tempo, os alunos matriculados na unidade aprendem a romper as limitações impostas pelo silêncio para garantir menos barreiras e mais caminhos livres no convívio social. Na rotina de

Giancarlo de Araújo: ajudado pelo convênuo do núcleo com 13 empresas
trabalho, curso de Libras (Língua Brasileira de Sinais), aulas de língua portuguesa, educação artística e demais atividades
educativo-pedagógicas, que ampliam o repertório do usuário e
abrem possibilidades de inclusão social. As aulas ocorrem de segunda a sexta-feira, no período da tarde.

E, desde que a capacitação profissional e a intermediação com
empresas começaram a ser sistematizadas pelo Nirh, em 1999,
mais de 50 jovens foram diretamente beneficiados com emprego carteira assinada – alguns, no próprio Centrinho.

Nascido com deficiência auditiva, Saulo José Garcia, 21 anos, é um deles. Auxiliar administrativo da pós-graduação do hospital, hoje ele tem um dia-a-dia tão corrido quanto o
de qualquer jovem de sua idade. “Além de trabalhar no Centrinho, me formei técnico em instalação de som e agora estou cursando elétrica e mecânica”, conta. Aficionado
por som, Saulo venceu as barreiras da deficiência auditiva
fazendo fonoterapia por nove anos e participando das atividades do Nirh. “Futuramente, penso em trabalhar com som, já que, hoje, ouço bem com o aparelho auditivo
e me comunico normalmente.”

O entusiasmo não é exclusividade do ex-aluno do núcleo: “Atualmente, já somos parceiros de 13 empresas”, comemora a psicóloga Oleana Rodrigues Maciel de Andrade, do Nirh. Mas, para atingir resultados positivos (e contínuos), o trabalho diário tem foco centrado no estímulo ao desenvolvimento das habilidades desses cidadãos surdos com idade limite de 30 anos (e devidamente matriculados no hospital). No curso
preparatório para o mercado de trabalho, por exemplo, adolescentes acima de 16 anos de idade participam
de atividades em grupo em que são abordados aspectos de autoconhecimento, informações sobre o mundo do trabalho e escolha de uma carreira. Na prática, eles recebem desde noções básicas sobre cidadania e identidade pessoal até orientações sobre leis trabalhistas e meios e recursos para obter documentos, como RG, CPF e carteira de trabalho.

Depois do curso, os pacientes vão conhecer a prática do trabalho em empresas conveniadas com o núcleo. “As empresas oferecem vagas para os pacientes, comprometendo-se a ensinar a eles uma função”, explica a assistente social Célia Cristina Lobato, também do Nirh. “Em contrapartida,
a Funcraf garante benefícios enquanto eles são treinados, como ajuda de custo mensal e vales transporte e alimentação.” O treinamento acontece por um período máximo
de seis meses. Depois, o jovem pode retornar para o núcleo para ter mais aulas, enquanto aguarda nova colocação no mercado de trabalho.

Durante o “estágio” na empresa, uma assistente social e uma psicóloga do Nirh acompanham o desenvolvimento do paciente e intervêm nas dificuldades apresentadas, assessorando o empregador para facilitar o processo de inclusão da pessoa com deficiência. Só em 2003, dez treinandos foram para o
mercado de trabalho.

Do papel à prática

Regulamentada em 1999 pelo decreto 3.298, a lei 8.213/91, que estipula pisos percentuais diferenciados de contratação de empregados com deficiência, dependendo do tamanho da empresa, começa a ser levada a sério, 13 anos depois.

Segundo a política de cotas, as empresas com mais de 100 funcionários devem reservar de 2% a 5% das vagas a pessoas com deficiência. “O nosso objetivo não é ser assistencialista.
Não queremos apenas conseguir um emprego para os deficientes auditivos. Queremos que eles tenham suas habilidades reconhecidas e exploradas”, complementa a coordenadora do Nirh, pedagoga Maria José Monteiro Benjamin Buffa.

Mesmo que timidamente, o tão esperado reconhecimento tem ocorrido. É o que conclui a pesquisa de Célia Lobato, especialista na área de Saúde e Reabilitação pelo Curso de
Especialização em Serviço Social oferecido gratuitamente pelo Centrinho.

Em seu estudo, Célia analisou cinco empresas da cidade de Bauru. “Pesquisamos a responsabilidade social das empresas bauruenses na inclusão de pessoas deficientes, analisando
a relação de parceria com o Nirh, e identificamos que os empresários entrevistados acreditam no potencial das pessoas deficientes”, informa. Mas a pesquisa também revelou que os empregadores se sentem mais seguros em contratar deficientes ao ter o respaldo de programas que prestem informações sobre a deficiência e as formas de lidar com ela e dêem apoio no processo de inclusão, a exemplo do Nirh.

O objetivo do Núcleo não é ser assistencialista, mas sim de
senvolver as habilidades do deficiente auditivo

Outra monografia do curso na área de Saúde e Reabilitação – intitulada “A pessoa portadora de deficiência auditiva e o direito ao trabalho” –, da assistente social Ana Maria de
Castro Alves Machado, estuda 71 empresas de Bauru que se enquadram na lei de cotas para contratação de pessoas deficientes e não são parceiras do Nirh.

Dados preliminares da pesquisa, iniciada no final e 2003, apontam que a maior dificuldade de contratação enfrentada pelas empresas bauruenses ainda é encontrar deficientes qualificados para o perfil das vagas. “Um dos objetivos
do estudo é diagnosticar o perfil do trabalhador com deficiência auditiva exigido no mercado de trabalho e relacioná-lo com a capacitação realizada no Nirh”, explica
Ana Maria.

O confinamento de alguns deficientes e a falta de apoio ou estrutura familiar são alguns dos fatores apontados como responsáveis pela falta de qualificação.

Mas não é tudo. Afinal, no Brasil, deficientes e
não-deficientes sofrem com a falta de emprego e, muitas vezes, são submetidos aos chamados subempregos.

No caso das pessoas com deficiências, como os surdos, por exemplo, soma-se o preconceito e a dúvida sobre a existência de habilidades. Por outro lado, a experiência da equipe do núcleo indica: apesar da dificuldade de conscientização dos empregadores em relação às habilidades das pessoas com deficiência, em Bauru diversos empresários reconhecem as potencialidades dos surdos.

“Prova disso é que o empresariado também costuma solicitar
aulas de Libras para seus funcionários, num gesto digno de respeito às diferenças”, completa a coordenadora Maria José Buffa.

Foi o que fez a empresa bauruense Tilibra (maior fabricante de produtos de papelaria da América Latina). “Logo que iniciamos o treinamento profissional de deficientes auditivos, optamos por solicitar o curso para melhorar o relacionamento entre funcionários não-deficientes e os recém-contratados”, conta a chefe do setor de recrutamento, seleção e treinamento da empresa, Sandra Maria Florêncio de Oliveira Mello. “O importante é que a gente saiba explorar as habilidades deles para encaixar o perfil à função ideal”, acrescenta o gerente-geral do Auto- Posto Sem Limites (Rede Graal), em Bauru, José Carlos da Silva. “Aqui eles têm se saído muito bem em funções
que não exigem comunicação direta com o público e, onde trabalham, são muito atenciosos e ágeis”, completa Luiz Carlos Seabra, técnico de segurança do trabalho e responsável pelas contratações do posto.

Atualmente, os três jovens deficientes auditivos que trabalham no posto atuam na área de serviços gerais. Experiências de vida – Outra parceira do Nirh é a sede dos Correios de Bauru (Diretoria Regional São Paulo Interior), que tem em seu quadro funcional, atualmente, 21 jovens que passaram pelo curso de capacitação profissional do núcleo. Ao todo, a Regional dos Correios São Paulo Interior possui 224 funcionários com deficiência, 46 só em Bauru. Para o supervisor de mão-de-obra alternativa em Bauru, Daniel Cirilo da Silva, o deficiente “é, sem dúvida, um funcionário como outro qualquer”.

“A contratação de pessoas com algum tipo de deficiência traz para a empresa e seus colaboradores experiências de vida muito ricas. São exemplos de gente que batalha muito para expressar seus valores e desafiar limites”, reconhece Joselma
Regilda dos Passos, subgerente de relação do trabalho do setor de Recursos Humanos da sede dos Correios de Bauru. “A convivência com os deficientes nos faz exercitar habilidades que desconhecíamos”, assegura.

Os números revelam, contudo, a dimensão das barreiras que ainda restam ser transpostas. No Brasil, há cerca de 24,5 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o equivalente a 14,5% da população, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Entre eles, estima-se que 9 milhões estejam em idade de trabalhar, mas apenas um milhão tem alguma atividade.

É fato que muita coisa melhorou para as pessoas com deficiência auditiva desde o início da década de 90. Porém, há tantos desafios ainda pela frente que esta é, sem dúvida, uma reflexão que merece bem mais do que um minuto de silêncio.



Sim, eles estão no mercado de trabalho

Sabe o que Alessandro Soares dos Santos, 25 anos, Ana Paula Aparecida Cunha, 23, Danilo Bispo de Moraes, 20, seu irmão
gêmeo Davilson Bispo de Moraes, Denilson Grassi Lourenço, 20, Elizângela Conceição Silva Celestino, 18, Giancarlo Silva de
Araújo, 20, Robson Alexandre Abílio, 20, e Taize Cristina Silva Galhardo, 21, têm em comum, além da mesma faixa etária e da
deficiência auditiva? Todos foram incluídos no mercado de trabalho graças a parcerias entre o Núcleo Integrado de Reabilitação e Habilitação (Nirh) e empresas bauruenses. As
histórias de vida desses jovens são muito parecidas: todos têm sonhos, convivem com limitações e aprendem, a cada dia, a explorar o que eles têm de melhor. Assim, vão
diversificando esse Brasil, que insiste em buscar igualdades.

Fundado em 1991, o Nirh recebeu, recentemente, certificado de “tecnologia social” da Fundação Banco do Brasil por ser
considerado, entre 634 instituições analisadas, modelo eficiente de transformação social, com viabilidade de
multiplicação para outras regiões do País. O certificado é conseqüência da participação do Nirh, em 2003, no Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, cujo
resultado, divulgado em setembro/03, declarou a unidade do Centrinho uma das 96 ações consideradas efetivamente de tecnologia social. Desde então, o trabalho do Nirh está
cadastrado no banco de tecnologias sociais da Fundação, disponibilizado no endereço eletrônico www.cidadania-e.com.br .


 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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