Luís?
Fala!
Luís, sabe o Projeto Nasa?
Hã?
Decolou. Decolou!
Foi assim, em julho de 1998, com uma ligação
entusiasmada dos Estados Unidos para o celular do irmão mais
velho, Luís Carlos, então bancário em Bauru,
que o tenente-coronel Marcos Pontes compartilhou, em primeira mão,
a notícia de que acabara de ser escolhido o primeiro astronauta
brasileiro e de todo o Hemisfério Sul, superando 40 candidatos.
Projeto Nasa era a forma como os dois se referiam, na
intimidade familiar, ao desafio iniciado apenas três meses
antes. Vi no jornal que a Nasa iria recrutar interessados
do Brasil em participar de uma missão espacial, lembra
Luís Carlos. O detalhe é que o candidato deveria
ter uma sólida carreira militar, um ótimo currículo,
formação em engenharia e inglês fluente. Parecia
a descrição do meu próprio irmão.
Imediatamente, Luís Carlos enviou a notícia por e-mail.
Segundos depois, o telefone tocava: era Marcos Pontes, direto dos
Estados Unidos. Por coincidência, ele estava em Monterey,
na Califórnia, estudando numa academia que já havia
revelado astronautas para a Nasa. Tudo se encaixava, lembra
o irmão.
O segundo
passo foi o contato direto entre Marcos Pontes e a equipe brasileira
responsável pela pré-seleção. Em 90
dias e muitos testes depois , foi eleito
pela Nasa em conjunto com a AEB (Agência Espacial Brasileira),
autarquia do Ministério da Ciência e Tecnologia. Para
quem, quando criança, não acreditava que o homem havia
chegado à Lua, foi a glória, revela Luís
Carlos. De lá para cá, Marcos Pontes mestre
em Engenharia de Sistemas, piloto de provas, piloto militar e especialista
em segurança de vôo passa por um contínuo
e pesado treinamento. De fato, a operação dos
veículos é complexa, exige atenção redobrada
e não permite erros, destaca, em entrevista por e-mail
ao Jornal da USP, direto do Johnson Space Center, em Houston, no
Texas. Além disso, as situações possíveis
são altamente diversas e exigem preparação
técnica e psicológica.
Pontes também tem se dedicado a divulgar a importância
da presença brasileira no consórcio de 17 países
que participam diretamente no desenvolvimento da Estação
Espacial Internacional (ISS International Space Station).
A AEB, por sua vez, acentua que um Brasil ativo em missões
espaciais representa domínio da tecnologia de ponta com capacidade
de trazer maior benefício econômico ao País
ou seja, dominar a concorrida tecnologia espacial. A contrapartida
brasileira está na construção e exportação
de componentes pela indústria nacional, que serão
anexados à estação. Esse investimento
está sendo reavaliado devido às restrições
econômicas impostas pelo governo à área de ciência
e tecnologia, alerta Pontes. A questão orçamentária
é o calcanhar- de-aquiles da participação brasileira
na missão espacial internacional. Especula-se, neste momento,
que o próprio ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo
Campos, poderá ir pessoalmente à Nasa para rever as
bases do acordo firmado com o Brasil no final dos anos 90. Estamos
diante de uma nova bifurcação que definirá
rumo a ser tomado pelo Brasil na área espacial, completa
o presidente da AEB, Luiz Bevilácqua, em artigo disponível
no site da AEB.
Ele próprio tem coordenado revisão dos documentos
que definem a colaboração do Brasil na construção
da Estação Espacial Internacional (ISS). O governo
brasileiro quer se comprometer apenas com o fornecimento de peças
de suporte de vôo. Pelo protocolo inicial, datado de 1997,
Brasil deveria fornecer seis tipos de equipamentos que, nos anos
seguintes, teriam apresentado custos acima do previsto. O governo
teria, ainda, de direcionar à indústria nacional,
para a construção das peças da estação,
cerca de US$ 80 milhões nos próximos seis anos. Era
esperado, para este mês, um adendo ao acordo original para
adequar a participação brasileira. A assessoria da
AEB informa, contudo, que um novo prazo será estipulado.
O motivo se repete: necessidade de adequar as possibilidades brasileiras
de participação com o nível do orçamento
destinado para o projeto. Também por meio de suas assessorias,
AEB Ministério da Ciência e Tecnologia se apressam
em desmentir que a expedição esteja ameaçada
por conta das indefinições orçamentárias.
O ideal seria, portanto, o governo brasileiro e a Nasa não
mais adiarem uma solução para o caso do contrário,
especulações a respeito tendem a se multiplicar.
USP, prestígio e livro
Enquanto isso, Marcos Pontes prossegue seu treinamento nos Estados
Unidos, que também envolve a pesquisadora com mestrado em
Sociologia pela USP Regina North responsável por conduzir
um treinamento aos astronautas voltado superação dos
eventuais problemas de comunicação na futura tripulação
e atritos em situações de isolamento. Regina, aliás,
morou na Antártida duas vezes para sentir na pele
essa condição desfavorável. Tive vários
companheiros de trabalho ao longo de minha carreira que mantiveram
essa relação direta com a USP, como a colega Regina,
respeitada por todos aqui, diz Pontes. Essa é
uma das características interessantes da participação
brasileira no programa espacial: seu aspecto extremamente internacional
na divulgação dos valores do Brasil, como
USP e sua notória contribuição no campo da
pesquisa e ciência.
Mas, efetivamente, o que o Brasil ganha com as expedições
espaciais? Conhecimento, tecnologia e um amplo leque de benefícios
científicos, aponta Pontes. No aspecto internacional,
destaca-se o reconhecimento da nossa capacidade técnico-científica,
aumentando o prestígio e favorecendo contratos de exportação
para a indústria nacional, ressalta. Ele acrescenta
que o Brasil se insere no seleto grupo de nações que
farão experimentos tecnológicos em microgravidade
nas inúmeras áreas de conhecimento, inclusive biotecnologia
e medicina. O trabalho contará com a participação
do brasileiro Pontes como especialista de missão.Essa
inserção é encarada como um passo adiante na
consolidação da soberania e da prosperidade em ciência
e tecnologia para o País.
Em relação ao treinamento em si, impressiona a rígida
divisão de tarefas e equipes. Pontes conta: A primeira
fase é básica e abrange atividades primárias
para a operação segura do ônibus espacial e
da estação espacial, levando em torno de dois anos
para ser concluída. Na seqüência, os novos
astronautas iniciam a fase de manutenção operacional
para completar os conhecimentos adquiridos na fase 1. A chamada
fase especializada é a terceira e está
em curso. É nesse momento que a tripulação
passa a ser escalada e as atribuições de bordo específicas
são distribuídas. Também é nossa
responsabilidade operação e manutenção
de todos os sistemas dos veículos (ônibus espacial
e estação espacial). Fazem parte das atribuições
do especialista de missão as atividades extra-veiculares
e execução de experimentos científicos a bordo,
em coordenação com os técnicos e cientistas
responsáveis, em tempo real em alguns casos, no solo.
Após
a primeira expedição espacial com data estimada
entre 2005 e 2007 , Pontes pretende voltar ao Brasil para
aplicar tudo o que aprendeu em favor do desenvolvimento da educação,
da ciência da tecnologia. Também tem planos de
escrever um livro sobre a experiência que vem acumulando nos
Estados Unidos, em trabalhos técnicos e palestras em outros
países. Mas este, certamente, será um capítulo
à parte na vida desse brasileiro que está conquistando
o espaço a que faz jus. Para quem, quando jovem, sequer acreditava
que o homem era capaz de sair da órbita terrestre, não
deixa de ser um passo da dimensão de uma odisséia.
O que diz o MCT
A
assessoria de imprensa do Ministério da Ciência e Tecnologia
esclareceu, em nota: O vôo até a Estação
Espacial Internacional do sr. Marcos Pontes continua nos planos
do governo e do Ministério. Em relação à
participação do Brasil no projeto da estação,
o País já estabeleceu um canal de negociação
com a Nasa e está para assinar um adendo ao acordo prévio,
que reestrutura a carteira de peças sob responsabilidade
brasileira. A Nasa já está ciente dessa proposta e,
por enquanto, a analisa. Mas duas coisas que podem ser adiantadas
é que esse adendo enfatizará a participação
brasileira na pesquisa e na cooperação científica
e que as peças sob responsabilidade do Brasil serão
todas construídas no País, com tecnologia nacional.
Mais informações podem ser obtidas nos endereços
eletrônicos www.mar cospontes.net, www.aeb. gov.br e www.mct.gov.br
Busca de apoio popular
A
Agência Espacial Brasileira (AEB) destaca que o primeiro
vôo orbital de um brasileiro irá representar
um fato histórico sem precedentes no País. O
astronauta (Pontes) tem se desdobrado para mostrar a importância
do projeto às autoridades e à opinião
pública no Brasil, ressalta a AEB. Assim que
o novo acordo entre Brasil e Nasa for firmado, empresas brasileiras
deverão exportar componentes à estação
espacial. A AEB acrescenta, ainda, que a tecnologia espacial
tem um papel fundamental na produção de bens
e serviços essenciais para o Brasil, como o monitoramento
do desmatamento da Amazônia, dimensionamento mais preciso
de bacias hidrográficas e rastreamento de movimentos
populacionais. O orçamento para programas espaciais
brasileiros, que chegou a mais de R$ 100 milhões/ ano,
sofreu constante redução desde o início
dos anos 80, quando foi oficialmente iniciado. Neste momento,
recursos adicionais de R$ 37 milhões quase R$
20 milhões a menos do que será pago pelo governo
na compra do avião presidencial Airbus Corporate Jetliner
319 estão sendo destinados para investimento
específico na base de Alcântara, no Maranhão.
Outros R$ 7 milhões estão alocados para o projeto
da estação espacial internacional.
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