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O
sol, que tanto colaborou com os vinicultores sulistas este ano, se escondeu entre nuvens na manhã de 2 de junho. Às 9 horas, em Porto Alegre, tribos de todos os Estados do Brasil e de vários países começavam a lotar salas e auditórios da PUC-RS - um festival de brincos na orelha, piercings, cabelos longos e despenteados, visual rock e grunge.

Outro Fórum Social Mundial? Não. Desta vez a capital gaúcha preparava-se para um outro grande evento, ainda pouco divulgado. Aquele céu carregado que cobria a cidade, na abertura do 5º Fórum Internacional do Software Livre (FISL), era emblemático. Para os presentes, não há mais dúvida: o tempo fechou em direção ao império Microsoft no Brasil. O 5º FISL durou quatro dias e contou com 4.854 inscritos, vindos de 35 nações, ante as 20 que vieram em 2003. Do total de participantes, 1.014 representavam instituições ou empresas - um numero recorde, segundo a organização do evento. A parceria com o Programa Fome Zero de Porto Alegre conseguiu arrecadar três toneladas de alimentos não perecíveis, exigidos na inscrição. Senhores e senhoras em trajes bem engomados compareceram com caderninho na mão para anotar as incompreensíveis palestras sobre informática comandadas por... moleques!


São eles

principalmente os brasileiros - os que melhor trafegam pelo sistema operacional operacional Linux - a versão “livre” do
Windows. “Está vendo aquele menino?, aponta Sérgio Amadeu, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, órgão da Casa Civil. “Aquele é o Kov. Um grande mantenedor do Debian no mundo!” Traduzindo: Debian é uma das maiores distribuições do Linux, a única totalmente GPL (licença pública geral). E Kov é brasileiro. A necessidade de cortar os altos custos de licenças e royalties (gastou- se R$ 1,2 bilhões em 2003) é uma das principais razões que levaram o Brasil a se tornar líder na vanguarda digital pela migração para a plataforma livre. Mas há outro fator, que é a genialidade dos brasileirinhos em rede. “Soube que dos 23 grupos de “hackers” que invadiram os computadores da Nasa, ano passado, 18 eram brasileiros.

Fiquei até orgulhoso de ver tanta criatividade em nossos garotos”, brinca Pedro Zaime Ziller, presidente da Anatel, durante a apresentação do Gesac, um ambicioso programa de inclusão digital arquitetado pelo governo. Sérgio Amadeu apressa-se para corrigi-lo: “Não se diz ‘hacker’. Quem pratica crimes na Internet são os ‘crackers’”, esclarece um dos porta- vozes oficiais da moçada e homem forte da luta pró-software livre em Brasília. Ele explica que hackers são apenas grandes conhecedores de informática e que, ao contrário dos outros, eles seguem uma espécie de código de ética dos navegadores digitais.

“É proibido proibir”, essa é a lei na Internet. Quem diria que a frase sairia não da boca dos estudantes das Ciências Sociais, mas da Computação? Em auditórios lotados, com microfone na mão e sem timidez, eles saíram do gueto da informática e invadiram o debate social quase por acaso, mostrando que já não se pode mais separar a tecnologia do resto da vida humana. “A partir de agora vocês têm responsabilidades nesse movimento”, destacou Sandro Binaiko, após concluir sua palestra sobre componentes de software livre em Java, um tipo de linguagem de programação.

A regra é compartilhar todo o conhecimento produzido, contrariando a idéia de Copywrite. E, desta vez, os organismos oficiais se integraram à guerrilha contra a ditadura dos oligopólios: “Não éguerrilha. É guerra de posição: você recua primeiro para poder avançar”, repara Sérgio Amadeu.


Oportunidades

Além do governo,diversos setores privados estão envolvidos na história. Nos corredores e instalações da PUC-RS, circulavam os agentes da tribo empresarial à procura de oportunidades de negócios, clientelas e parecerias.“Não tem cerveja grátis”, faz questão de frisar a Free Sotware Foundation. A onda dos “livres” fez pipocarem as micro-empresas especializadas especializadas em oferecer customizações em sistemas abertos ou em realizar transições para quem deseja dar adeus aos gastos com Microsoft. Durante uma palestra, Sergio Rosa, da Serpro, ouve de Everton Rodrigues, coordenador do Acampamento dos Estudantes no Fórum Social, que o software a ser usado nas audiências públicas sobre a reforma universitária é propriedade. Rosa pega seu celular, na hora, e pede a alguém que entre em contato com o MEC para propor uma “solução livre”.

Este é o terceiro fórum de Nelson Ferraz, um analista de sistemas que abriu uma sociedade com uns amigos para prestar serviços nessa área. “O deste ano foi muito produtivo em termos de bons contatos. Quase nem assisti às palestras, ficava conversando”, comemora. “Eu só ganho dinheiro com isso”, afirma Ralf Braga, de 29 anos, diretor do grupo de usuários da Sucesu, em São Paulo. Ex-desenvolvedor, daqueles que viram a noite brincando de inventar softwares como quem se diverte com videogame, ele dá palestras, realiza workshops e estabelece pontes entre consumidores e prestadores de serviço.

“Existe um enorme mercado aí. Mas o que se paga é pelo serviço, não pelo produto, pois o conhecimento é livre”, ensina Ralf, um dos mais respeitados membros da comunidade. Enquanto o mercado, na surdina, se encarregava de alavancar a expansão dos SLs (software livres) por razões econômicas, Gilberto Gil assinava um documento cedendo a música Oslodum para o projeto Creative Commons, retirando quaisquer barreiras autorais sobre ela. O Ministro da Cultura foi ao FISL só para realizar esse ato - e alguns veículos da imprensa só para cobri-lo. Uma mesa de importantes nomes da produção cultural e das mídias eletrônicas foi especialmente elaborada por Cláudio Prado, coordenador de Políticas Digitais do MinC. Foi o evento mais aguardado e polêmico do fórum. Motivo: quando o assunto é direito autoral, a briga é com cachorro grande e chacoalha os pilares de uma imensa estrutura de poder.

No último dia, entrosamentos e muitas perguntas ainda sem respostas: propriedade intelectual, preconceito contra as mulheres na informática, relação mal resolvida com a imprensa (que mal deu as caras em Porto Alegre), políticas de inclusão digital e por aí segue a lista de interrogações. O fórum se encerrava com o fim da tarde de sábado, quando o sol começava a sumir no horizonte espalhando luzes coloridas sobre o leito do rio Guaíba. Presente no evento do Creative Commons, o apresentador da TV Cultura Marcelo Tas manifestou: “Não há dúvidas de que estamos diante de um nó na história”. Se ele estiver certo, então talvez esse seja o pôr-do-sol que anuncia novos caminhos para a sociedade da informação.

 

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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