O cupuaçu: pesquisas colaboram para a defesa da biodiversidade
amazônica e fortalecem a tecnologia nacional
A política do Brasil de garantir maior presença
no cenário internacional, com a liderança do Itamaraty
na formação de blocos de países pobres ou em
desenvolvimento e na expansão do comércio internacional
(embora um pouco prejudicada nos últimos dias pela suspensão
de carregamentos de soja pela China e de carne pela Rússia),
vem se juntar uma vitória, mesmo que simbólica, contra
a pirataria na biodiversidade amazônica. É que o governo
do Japão, por intermédio de órgão equivalente
ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), negou em
abril deste ano à empresa Asahi Foods, de Tóquio,
registro de patente, requerida para o território japonês
e a Europa, destinada à exploração de uma planta
nativa da Amazônia, o cupuaçu, da família do
cacau, e de produtos dela derivados. A negativa em nada mais se
baseou do que nas leis internacionais que disciplinam a concessão
de patentes, especialmente duas: a novidade e a anterioridade das
pesquisas e da apresentação do pedido de registro.
Tudo isto pertence à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas
Agropecuárias), que há quase duas décadas vem
realizando no Pará estudos sobre o cupuaçu e em 1990
requereu a patente do cupulate, produto do cupuaçu
correspondente ao chocolate feito com matéria-prima do cacau.
A tentativa da empresa japonesa de pôr a mão no cupuaçu
amazônico preocupava muito a Embrapa e os ambientalistas,
pois se fosse concedida a patente sobre o nome genérico da
planta, o Brasil ficaria impedido de explorar de qualquer forma
uma espécie típica de seu território. Por sorte,
os pesquisadores nacionais foram rápidos na pesquisa e bem-sucedidos
na contestação à iniciativa privada japonesa.
A proteção jurídica do cupulate baseou-se em
estudos realizados na Embrapa do Pará pela pesquisadora Raimunda
Fátima Ribeiro de Nazaré.
Agora entra nessa história a USP. O produto patenteado pela
empresa nacional, ligada ao Ministério da Agricultura, tem
ainda forma bruta, rústica, que para ser industrializado
em larga escala necessitava de aprimoramento, ser trabalhado em
termos de formulação, de propriedades de gordura.
Nisso o produto de cupuaçu é um pouco diferente do
chocolate de cacau. Essa formulação foi feita na Faculdade
de Ciências Farmacêuticas pela pesquisadora Suzana Caetano
da Silva Lannes, do Departamento de Tecnologia Bioquímico-
Farmacêutica, que registrou outra patente, agora sobre produtos
alimentícios à base de cupuaçu.
Suzana, uma engenheira química que, antes de iniciar a carreira
acadêmica, trabalhou em indústria de alimentos e depois
fez mestrado e doutorado na área de métodos de modificação
de óleos e gordura, informa que o cupulate da Embrapa tem
uma formulação básica, simplificada, que vem
sendo aperfeiçoada na USP há vários anos. A
tecnologia altera as propriedades de fusão da parte gordurosa
do cupuaçu, dando-lhe maior consistência, igual à
do chocolate. Também foram realizados estudos para tornar
o produto solúvel instantaneamente. A patente que Suzana
obteve garante a propriedade intelectual e direito à comercialização
de seis produtos três do tipo chocolate (ao leite,
branco e meio-amargo) e três achocolatados em pó (tradicional,
com cálcio e dietético). O cupulate (nome que só
a Embrapa pode usar comercialmente) presta- se ainda à fabricação
de bombons e sorvetes.
Além de concorrer para a defesa da biodiversidade amazônica,
Embrapa e USP também ajudam a fortalecer a tecnologia nacional,
uma vez que o País produz muito cacau e cupuaçu, mas
não dominava a tecnologia do chocolate e outros derivados.
Segundo Suzana, uma multinacional de chocolates, a Nestlé,
também realiza pesquisa com o cupuaçu, mas na Inglaterra.
Outras empresas nacionais e estrangeiras manifestaram interesse
pelos resultados dos estudos realizados na Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da USP e entraram em contato com a pesquisadora.
Mas o processo, da primeira pesquisa à última fase
de produção em escala industrial, é lento.
Na USP e a Universidade é sempre a titular das patentes
derivadas de estudos feitos por seus professores, técnicos
ou alunos, ou em seus laboratórios o processo de escolha
da empresa se faz por meio de licitação, o que pode
alongar o prazo ainda mais. É também certo que a possível
concessão de comercialização do derivado de
cupuaçu, aperfeiçoado na USP, pressupõe entendimentos
com a Embrapa, detentora da primeira patente. Foram pesquisadores
dessa empresa estatal que propuseram e executaram o processo de
fermentação da amêndoa desse fruto amazônico
e a mistura posterior com açúcares e outros ingredientes.
Mas nós o adequamos ao mercado, acrescenta Suzana.
Planta nativa
Cientificamente, o cupuaçu chama-se Theobroma grandiflorum
e é mais abundante no Pará. Externamente, seu fruto
não se parece muito com o cacau, mas por dentro são
semelhantes, possuindo polpa e caroço. Só a polpa
era aproveitada, o resto ia para o lixo. A Embrapa chegou a produzir
híbridos que contivessem mais polpa e caroço menor,
tendência que agora pode ser invertida. Por ser nativa, a
planta é mais resistente a pragas do que o cacau, sendo menos
afetada pela vassourade- bruxa do que o cacaueiro.
A amêndoa contém ácidos graxos facilmente absorvidos
pelo organismo humano, mais facilmente que no caso do cacau. Cada
100 gramas contêm 1,7 g de proteína, 23 mg de cálcio,
26 mg de fósforo, 2,6 mg de ferro, 30 mg de vitamina A, 0,04
mg de vitamina B1, 0,04 mg de vitamina B2 e 33 mg de vitamina C.
Uma das vantagens do cupulate é que não contém
cafeína, embora possua teobromina, menos estimulante que
a cafeína.
Popularmente, a planta tem usos medicinais no Norte brasileiro:
chá de folhas como calmante, suco de folhas contra bronquite
e infecções renais, chá de casca contra diarréias.
O cupuaçu teria ainda ação diurética.
O Estado do Pará produz anualmente 1.800 toneladas de polpa
de cupuaçu e o Amazonas adquire 40 toneladas/ano para abastecer
a Chocam, empresa que industrializa a polpa, na forma de bombons
e geléias. O produto tem bom mercado externo.
No laboratório da FCF, a professora Suzana tem amostras de
cupulate aperfeiçoado em tudo semelhante ao chocolate de
cacau: na cor, no aspecto, na consistência e no gosto. O cupulate
é nosso.
O
produto feito à base de cupuaçu: tecnologia dá
ao produto uma consistência
semelhante à do chocolate
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