Desde
o dia 17 de maio, o Programa de Atenção à Mulher
Dependente Química Promud) do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas da USP coloca à disposição
da população feminina um atendimento psicossocial
específico para mulheres dependentes de drogas e álcool.
Essa proposta é uma parceria com dois Centros Públicos
de Atendimento Psicossocial, os Caps (centros comunitários
com atendimento multidisciplinar, que têm como uma das funções
a reinserção do paciente à sociedade)
um na região da Sé, no Centrocentro de São
Paulo, e outro no Jardim Nélia, em Itaim Paulista, na zona
leste.
O trabalho, coordenado pelos psicólogos do Promud Silvia
Brasiliano, Ronaldo Torres e Patrícia Hochgraf, tem apoio
da Fapesp, da Secretaria Municipal de Saúde Mental de São
Paulo responsável pela coordenação dos
Caps e da ONG Veredas, que dá suporte financeiro,
estratégico e técnico para programas de políticas
públicas em álcool e drogas.
O trabalho de assistência promovido pelo Promud foi reconhecido
pela ONU, sendo selecionado para fazer parte do Manual de Planejamento,
Implantação e Desenvolvimento de Programas Específicos
para Mulheres, que será lançado em breve e distribuído
em vários países.
A iniciativa, inédita, vai possibilitar que um maior número
de mulheres tenhatenham acesso ao modelo de tratamento desenvolvido
com sucesso pelo Promud e também será base para pesquisa
sobre sua eficácia em populações com índices
socioeconômicos distintos, legitimando, ou não, esse
tipo de intervenção para ações públicas.
Com atendimento gratuito, multiprofissional, os Caps oferecem para
mulheres dependentes químicas, maiores de 18 anos, residentes
nas regiões do centro e do Jardim Nélia, assistência
laboratorial, atendimento clínico-psiquiátrico, psicoterapia
de grupo, psicoterapia individual, terapia ocupacional, aconselhamento
nutricional e legal. Os ambulatórios funcionam uma vez por
semana, pela manhã ou à tarde.
A psicóloga Silvia Brasiliano explica que o aconselhamento
legal é uma assistência jurídica dada por advogados
para as questões de direito familiar, uma vez que muitas
mulheres dependentes químicas têm medo de que o marido
e os filhos as abandonem, de ficarem sem nenhum direito e ainda
perderem a guarda dos filhos. Por isso, elas normalmente abandonam
o tratamento, conta. Já o aconselhamento nutricional
ajuda as pacientes a fazerem uma dieta balanceada, uma vez
que, explica Silvia, muitas jovens se aproximam das
drogas por medo de engordar ou porque têm distúrbios
nutricionais.
O Promud, criado em 1996, é pioneiro no atendimento a mulheres
dependentes químicas ou de álcool, e tem apresentado
resultados que mostram sua maior eficácia em relação
aos programas mistos (homens e mulheres) existentes. Com uma experiência
de sucesso dentro do Instituto de Psiquiatria, o Promud provou que
mulheres, diferente do que se imaginava, aderem ao tratamento e
evoluem melhor quando tratadas em centros específicos. As
mulheres que apresentam problemas de dependência química
ou de álcool sempre foram tratadas em ambulatórios
mistos. O que se percebeu com esses anos de experiência é
que a mulher necessita de um espaço de tratamento próprio
para ela. Quando separamos os homens das mulheres, os resultados
foram muito mais favoráveis tanto em termos de aderência
(duração ao tratamento) quanto em termos de evolução,
explica o psicólogo Ronaldo Torres.
Silvia acrescenta que os resultados da experiência do Promud
foram muito positivos. O atendimento específico proporcionou
70% de abstinência ou de melhora de padrão de uso em
seis meses entre as mulheres dependentes, sem contar que houve uma
importante melhoria na qualidade de vida, ressalta.
A psicóloga afirma ainda que no mundo todo a taxa de melhora
entre as mulheres é de 50%, o que vem comprovar que o programa
específico de atendimento às mulheres proposto pelo
Promud está no caminho certo. Queremos estender esse
tipo de atendimento para um maior número de Caps.
Antes da experiência do Promud, dizia-se que as mulheres dependentes
eram intratáveis porque na maioria das vezes não permaneciam
no tratamento e por isso não melhoravam. Como é
possível fazer um grupo de psicoterapia se há um estigma
tão grande em relação à dependência
feminina e se a maioria das pessoas do grupo é masculina?
É compreensível que ela não termine seu tratamento
e sempre encontre uma desculpa. Entretanto, se ela estiver num grupo
só de mulheres que apresentam os mesmos problemas, com certeza
irá se identificar melhor, explica Torres.
População carente
O atendimento nos dois centros também tem como meta servir
como base para uma pesquisa apoiada pela Fapesp. Por isso foi escolhido
o Centrocentro, um local com prevalência de moradoras de rua,
com relações sociais bastante degradadas, sem referência
familiar, e o Jardim Nélia, um bairro carente, mas que apresenta
uma população feminina com referência familiar
e de bairro. Isso porque o atendimento no Promud do Hospital
das Clínicas não caracteriza população
carente, explica Torres.
A pesquisa se encontra na primeira fase e levará dois anos
e meio para ser finalizada. Serão atendidas 60 pacientes
em cada a m b u l a t ó r i o para verificar a aderência
ao tratamento, quanto tempo resistem e se a evolução
é para melhor ou pior. A nossa expectativa é
que de fato a população feminina responda a esse tratamento
como no Promud do Hospital das Clínicas. Caso a resposta
seja positiva, teremos um modelo que poderá ser aplicado
em um maior número de ambulatórios, como uma política
pública efetiva, afirma o psicólogo.
Torres diz que a dependência química em mulheres é
bastante diferente da dependência química em homens.
As mulheres sofrem um estigma social. Quando pegamos o alcoolismo
como exemplo, podemos perceber que o padrão masculino é
de beber em frente das pessoas, ir ao bar e voltar embriagado para
casa. No caso feminino, a esmagadora maioria das mulheres bebe demasiadamente
em casa.
Outra diferença no tratamento é que as mulheres, quando
procuram ajuda, estão em busca de algo que trate não
só a questão da dependência, mas principalmente
os aspectos emocionais e da vida como um todo. Por isso o
tratamento do Promud tem obtido grande sucesso, por ser focado na
problemática feminina e na complexidade da vida da mulher,
ressalta Torres.
O objetivo de estender o atendimento desenvolvido no Promud para
os Caps é que a proposta de um ambulatório específico
para mulheres dependentes químicas se torne uma questão
de política pública dentro do sistema de saúde
municipal de São Paulo.
Separação
Segundo os especialistas do Promud, a dependência química
em mulheres se dá a partir da ocorrência de eventos
vitais significativos, como a morte do cônjuge ou uma separação,
diferentemente dos homens, que não apontam um desencadeamento
especial. No caso da cocaína, os motivos de iniciação
são devidos à depressão, sentimentos de isolamento
social, pressões profissionais e familiares e problemas de
saúde, ao contrário dos homens, que citam como motivo
os efeitos da intoxicação.
Normalmente, as mulheres iniciam o uso de drogas levadas pelos companheiros,
enquanto os homens o fazem com os amigos. Sem contar as diferenças
fisiológicas que levam a mulher a uma vulnerabilidade diferente
para outras drogas que não só o álcool. Também
é preciso levar em consideração que a mulher
enfrenta uma série de barreiras para chegar e permanecer
no tratamento, consideram os especialistas. A falta de creche, de
ajuda legal e de emprego, que gera dependência financeira,
bem como o estigma social e oposição do companheiro,
são fatores que levam a paciente a se desinteressar do tratamento.
O consumo de drogas ou álcool leva as mulheres a desenvolverem
cerca de 1,5 a 2 vezes mais complicações clínicas
do que os homens. A pancreatite, cirrose e neuropatias aparecem
de forma mais grave no sexo feminino, explica Silvia. Isso
ocorre porque provavelmente as mulheres têm mais gordura corpórea
proporcionalmente à água, o que gera uma alcoolemia
maior, e apresentam níveis menores de enzima álcool-desidrogenase
(enzima que ajuda a metabolizar o álcool ingerido), o que
faz com que absorvam 30% mais do álcool ingerido que os homens.
Outro agravante são os problemas obstétricos, com
freqüência aumentada de trabalho de parto prematuro,
anomalias congênitas, retardo de crescimento, descolamento
prematuro de placenta, baixo peso ao nascer, morte neonatal e síndrome
de morte súbita na infância.
A síndrome fetal é um grave problema não só
no Brasil como no mundo todo. Estima-se que nos Estados Unidos haja
de um1 a três3 casos em mil nativivos, e que esta seja a terceira
causa mais freqüente de retardo mental em recém- nascidos.
Essa síndrome pode apresentar-se como uma malmáformação
e um retardo mental que varia de leve a moderado. Os fatores genéticos
também são fundamentais para o desenvolvimento de
alcoolismo entre mulheres. Eles são responsáveis por
50% a 60% da probabilidade de uma mulher vir a ser alcoólica
e seriam igualmente transmitidos por via materna ou paterna.
A psicóloga Silvia Brasiliano diz que a abordagem terapêutica
do Promud é um trabalho pioneiro e único. Foi sendo
criado a partir da vivência clínica, através
de leituras e observações. Ao longo do tempo,
fomos incorporando novas abordagens, sempre tendo em vista o melhor
apoio possível à população feminina.
Mais informações sobre o Programa de
Atenção à Mulher Dependente Química
(Promud) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da USP podem ser obtidas pelo telefone (11) 3069-6960
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