Doença que preocupa os brasileiros há mais
de um século, com surtos entre 2000 e 2002 que puseram em
alerta vermelho tanto população como autoridades de
saúde pública, a dengue será um dos objetos
de estudo de um amplo projeto de pesquisa que poderá se transformar
em marco nos estudos epidemiológicos no Estado de São
Paulo. Coordenada pelos professores Eduardo Massad, da Faculdade
de Medicina da USP, Osvaldo Forattini, da Faculdade de Saúde
Pública, e Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências
Biomédicas, a pesquisa será submetida em breve para
aprovação da Fapesp e deverá mobilizar uma
equipe de mais de 100 pessoas, entre pós-graduandos e professores,
caso seja aprovada na sua forma original. O trabalho investigará
a presença de arbovírus no Estado de São Paulo,
ou seja, todos os vírus transmitidos por artrópodes
(mosquitos de vários gêneros, incluindo o Aedes aegypti,
além de carrapatos e outros insetos), causadores de doenças
como febre amarela, rocio, oropouche, caraparu, encefalite eqüina
do leste, vírus do oeste do Nilo, além da dengue.
Um dos maiores méritos do projeto, segundo Massad, está
no fato de que a partir dele o Estado de São Paulo terá
um modelo de vigilância epidemiológica que dará
parâmetros mais seguros nas intervenções profiláticas.
Saberemos com maior precisão o que necessita ser monitorado
em termos de arboviroses para detectarmos as doenças antes
que elas se estabeleçam como um surto, afirma.
Através de parcerias com instituições externas
e a integração de pesquisadores de várias unidades
da USP, será possível fazer uma avaliação
das regiões que apresentam prevalência dos principais
arbovírus pesquisados. Serão investigadas algumas
áreas estratégicas no Município de São
Paulo, como o Parque Ecológico do Tietê, margem do
rio Pinheiros e sopé da Serra da Cantareira, todas com grande
incidência de mosquitos vetores de arbovírus, além
de outros focos localizados nas regiões de São José
do Rio Preto, Vale do Ribeira, São Sebastião e Ilhabela.
Clima x doenças
Para detectar a presença do arbovírus, equipes de
especialistas de áreas distintas como medicina humana
e veterinária, virologia, biologia, entomologia e epidemiologia,
entre outras colherão materiais biológicos
de populações humanas, de animais domésticos
e de reservatórios silvestres (incluindo aves migratórias),
além, é claro, dos próprios vetores artrópodes.
Segundo Massad, o projeto prevê inclusive estudar o arbovírus
do ponto de vista da genômica, o que será feito por
uma equipe de virologistas que se encarregará de seqüenciar
o DNA desses organismos. Esse grupo irá investigar não
só a variação genética como também
a dinâmica de transmissão desses vírus nas regiões
escolhidas.
Massad ressalta que outro aspecto importante do estudo é
que ele engloba a relação dos fatores climáticos
com as doenças estudadas. Uma equipe de meteorologistas avaliará
como é que chuva, temperatura, vento, altitude e outras variáveis
do gênero se associam à distribuição
e intensidade de transmissão de arboviroses.
No caso da dengue, que é o paradigma epidemiológico
das arboviroses, conhecer sua co-relação com fatores
climáticos é de suma importância para a prevenção.
Segundo Massad, não existem estudos suficientes que permitam,
por exemplo, afirmar que precipitações intensas e
temperaturas elevadas são condições obrigatórias
na deflagração da doença, já que surtos
também têm sido verificados em estações
de seca bem definida.
Além de técnicas sorológicas e de biologia
molecular para estimar a prevalência de arboviroses no Estado,
também serão empregados cálculos baseados em
modelos matemáticos para determinar a dinâmica de transmissão
daqueles agentes. O mapeamento das arboviroses estudadas será
feito por geoprocessamento.
Massad afirma que é difícil estimar a importância
epidemiológica das arboviroses no País. No entanto,
lembra que a pandemia nacional de dengue tem sido motivo de constante
preocupação das autoridades de saúde pública,
pois os surtos anuais são recorrentes e de gravidade variável,
em particular em relação aos sorotipos hemorrágicos.
Além disso, diversas epidemias de encefalites têm sido
registradas no Estado, além de alguns episódios esporádicos
de infecções isoladas de arboviroses até então
desconhecidas, como o vírus sabiá.
Vacinação
Por outro lado, a febre amarela urbana também é um
outro perigo que ronda várias regiões do País,
incluindo o Estado de São Paulo. Epidemias da doença
já não ocorrem há décadas, segundo Massad,
mas o risco é sempre latente, uma vez que o mosquito transmissor
da dengue, o Aedes aegypti, é também vetor da febre
amarela do tipo urbana. Durante os grandes surtos de dengue
ocorridos entre 2000 e 2002, por exemplo, era grande o risco de
que ocorressem epidemias paralelas de febre amarela urbana. Por
sorte não aconteceu. Mas sempre existe a possibilidade de
as pessoas irem para regiões selvagens e eventualmente contrair
o tipo silvestre da doença, o que de fato vem acontecendo.
Há muitos casos de febre amarela contraída em regiões
de floresta. Quando a pessoa retorna para a área urbana onde
existe o Aedes, ela pode ser picada e daí a doença
pode se espalhar, diz o professor.
Desde os surtos de dengue iniciados em 2000, as autoridades têm
sido eficientes no que diz respeito ao controle da população
do mosquito vetor, afirma Massad. No entanto, a vacinação
intensa em algumas regiões, em contraste com a falta de vacinas
em outras, tem demonstrado quão precário é
o planejamento por parte das autoridades. A vacinação
vem sendo feita sem fundamentação. Faltam critérios
para uma melhor estratégia. Isso não só custa
dinheiro como põe em risco a incidência dos efeitos
adversos da vacina na população, acrescenta.
Segundo Massad, há vacinas que não podem ser aplicadas
indiscriminadamente em uma população inteira, porque
não se conhece com certeza o número de pessoas que
podem ser acometidas pelos efeitos adversos de determinados medicamentos.
Ou seja, quanto maior o número de pessoas vacinadas, maior
a probabilidade daquela população sofrer os efeitos
adversos graves inerentes ao medicamento. Isso ocorre, por exemplo,
com a vacina contra a febre amarela do tipo silvestre e urbana.
Massad diz que um grupo de estudiosos ligados ao Departamento de
Informática Médica se ocupa justamente de calcular
o valor ótimo para prevenção de
febre amarela urbana em determinadas regiões. Baseados em
modelos matemáticos, os cálculos tentam descobrir
quantas pessoas necessariamente precisam ser vacinadas para ao mesmo
tempo proteger a população da doença e também
dos efeitos adversos da vacina. Trata-se de uma linha de investigação
iniciada há 20 anos na Faculdade de Medicina. São
estudos de modelos matemáticos aplicados a problemas de saúde
pública, principalmente no desenho de estratégias
de vacinação. No caso da dengue e da febre amarela,
o que temos feito em alguns projetos, que já resultaram em
publicações internacionais, é tentar estimar
a intensidade de transmissão da febre amarela nas regiões
afetadas por dengue. Dependendo da incidência desta última,
é possível estimar quão arriscada está
uma população de sofrer um surto de febre amarela
e qual o valor ótimo para vacinação,
diz o professor.
Doenças
dos trópicos
As arboviroses constituem um grupo de microorganismos que
compartilham a característica comum de serem transmitidos
por artrópodes (mosquitos de vários gêneros,
incluindo o Aedes aegypti, além de carrapatos e alguns
tipos de moscas hematófagas) para hospedeiros vertebrados
(essencialmente o ser humano, alguns animais domésticos
e espécies silvestres). Trata-se de doenças
de distribuição predominantemente tropical causadas
por um grupo heterogêneo de vírus, dos quais
são conhecidos aproximadamente 130 tipos. Os arbovírus
(termo derivado da expressão em inglês arthropod
borne virus, para designar o tipo de agente viral veiculado
por artrópodes) reproduzem-se no interior dos vetores
artrópodes sem alterar suas expectativas de vida ou
fecundidade. São então transmitidos pela picada
ou ferroada desses insetos infectados nos hospedeiros vertebrados.
Três tipos de manifestações clínicas
são comuns: polialgia febril (síndrome tipo
dengue); febres hemorrágicas (de evolução
freqüentemente grave); meningo-encefalites (de evolução
freqüentemente grave, terminando com a morte ou recuperação
com seqüelas neurológicas). A profilaxia depende
da existência de vacinas (como as que combatem a febre
amarela, a encefalite transmitida por carrapatos, a encefalite
japonesa) e do controle dos vetores.
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