Se
anseias celebrar os jogos,
ó, minha alma,
Não busques astro
mais ardente que o sol,
Quando fulge, de dia,
no éter deserto,
Não queiras celebrar jogos
superiores aos de Olímpia,
Píndaro (século 5 a.C.)
A época
das batalhas épicas já havia se passado na Hélade
a região que, mais tarde, os romanos chamariam de
Grécia. Terminara o tempo das grandes façanhas realizadas
por guerreiros invencíveis, à frente de batalhões
de soldados que, iluminados pelo ideal de viver uma vida breve
mas intensa, estavam prontos a morrer pela vitória
na guerra, como exemplifica o célebre episódio da
tomada de Tróia. Findara o período heróico
em torno do século 12 antes de Cristo tão
bem retratado na Ilíada e na Odisséia, as clássicas
obras atribuídas a Homero.
Mas, desse extinto período em que o mais importante para
o homem era mostrar a sua excelência no combate, traços
marcantes permaneceriam nos helenos. A partir do século 8
antes de Cristo, não se encontram mais na Hélade os
grandes heróis do passado, capazes de feitos sobre-humanos.
Agora num ambiente não mais militar, mas civil, pontuado
pelas cidades as póleis , que proliferam em
várias partes do Mediterrâneo, os guerreiros deram
lugar a uma nobreza ciosa de sua tradição familiar
e desejosa de preservar a excelência de sua estirpe, inaugurada
pelas façanhas dos antepassados. Esses kaloí
os bons, os bem-nascidos, como a nobreza
se denomina buscam perpetuar a fama do clã à
sua maneira: não mais através das armas, mas por meio
do esporte. Correr mais rápido do que os outros, saltar mais
alto, lançar dardos o mais distante possível, para
esses nobres que então dominam a vida cultural na Hélade,
é a forma mais elevada de demonstrar sua areté (virtude,
excelência), da mesma maneira como seus antepassados provavam
a própria superioridade vencendo o inimigo na guerra.
Essas são as mais remotas origens dos Jogos Olímpicos,
que em sua versão moderna terão início nesta
sexta-feira, dia 13, em Atenas, na Grécia. Para marcar esta
edição da maior competição esportiva
do planeta, a editora Odysseus lançou Os Jogos Olímpicos
na Grécia Antiga, livro coordenado pelo diretor do Museu
Arqueológico Nacional de Atenas, Nicolaos Yalouris, que traz
mais de 30 artigos escritos por arqueólogos e filólogos
gregos.
Com 334 páginas, ilustrações em cores e capa
dura, o livro oferece um amplo e aprofundado panorama sobre os Jogos
Olímpicos antigos, que tiveram início em 776 antes
de Cristo e terminaram em 393 depois de Cristo, quando o imperador
romano Teodósio aboliu as competições por considerá-las
pagãs. A importância do atletismo na educação
dos jovens, o santuário de Olímpia onde ocorriam
os jogos , a preparação dos atletas e as modalidades
esportivas estão entre os temas abordados. Este livro
não é uma publicação a mais sobre os
Jogos Olímpicos, improvisada para satisfazer necessidades
de ocasião; pelo contrário, é investimento
cultural a longo prazo, elogia a helenista Gilda Naécia
Maciel de Barros, professora da Faculdade de Educação
da USP, que assina a apresentação da obra. A tradução
foi feita diretamente do grego moderno pelo professor Luiz Alberto
Machado Cabral, do Instituto Educacional Ateniense de São
Paulo.
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Esporte
e cultura
Através dos Jogos Olímpicos, a Hélade não
legou ao mundo moderno apenas o mero gosto pelo esporte. Mais
do que isso, as disputas em Olímpia serviam para exaltar
valores que, ao longo dos séculos, moldaram a cultura
ocidental. Foi nas competições helênicas
que surgiu e se difundiu a idéia de que o homem pode
atingir a excelência através do esforço
e da disciplina. Os jogos colocaram no ser humano o desejo de
buscar sempre o melhor, de superar limites, de chegar à
transcendência e de se assemelhar aos deuses. Aprendemos
ainda que o homem, sonho de uma sombra, ser de um dia, também
pode ser a maravilha maior, grande espanto, tão extraordinário
é o seu poder, escreve Gilda. |
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Com
tão elevados ideais, a competição entre os
helenos adquiriu uma profundidade espiritual e religiosa que a dignificou
e a elevou muito acima do nível de um simples jogo, como
afirma o arqueólogo M. Andrónikos, da Universidade
de Tessalônica, na introdução. A idéia
do atletismo, tal como é exposta nas competições
helênicas e sobretudo nos Jogos Olímpicos, pressupõe
a consciência do valor do homem, a crença na sua liberdade
e no seu mérito, o conhecimento de suas responsabilidades
e, por fim, a aceitação de seu direito democrático
de participar da vida pública, escreve Andrónikos.
O cultivo do espírito esportivo na Hélade antiga
se fundamenta naquelas mesmas bases espirituais em que estão
arraigados todos os outros valores culturais da civilização
helênica, entre os quais o primeiro e o principal é
a liberdade do indivíduo frente a qualquer tipo de despotismo.
Mas o espírito de competição não se
limitava às disputas esportivas. A rivalidade existia em
todas as áreas da vida, inclusive a arte. Ao mesmo tempo
em que promoviam provas de atletismo e corridas de cavalos, os Jogos
Olímpicos faziam defrontar-se também poetas, músicos,
oradores, pintores e escultores, dos quais os melhores eram tão
honrados quanto os atletas vencedores. Essa atitude deriva
basicamente da concepção essencialmente democrática
de que todo homem possui a capacidade de se defrontar com seu semelhante
e de disputar, por meio de seu mérito e sua excelência,
a honra de ser o melhor, afirma Andrónikos em outro
texto publicado no livro, intitulado O papel do atletismo
na educação dos jovens. Além e
acima da superioridade de nascimento ou riqueza, os helenos, que
acreditavam basicamente na igualdade de direitos políticos,
estabeleceram a superioridade do corpo ou da mente, como foi revelado
e reconhecido democraticamente por meio da competição,
na qual todos podem participar com igualdade de condições
e demonstrar a sua excelência.
O santuário de Olímpia
As mais recentes informações arqueológicas
sobre os Jogos Olímpicos na Antigüidade estão
reunidos no livro lançado pela Editora Odysseus. Um artigo
de Nicolaos Yalouris, o coordenador da obra, descreve com pormenores
o santuário de Olímpia. Simples e objetivo, o texto
faz o leitor se familiarizar com o lugar onde os atletas treinavam
e disputavam as competições. Próximo
ao rio Cládeos desde a origem um local de treinamento
dos atletas a palaístra (palestra) foi
construída no século 3 antes de Cristo para a prática
de luta, pugilismo e salto. Tinha o formato aproximadamente quadrado
(66,35 m x 66,75 m), com um pátio peristilo, em torno do
qual se alojavam as dependências especiais dos vestiários,
da sala para ungir o corpo com óleo, da sala para retirar
a poeira, dos banhos e também das salas providas de bancos
para o ensino, detalha Yalouris. A norte da palestra
e adjacente a ela, situava-se o gymnásion, um edifício
fechado e retangular (120 m x 220 m) com um espaçoso pátio
no centro e stoás (pórticos) nos quatro
lados. Era nesse local que os atletas treinavam para as modalidades
que exigiam uma área espaçosa, como o arremesso de
dardo, o lançamento de disco e a corrida.
A organização dos Jogos Olímpicos é
tema do artigo escrito por K. Paleologos, vice-presidente da Academia
Olímpica Internacional. Através dele, o leitor sabe
que os estudiosos concordam hoje que os jogos eram realizados a
cada quatro anos, em meados do mês de julho, entre os dias
11 e 16. O número de dias em que ocorriam não permaneceu
constante durante toda a Antigüidade: até a 24a Olimpíada,
em 684 antes de Cristo, havia apenas seis competições
e os jogos eram realizados em um único dia. As corridas de
carros foram introduzidas na 25a Olimpíada e, por isso, um
segundo dia de competição foi acrescentado. Em 632
antes de Cristo, a introdução de competições
infantis obrigou a aumentar em mais um dia o período de disputas.
Mais tarde, ao que tudo indica, os festivais eram realizados
em cinco dias, embora o número de dias deva ter sofrido oscilações
durante a longa história multissecular dos jogos.
Paleologos se detém também sobre os espectadores dos
jogos. Segundo o autor, eles vinham dos recantos mais remotos do
mundo helênico para oferecer sacrifícios aos deuses
e aos heróis e acompanhar os jogos em Olímpia. Os
mais pobres iam a pé e os mais ricos, a cavalo ou em carros,
e todos se reuniam no vale do Alfeu não só
os poetas, os filósofos, os políticos e os tiranos,
mas também os cidadãos comuns e os camponeses. Todos
tinham o direito de acompanhar os jogos, incluindo os bárbaros
e os escravos. A única exceção eram as mulheres
casadas. A respeito da exclusão das mulheres, Paleologos
lamenta a falta de informações disponíveis
sobre o assunto. O certo é que a pena para quem violava a
lei não aplicada a moças era severa:
qualquer mulher casada que comparecesse aos jogos era lançada
do alto das rochas escarpadas do monte Tipéon.
As delegações oficiais de várias cidades
chamadas theoríai armavam tendas suntuosas e construíam
os recintos indispensáveis para abrigar os cavalos que iriam
participar das corridas de carros e das provas de montaria, segundo
Paleologos. Ao anoitecer, acendiam-se fogueiras para evitar a umidade
e espantar insetos. Todos traziam seus alimentos consigo,
mas a obtenção de água constituía um
problema muito sério, pois como os milhares de espectadores
que acompanhavam os jogos poderiam saciar sua sede em pleno verão?
A necessidade parece ter sido contornada através das várias
fontes e de um grande número de poços que haviam sido
abertos, principalmente próximos às áreas de
competição: o estádio e o hipódromo.
Como lembra Paleologos, o único prêmio concedido pela
vitória nos Jogos Olímpicos era o kótinos,
uma coroa feita com ramos de oliveira selvagem. O ramo era sempre
cortado da mesma antiga árvore de oliveira selvagem, denominada
kallistéphanos (literalmente, belas coroas).
Um jovem cujos pais ainda vivessem, utilizando uma tesoura
de ouro, cortava da árvore a quantidade exata de ramos equivalente
ao número de competições; com eles em mãos,
penetrava no templo de Hera e colocava-os sobre uma mesa criselefantina,
adornada com representações das competições,
obra do escultor Colotes, e desse local eles eram retirados pelos
hellanodíkai (os juízes dos jogos) para coroar os
vencedores. Paleologos conclui: A importância
moral da premiação em Olímpia era incalculável.
Os atletas competiam com integridade, retidão e dignidade,
diante dos olhos de toda a Hélade reunida, para conquistar
uma simples coroa, que, no entanto, era mais preciosa do que qualquer
riqueza e seria ofertada, como uma dádiva, à sua casa,
à sua estirpe, à sua cidade, aos seus ancestrais ou
aos seus deuses.
Para
todos os povos
Os
jogos que, na Antigüidade, reuniam apenas os helenos
se transformaram numa competição da qual participam
todos os povos do planeta. A 28a Olimpíada moderna,
em Atenas, na Grécia, contará com representações
de 10.500 atletas de 202 países, que durante 17 dias
(de 13 a 29 de agosto) competirão em 37 modalidades
esportivas. A Grécia tem 11 milhões de habitantes,
dos quais 4 milhões moram em Atenas. Outros 14 milhões
de gregos vivem em vários países do mundo.
O Brasil terá 245 vagas em Atenas. Eles atuarão
nas seguintes modalidades: atletismo (37 atletas), basquete
(12), boxe (5), canoagem (2), ciclismo (5), esgrima (3), futebol
feminino (18), ginástica artística (7), ginástica
rítmica (6), handbol (30), hipismo (9), judô
(12),
luta (1), natação (23), natação
sincronizada (2), pentatlo moderno (2),
remo (4), saltos ornamentais (4), taekwondo (3), tênis
(2), tênis de mesa (5), tiro esportivo(1), triatlo (6),
vela (14), vôlei (24) e vôlei de praia (8).
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O
dia-a-dia de uma Olimpíada antiga
A
partir de textos antigos e de descobertas arqueológicas,
é possível reconstituir o dia-a-dia de uma Olimpíada
antiga, como se estivesse ocorrendo hoje. É isso o
que faz o arqueólogo K. Paleologos, vice-presidente
da Academia Olímpica Internacional, no artigo A
descrição de uma Olimpíada, publicado
no livro lançado pela Editora Odysseus. Em seu texto,
Paleologos reconstitui uma Olimpíada do século
4 antes de Cristo, quando a maior parte das modalidades esportivas
já havia sido incluída no programa e os Jogos
Olímpicos ainda conservavam toda sua autoridade e esplendor.
Paleologos começa relatando o primeiro dia do evento:
Em torno de Áltis, no estádio e no hipódromo,
mas também mais distante, nas colinas e nas vertentes,
até às margens do Alfeu, todo o local está
então, nestes dias, repleto de uma ruidosa multidão:
atletas, treinadores, filósofos, políticos,
ex-vencedores olímpicos, delegações oficiais
e simples espectadores. Os compatriotas conversam em grupos
sob a copa das árvores, onde eles passaram a noite
anterior, ou então fora das tendas improvisadas ou
suntuosas. Todo o lugar ressoa vozes, canções
e risos. A região inteira ao redor de Olímpia
está em um estado de comoção. Amanhece
o grande dia. Depois da entrada da procissão
oficial, que inclui juízes, sacerdotes, atletas e convidados
especiais, as cerimônias começam com a inscrição
dos atletas e o juramento oficial, que eles prestam no Bouleutérion
(a Sala do Conselho), diante da estátua de Zeus Hórkios.
Um javali é sacrificado diante da estátua e
os competidores juram que treinaram nos últimos dez
meses de acordo com as regras estabelecidas.
No segundo dia, assim que o Sol desponta no horizonte, o estádio
já se encontra completamente lotado, nota Paleologos.
Entram os juízes, segurando folhas de palmeira, seguidos
dos atletas. O líder dos juízes se levanta e
ergue o ramo de palmeira, o trompetista faz soar o trompete
e o arauto anuncia a abertura oficial dos jogos.
O terceiro dia é o mais concorrido. Ele concentra as
competições eqüestres, encerrando-se com
a prova do pentatlo, de que participam os mais famosos atletas
do mundo helênico. Já o quarto dia é o
dia sagrado por excelência. A manhã se inicia
com a principal oferenda a Zeus, a maior divindade de Olímpia.
Nela, cem bois são degolados diante do altar, mas apenas
as suas coxas são queimadas. Outros sacrifícios
são feitos pelos embaixadores das outras cidades. Em
seguida são realizadas as provas de corrida, luta,
pugilismo e pancrácio.
O quinto e último dia da Olimpíada terminará
com novos sacrifícios e agradecimentos aos deuses
continua Paleologos. Os atletas vitoriosos se reúnem
no templo de Zeus com as folhas de palmeira em suas mãos.
O arauto proclama o nome e a cidade dos vencedores, um a um,
e o juiz mais idoso os coroa. Ao meio-dia, um banquete é
oferecido aos vitoriosos e, à noite, são realizadas
as grandes festividades promovidas pelas delegações
das cidades ou por cidadãos ricos, que desejam honrar
os vencedores. Até tarde da noite, o tranqüilo
vale de Olímpia ressoa as canções e os
divertimentos, os hinos e peãs, os votos e as congratulações.
A Olimpíada terminou.
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