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O
fato que o ácido fólico protege a saúde do bebê que vai nascer. Considerada a vitamina mais importante do complexo B, o ácido fólico ou folato, como também é chamado, auxilia na formação dos glóbulos vermelhos e no desenvolvimento das células nervosas do feto, prevenindo malformações do sistema nervoso. Sabe-se também que a ingestão de doses elevadas de ácido fólico é capaz de reduzir anomalias do trato urinário e do sistema cardiovascular. Quanto a isso pesquisadores e profissionais da saúde não divergem. Tanto é que essa vitamina é sistematicamente recomendada pelos médicos obstetras durante a gravidez e, quando planejada, antes mesmo da concepção. Pesquisas já comprovaram, por exemplo, que a ingestão diária de comprimidos de ácido fólico antes da gravidez é eficaz na prevenção de malformação do tubo neural – atuando na fase inicial do processo de formação do cérebro e da coluna vertebral.

Estudos realizados nos Estados Unidos demonstram que a incidência de fechamento do tubo neural caiu de um para cada grupo de mil nascidos vivos para um em cada grupo de dois mil depois que as farinhas passaram a receber ácido fólico. Outros estudos também indicam a possibilidade de prevenção, não só da fenda palatina (ou fissura labiopalatal), mas também de malformação cardíaca e renal.

O fechamento do tubo neural tem início no sétimo dia de gravidez e termina até o 60º dia, período em que normalmente a mulher nem descobriu que está grávida. Durante essa fase, se houver um erro em qualquer um dos genes responsáveis pelo desenvolvimento dessa estrutura ou deficiência de vitaminas, acontece a malformação. Daí a importância da suplementação de ácido fólico no período pré-conceptual. Caso similar ocorre com a fissura labiopalatina. Nas primeiras semanas de gravidez, especialmente entre o 30º e o 90º dia, já ocorre completamente o desenvolvimento da face do embrião. Neste período, portanto, pode ocorrer alteração no desenvolvimento da face, seja por defeito em um dos genes neste processo, seja por fatores ambientais, como o uso de cigarro, bebidas alcoólicas, drogas anticonvulsivantes, entre outras. Portanto, há vários pontos comuns entre as duas malformações. Ambas ocorrem por parada do desenvolvimento, são devidas a herança multifatorial – combinação entre fatores ambientais e genéticos – e têm risco de recorrência similar em uma mesma família.

Em média, uma em cada 800 crianças brasileiras apresenta problemas decorrentes de defeitos no fechamento do tubo neural. Pesquisas britânicas obtiveram resultados satisfatórios após administração de ácido fólico em famílias com casos dessa malformação com a redução de 4% para 1% de recorrência. Resta saber se o mesmo pode acontecer nos casos de fissuras orais (de lábio ou de lábio e palato).

É por isso que, 37 anos depois de ter iniciado um serviço de tratamento e reabilitação de anomalias craniofaciais, em especial de fissuras de lábio e/ou palato (céu da boca), em Bauru (SP), a equipe multidisciplinar do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, o Centrinho, volta os olhos para a prevenção. O protocolo de tratamento em vigor, reformulado algumas vezes nessas mais de três décadas, é modelo nacional e internacional. O tratamento funcional e estético é eficiente. Mas, quando, afinal, será possível conter a alarmante incidência mundial de uma criança fissurada a cada 700 nascimentos?

Buscar essa resposta é um dos objetivos da equipe do Centrinho, especialmente do serviço de genética. Mas a tarefa não é fácil. Afinal, um estudo desse gênero envolve prioritariamente as mães e suas emoções. “Não queremos gerar expectativas falsas nas mães, mas precisamos seguir adiante com as pesquisas em busca de respostas que possam, de fato, reduzir o número de recém-nascidos com fissuras orais”, observa o superintendente do Centrinho, professor José Alberto de Souza Freitas.


A equipe de cientistas que trabalha no projeto: pesquisas trarão benefícios diretos às grávidas e seus filhos e evitarão graves anomalias



Investigação conjunta


Em busca da prevenção, pesquisadores do Centrinho e da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, idealizaram a pesquisa denominada “Programa de prevenção de fissuras orais”, que integra a Rede Global de Pesquisa em Saúde Materno-Infantil – criada, em 1999, a partir de uma parceria entre a Fundação Melinda e Bill Gates, o National Institute of Health (NIH) e o National Institute of Children and Human Development (NICHD). Considerado de grande relevância para a comunidade científica mundial, o estudo está em fase piloto desde o segundo semestre de 2003.

Nesta fase, o alvo são mulheres paulistas, em idade reprodutiva (acima de 16 anos), fissuradas ou mães de crianças fissuradas, residentes em Bauru e em mais 55 municípios vizinhos num raio de 120 quilômetros. “Sabemos que o ácido fólico diminui a ocorrência e recorrência de defeitos de tubo neural. Já em relação à fissura esse dado ainda é controverso. Agora, queremos descobrir se esta vitamina é realmente capaz de prevenir as fissuras orais”, diz o geneticista Antonio Richieri-Costa, responsável pela pesquisa no Brasil.

Entre as pessoas que já tiveram um filho fissurado ou são fissuradas o risco aproximado de recorrência é de 4%. Reduzir esse risco é uma das metas do grupo que deve executar o estudo em três anos, com o objetivo principal de prevenir a recorrência das fissuras orais por meio da suplementação de ácido fólico. As participantes vão ingerir diariamente um comprimido de ácido fólico com acompanhamento de uma equipe técnica, que a cada dois meses medirá os níveis desta vitamina no organismo da mulher. Esta ação é fundamental para que os pesquisadores se certifiquem de que ela esteja tomando os comprimidos regularmente e que o nível de ácido fólico se mantenha satisfatório para o caso de ocorrer uma gravidez. A pesquisa adota dois tipos de dosagem (4 mg e 0,4 mg), com teste duplo cego, ou seja, ninguém sabe a dosagem administrada para cada mulher. “A Organização Mundial da Saúde preconiza a dose mínima, de 0,4 mg, para o fechamento de tubo neural. Desta forma, ao menos, garantimos a dosagem ideal para prevenir essa anomalia.”

Os comprimidos Folacin foram doados e desenvolvidos exclusivamente para o projeto por uma fabricante brasileira (Ativus Farmacêutica Ltda., de Valinhos, no interior de São Paulo). As caixas são identificadas com o nome do programa e da mulher pesquisada.

Elisângela, 22 anos, é uma das mulheres participantes da pesquisa que já toma ácido fólico há três meses. “Eu nasci com fissura de lábio e, segundo estudos da clínica de genética, tenho 7% de chance de ter um filho fissurado, pois minha mãe também apresentava o mesmo problema”, conta. Ela não tem filhos, mas pretende reduzir ainda mais as chances de ter um bebê com a anomalia. “Apesar de as chances de eu ter uma criança fissurada serem pequenas, estou participando do programa com o objetivo de colaborar para que os pesquisadores encontrem respostas para a prevenção desse problema que acometeu minha família”, conclui.

Com o mesmo objetivo, a bauruense Stella, 28 anos, aceitou fazer parte da pesquisa. “Estou consciente de que se trata de um teste. Pode acontecer de eu tomar os comprimidos e mesmo assim ter um filho com fissura, mas vale o risco. Afinal, de qualquer forma pretendo ter outro filho”, conta. Stella é mãe de dois filhos, um garoto de 11 anos e uma menina de 8 anos que nasceu com fissura labiopalatina. “Quero fazer parte do estudo até o final porque, na pior das hipóteses, vou auxiliar os pesquisadores”, relata.


Reunião de trabalho entre os pesquisadores: em favor da saúde pública



O começo

Há algum tempo a Fundação Melinda e Bill Gates passou a se dedicar a pesquisas e projetos relacionados à saúde nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, como o Brasil. Para efetivar esse trabalho, a fundação americana firmou parceria com o National Institute of Health (NIH), que congrega 13 institutos. Em meados de 1999, o NIH juntou os institutos que julgava importantes, entre eles o National Institute of Children and Human Development (NICHD) e criou a Rede Global de Pesquisa em Saúde Materno-Infantil. A partir daí, pesquisadores do mundo inteiro passaram a ser convidados a apresentar projetos para essa rede.

Em 2000, a equipe de genética do Centrinho uniu-se ao pediatra Jeffrey Murray, da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, com quem os profissionais bauruenses já desenvolviam pesquisas sobre síndromes ligadas a anomalias congênitas há mais de cinco anos. A idéia era apresentar proposta ao NIH de projeto em nome do Centrinho para investigar se a suplementação com ácido fólico em mulheres de risco é capaz de prevenir a recorrência de casos de fissuras orais não-sindrômicas, ou seja, fissuras isoladas de outras malformações.

As fissuras orais não-sindrômicas correspondem a 80% dos casos tratados no Centrinho. Por ter um universo significativo de pacientes matriculados (quase 40 mil pessoas com fissuras labiopalatinas constam dos registros de matrícula), o hospital reúne as condições necessárias para desenvolver uma pesquisa desse porte.

Em 2001, dez projetos mundiais foram aprovados, entre eles o do Centrinho, visto como prioridade por se tratar de um tema relevante e de grande interesse da comunidade científica. O projeto tem duas partes distintas, aquela que será efetivamente desenvolvida pela equipe de Bauru – de caráter preventivo – e outra com perfil epidemiológico e psicológico, desenvolvida na Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, pelo professor Eduardo Castilla.

Uma ONG americana (Research Triangle Institute, RTI) se candidatou no NIH para dar assessoria logística (informática e estatística) ao projeto. Essa ONG contratou um gerente de rede no Brasil para viabilizar o banco de dados e a comunicação em rede. O contrato financeiro do projeto foi firmado entre o NIH e a Universidade de Iowa, que, por sua vez, estabeleceu um subcontrato com a USP.





Na prática

Na fase A do projeto piloto, que teve início no segundo semestre de 2003, após aprovação dos órgãos competentes brasileiros e americanos, o grupo de pesquisa mapeou os municípios vizinhos da cidade de Bauru, num raio de até 120 quilômetros, e passou a enviar correspondências às potenciais participantes. Foram eleitos 55 municípios e 526 mulheres em idade reprodutiva que tiveram fissura ou têm filhos com a anomalia. Dos municípios escolhidos, foram criados 13 pólos onde deveriam ocorrer as palestras explicativas do projeto e os encontros bimestrais entre o grupo e as participantes. “Nessa primeira fase, nosso maior problema foi localizar as participantes para convidá-las a comparecer às palestras. Uma vez presentes nas conferências, 93,1% aderiram ao programa”, lembra o coordenador operacional do grupo bauruense José Roberto M. Soriano.
Com a ajuda de um especialista em recrutamento, membro da ONG americana parceira do programa, mais mulheres do grupo de risco foram localizadas. “Fomos orientados a envolver secretários de saúde dos municípios, assistentes sociais e agentes comunitários com o intuito de recrutar um número significativo de mulheres”, diz Soriano.

Uma equipe composta por auxiliar de enfermagem, biólogo e motorista se desloca, bimestralmente, ao município-pólo para encontrar as participantes já incluídas e, então, obter informações sobre possíveis atrasos menstruais ou gravidez e para coletar uma amostra sangüínea que possibilite medir os níveis de ácido fólico no organismo da mulher.

Até o final da pesquisa, pretende-se estudar os efeitos do ácido fólico em 2 mil mulheres. A previsão do encerramento do programa é abril de 2006, com possibilidade de prorrogação.

Visitas americanas

Na semana passada, nos dias 9, 10 e 11 de agosto, o Centrinho recebeu o pesquisador americano Jeffrey Murray, a administradora científica do National Institute of Children and Human Development (NICHD), Lorette Javois, e o gerente de protocolo da ONG americana Research Triangle Institute, Norman Goco, para definir detalhes da próxima etapa da pesquisa com o superintendente José Alberto de Souza Freitas e os demais membros do grupo bauruense. “Este é o primeiro estudo prospectivo deste tipo, em todo o mundo, a examinar as questões ligadas à fissura de lábio e palato”, diz o pesquisador Jeffrey Murray.

Se os pesquisadores atingirem as 2 mil mulheres, ao longo da pesquisa, deve haver um número significativo de mulheres grávidas. Se houver uma redução mínima na recorrência de fissuras, já terá valido a pena. “Mesmo que eu tenha um bebê fissurado, ao longo da pesquisa, pois ainda não existe confirmação definitiva da eficácia do ácido fólico, estarei feliz por ter colaborado com a ciência e para o futuro de outras mães”, afirma Stella.

No Brasil, tramita há um ano e meio, no Congresso Nacional, o projeto 70/03, de autoria do deputado Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP), que obriga a adição do ácido fólico em farinhas de trigo e milho.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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