Quantas
pedras forem colocadas, tantas arrancaremos. Gravada em mármore
cravado, na calada da noite, na calçada frontal da Faculdade
de Direito, a frase escrita em 1973 simbolizava mais um protesto
dos estudantes do Largo.
Resistentes à transferência da faculdade para o campus
do Butantã, os alunos lapidaram a escritura naquela que seria
a pedra fundamental do novo prédio. O ato, que culminou com
a manutenção da Faculdade de Direito em seu local
tradicional, talvez seja um dos símbolos mais fortes de apropriação
e demarcação de território cultural na sua
relação com a cidade. A avaliação é
de Ana Luiza Martins, doutora em História Social pela Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e historiógrafa
do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado
de São Paulo).
Pesquisadora da história do Largo São Francisco há
cerca de 15 anos Em quase tudo que vou estudar,
esbarro em aspectos do Largo, conta , Ana Luiza está
entre os especialistas convidados para ministrar palestras em ciclo
promovido pelo Centro de Preservação Cultural (CPC)
da USP.
Com o tema Cidade e Universidade: aspectos de um patrimônio
comum, as palestras acontecerão em datas que se estendem
até novembro (leia o texto ao lado), no local onde hoje funciona
a Casa de Dona Yayá, tombada e transformada em espaço
cultural no tradicional bairro da Bela Vista, região central.
Sob diferentes óticas, seja a do direito, da arquitetura,
da história, da sociologia, da filosofia e da antropologia,
o ciclo abordará a questão do patrimônio cultural
da USP inserido no contexto histórico da cidade de São
Paulo.
Além de provocar uma reflexão sobre a relação
da Universidade com a sociedade, o evento é uma forma de
divulgar os trabalhos compilados no volume 7 da série Cadernos
CPC, diz a professora Ana Lúcia Duarte Lana, diretora
do CPC. Com título homônimo do tema central das palestras,
o livro reúne textos dos professores Gilson Schwartz, do
Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, Franklin Leopoldo
e Silva, da FFLCH, e Heloisa Barbuy, do Museu Paulista, entre outros.
Ainda no prelo, a edição não tem data confirmada
para seu lançamento, segundo a Edusp, que edita os cadernos
da série.
Como parte do ciclo Cidade e Universidade, a Casa de
Dona Yayá sediará, a partir de 20 de setembro, a exposição
USP: 70 Anos ou Mais. Além de prestar uma homenagem
ao aniversário da USP, a exposição pretende
enfocar aspectos da construção da Universidade, com
vistas a ampliar a noção do patrimônio cultural
no que diz respeito ao seu significado para os diferentes grupos
sociais, diz Ana Lúcia.
O evento foi inaugurado no último dia 24 de agosto com a
palestra A São Francisco na dinâmica da história
e na memória da cidade, de Ana Luiza, seguida da participação
do professor Lorenzo Mammi, que falou sobre O Centro Universitário
Maria Antonia, entre Universidade e Cidade.
Nascimento
da urbe
Com a Faculdade de Direito, no Largo São Francisco, a São
Paulo dos anos 20 passou de arraial de sertanistas para
burgo dos estudantes, nas palavras do historiador Ernani
Silva Bruno. O ambiente estudantil imprimiu um novo ritmo,
trouxe hábitos mais sofisticados e conferiu vida urbana a
São Paulo, explica a historiógrafa do Condephaat,
que escreveu o livro Arcadas: história da Faculdade de Direito
do Largo São Francisco, em co-autoria com a professora Heloisa
Barbuy.
Ana Luiza caracteriza a Faculdade de Direito como uma miniatura
da formação da nacionalidade brasileira. Isso
porque o Largo produziu não só dez presidentes
da República, mas também os principais nomes da intelectualidade
nacional, destacados nas mais diversas áreas de humanidades.
Palco onde nasceram campanhas políticas e movimentos sociais
de repercussão nacional, o Largo São Francisco talvez
tenha perdido um pouco do peso da sua importância histórica,
na visão de Ana Luiza, mas ainda continua o catalisador de
muitos anseios sociais, haja vista o resultado da campanha pelas
Diretas-Já, orquestrada em grande parte pelos alunos de Direito.
Para a especialista, o gesto impetrado em 1973 pelos estudantes,
impedindo a transferência da sede da faculdade para a Cidade
Universitária, longe de apartar a tradicional unidade da
USP, ampliou a dimensão territorial e histórica da
Universidade, potencializando a inserção da instituição
na malha e cotidiano urbanos.
A permanência da sede no seu lugar de origem permitiu
que a história da educação do País pudesse
ser recontada através de um espaço museológico,
pleno de vitalidade e significações, inserido no coração
da cidade, que articula o moderno campus ao centro velho, cumprindo
papel revitalizador em área tradicional.
Local
do Grito
Mais conhecido como Museu do Ipiranga, o Museu Paulista da USP nasceu
como Museu do Estado. Projetado no Brasil Império, sua inauguração
se deu nos primeiros anos após a proclamação
da República, a 25 de agosto de 1893. Modelo prestigioso
para a época, era o que se chamava de museu enciclopédico
e funcionava como uma espécie de centro de estudos científicos.
Era um conceito avançado para museus na época,
conta Heloísa Barbuy, professora do Museu Paulista e palestrante
convidada para o ciclo Cidade e Universidade. O
campus do Ipiranga é o título da palestra de
Heloísa, que será ministrada no próximo dia
31 de agosto.
Em seu texto, que será publicado no volume 7 da série
Cadernos CPC, da Edusp, Heloísa faz um paralelo entre o nascimento
do Museu Paulista e o da Faculdade de Direito do Largo São
Francisco. Após a proclamação da República,
em 1889, num momento em que a nação passava por um
processo de afirmação, enquanto se elegia aquele
símbolo de emancipação política, engendrava-se
outro, que já surgia forte, também decorrente da Independência:
a Academia de Direito de São Paulo, criada em 1827, que representava
a emancipação intelectual do Estado recém-criado.
E também o velho convento do Largo São Francisco,
em que foi instalada, tornou-se lugar simbólico, mito fundador
da nação.
Para a pesquisadora, a interação do Museu Paulista
com a sociedade atualmente pode ser traduzida não apenas
nas cerca de 250 mil visitações ao ano, mas também
na articulação com outras instituições
no bairro e na caracterização espacial da região.
Existem quatro universidades no entorno do museu, resultado
da vocação cultural e universitária da instituição.
O próprio desenho das avenidas foi pensado a partir da localização
do museu, diz.
Palestras
vão de agosto a novembro
O
ciclo de palestras Cidade e Universidade: aspectos de
um patrimônio comum acontece sempre a partir das
19 horas, na Casa de Dona Yayá, que fica na rua Major
Diogo, 353, Bela Vista. Para informações e inscrições
o telefone é (11) 3106-3562. A programação
de palestras é a seguinte:
31
de agosto
O campus do Ipiranga, com a professora Heloisa
Barbuy, do Museu Paulista
O campus e a cidade, com Marco Antonio Xavier,
do Memorial do Imigrante
21
de setembro
Arquitetura e sociabilidade na Cidade Universitária
de São Paulo, com a professora Fernanda Fernandes,
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP
Cidade na Arte, com a professora Marica Cecília
França Louranço (FAU)
5
de outubro
Cidade Universitária: patrimônio e identidade,
com o professor José Guilherme Magnani, da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)
19
de outubro
A cidade e a Cidade Universitária: autonomia,
localismo e universalismo, com a professora Nina Beatriz
Ranieri, secretária-geral da USP
Cidade Universitária e cidades do conhecimento,
com o professor Gilson Schwartz, do Instituto de Estudos Avançados
(IEA)
26
de outubro
Universidade, cidade, cidadania, com o professor
Franklin Leopoldo e Silva, da FFLCH
9
de novembro
Depoimentos de autores do livro Cidade e Universidade: aspectos
de um patrimônio comum, que deu origem ao ciclo de palestras
de mesmo nome
18
de novembro
Ariadne e o Labirinto: a Universidade e os desafios
da cidade, com a professora Margarida de Souza Neves,
da PUC do Rio de Janeiro
Uma reflexão sobre a USP e a comunidade que a
cerca, com Célia Belém.
|
|