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C
om o fim da União Soviética, a queda do Muro de Berlim, Guerra do Golfo, Guerra do Iraque e a globalização - entre tantos outros abalos -, as mudanças históricas vêm acontecendo em velocidade tão grande, nos quatro cantos do mundo, que já não se pensa a história como há 15 anos.
Os paradigmas estão em constante transformação. Foi pensando nesse contexto que o Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP promoverá o Simpósio Internacional Os Rumos da História, que acontecerá no Anfiteatro da História, nos dias 20 a 24 de setembro, sempre a partir das 14 horas.

Sob a direção do professor Osvaldo Coggiola, o Departamento de História vem organizando vários congressos nos últimos anos, voltados sempre para um marco histórico relevante, como os simpósios que trataram da Revolução Francesa, em 1989, do socialismo e do assassinato de Trotsky, em 1991, dos 500 anos da América, em 1992, da Segunda Guerra Mundial, em 1995, da morte de Friederich Angels e de Che Guevara. "O simpósio Os Rumos da História é diferente porque não está ligado a nenhuma efeméride específica. Queremos fazer um mapeamento da situação da ciência e da disciplina histórica na atualidade", ressalta Coggiola.

O evento será composto de 11 conferências e 23 mesas-redonda, que analisarão todas as áreas ensinadas e pesquisadas no Departamento de História, abordando desde a Antiguidade até a Idade Contemporânea, no Brasil e no mundo. Reunirá cerca de 100 especialistas, que participarão das mesas-redonda e farão conferências. Eles vão tentar levantar o "estado da questão" e mapear todo o fazer historiográfico de ponta existente atualmente, segundo Coggiola.

Entre os convidados estrangeiros, estarão presentes historiadores como Pierre-Antoine Fabre, que vai falar sobre "Ciências Sociais e História da Espiritualidade Moderna: Perspectivas de Pesquisa". Também contará com o economista Pablo Rieznik, que vai discutir "As Formas do Trabalho na História", e com a socióloga Carla Filosa, que abordará "As Classes e a História". Participarão do encontro ainda especialistas como Carla Casagrande, Anita Novinsky, José Jobson Arruda, Ulpiano Toledo Menezes, João Adolfo Hansen e Walter Neves. "Um dos aspectos mais importantes do futuro da ciência da história é o crescimento da interdisciplinaridade, ou seja, cada vez mais trabalham em conjunto pesquisadores de diferentes áreas, historiadores, sociólogos, economistas e profissionais das áreas de exatas e naturais", afirma Coggiola, justificando a ênfase que o simpósio dará nas discussões interdisciplinares. A professora Emilia Viotti da Costa, cassada pelo regime militar (1964-1985) e recentemente aposentada pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, dará a conferência inaugural, sobre as mudanças do paradigma histórico (leia ao lado a programação completa do Simpósio Internacional Os Rumos da História).

Biologia e história

O professor do Instituto de Biociências da USP Walter Neves é um reconhecido especialista em pesquisa de morfologia óssea e foi quem lançou a teoria de que o homem não povou a terra através de uma única onda migratória, como se pensava até pouco tempo atrás. Ele discorda também de que o povoamento da América tenha sido feito pelos asiáticos, que teriam chegado via Estreito de Bering, no Alasca. Em pesquisas realizadas com restos de seres humanos encontrados no Nordeste brasileiro, Neves constatou uma origem mais antiga e não mongolóide do homem americano. Isso mostra que uma parte do povoamento da América foi realizado através do oceano pacifico, a partir de uma população de origem polinésica. É disso que Neve vai tratar durante o simpósio.

Coggiola afirma que esse assunto, em parte, é um debate historiográfico. "É uma pesquisa que se apóia no trabalho de biólogos. Podemos afirmar que todas as teorias da origem do homem sobre uma vertente única africana se apóiam nos principais desenvolvimentos recentes da pesquisa em biologia, baseados na questão genética."

A história, desde a origem do homem até hoje, está sendo repensada à luz dos avanços científicos que se propagam em todas as disciplinas, destaca Coggiola. Ele acrescenta que as mudanças obrigam a pensar não apenas nos acontecimentos mais recentes, mas em todos os fatos da história mundial, a fim de apresentar processos do passado que ficaram desapercebidos. O simpósio pretende fazer o mapeamento dessas mudanças no olhar da história pelo qual o mundo está passando atualmente.

O evento vai discutir também os currículo dos cursos de História. "O currículo de História tem que se adaptar ao próprio desenvolvimento da ciência histórica e esse desenvolvimento nos leva a não formatar um currículo definitivo", ressalta Coggiola.

Mutação

Se, antes, o estudo da época antiga era feito somente através dos materiais encontrados pelos arqueólogos, hoje o documento não escrito e a tradição oral são considerados documentos importantes para reconstituir os períodos históricos. Dentro dessa perspectiva, o professor da USP Ulpiano Toledo B. Menezes, especializado na história do domínio sensorial, vai discutir a ampliação do conceito de documento histórico. Para ele, um documento escrito não pode ser trabalhado apenas intelectualmente, mas partir dos sentidos, como o tato, por exemplo.

Atualmente, a história inclui um conjunto de disciplinas que dizem respeito aos períodos mais recentes da trajetória humana, que acabaram se incorporando ao fazer histórico. Um exemplo disso é a chamada Arqueologia Industrial. "Estamos vivendo uma fase que chamamos de neoliberalismo, lembrança do paradigma produtivo. Fábricas estão desaparecendo e algumas estão sendo transformadas em museus, porque há uma política de conservação daquilo que já está sendo ultrapassado pelo desenvolvimento de novas técnicas produtivas. Tudo isso se incorpora em fazer história", explica Coggiola.

A história oral também será debatida no evento, em duas mesas-redondas: "História Oral, Migração e Imigração, Territorialidade e Memória" - com os professores Suzana Ribeiro, Fabiola Lins Caldas, Valéria Magalhães e Fabiano Maisonnave - e "Os Novos Rumos da História Oral", com os professores José Carlos Sebe, Denise Paraná, Beatriz Gordo Lang e Dante Galian. Ambas procurarão mostrar que a história oral se desenvolveu como uma disciplina com força própria, assim como a história da cidade.

O simpósio tratará também do tráfico internacional de drogas, na mesa-redonda "As Drogas na História". Coggiola conta que nos últimos anos se desenvolveu um estudo histórico sobre o tráfico que vêm ajudando a entender o consumo, sendo este um hábito tão antigo quanto a própria humanidade. "Tempos atrás, a única resposta era a punição e a repressão. Atualmente as estratégias não são mais as chamadas proibições, mas sim a redução de danos."

Coggiola afirma que a historia dá subsídios para políticas públicas. No caso das drogas, era preciso primeiro entender qual é a origem do problema. "O consumo de drogas aumentou na guerra do Vietnã, com a conivência dos oficiais que sabiam que os soldados não iriam suportar a guerra. Filmes como Platoon e Apocalipse now demonstram isso. Em momentos de crise econômica, abre-se um novo ramo político para capitais imobilizados, capitais puramente especulativos. Cria-se todo um sistema de lavagem de dinheiro."

Seitas - A espiritualidade será o tema da palestra "Ciências Sociais e História da Espiritualidade Moderna: Perspectivas de Pesquisa", de Pierre-Antoine Fabre, que abordará desde o surgimento de seitas e a igreja Universal do Reino de Deus até as obras do escritor Paulo Coelho. Fabre desenvolveu uma pesquisa sobre as origens históricas das seitas. O tema estará presente também na palestra de Carla Casagrande, que vai falar sobre "As Paixões na Idade Média".

Já as palestras das professoras Anita Novinsky e Carla Filosa vão tratar, respectivamente, da intolerância na Idade Média e das classes sociais atualmente, num momento que se fala tanto em exclusão e inclusão. O professor Pablo Rieznik vai discutir as mudanças do paradigma do trabalho e como se dá a estruturação produtiva e as formas de trabalho ao longo da história, na conferência "As Formas do Trabalho na História".

"Códices e Crônicas na História da América" vai tratar da formação da América a partir do seu povoamento, muito antes da colonização. "Se levarmos em conta que o homem existe na América há 14 mil anos e que fomos descobertos há 500 anos, temos 13.500 anos dessa história sem registro", diz Coggiola. "A maioria dos povos pré-colombianos não tinha escrita. O sistema de contabilidade dos incas era feito através de nós. O mais curioso é que isso era uma forma de escrita através do código binário, que é o mesmo que se usa para a computação atualmente."

A mesa-redonda "História e Contemporaneidade" terá como uma das palestrante a professora Maria Aparecida Aquino, também da USP. Ela enfatizará que um curso de graduação em História Contemporânea não deve deixar de lado os eventos contemporâneos mais recentes. "Costumo sempre abordar o curso a partir de um evento histórico recente, pois representa uma concepção da história que não é uma coisa que se perde no tempo. Abordo fatos antigos com um olhar contemporâneo, pois assim a compreensão se dá mais claramente." Para Maria Aparecida, o grande drama de se estudar a contemporaneidade é a falta de material bibliográfico traduzido para o português. "Por isso procuro também usar muito material jornalístico, embora alguns estudiosos digam não ter validade", explica.

Os estudos de Maria Aparecida se debruçam sobre os dilemas da contemporaneidade, procurando entendê-la a partir do presente. "Procuro abordar, por exemplo, a Revolução Francesa da perspectiva do autoritarismo e a Segunda Guerra Mundial, a partir do totalitarismo, por exemplo."

Outro tema fundamental, segundo Maria Aparecida, é a Guerra do Vietnã. "Essa guerra carrega os meios de comunicação, que definiram o futuro da guerra. Na época os Estados Unidos não estavam preparados para censurar as imagens, como fez na Guerra do Golfo. E esse é exatamente o elemento decisivo para a formação da opinião pública para derrubar a continuação da guerra."

Para Maria Aparecida, o simpósio internacional será "muito importante" porque ele reunirá os alunos para pensar qual o tipo de história que se está fazendo atualmente e qual a formação do professor de história que está chegando ao mercado. "São questões importantes para que eles entendam as rápidas transformações que as profissões vêm sofrendo."

O Simpósio Internacional Os Rumos da História será realizado de 20 a 24 de setembro no Anfiteatro do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (avenida Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, em São Paulo). A entrada é gratuita. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3091-3760 ou pelo endereço eletrônico flh@edu.usp.br.



Do mundo antigo à globalização

Esta é a relação completa das conferências e mesas-redonda que serão realizadas durante o Simpósio Internacional Os Rumos da História. Os encontros ocorrerão no Anfiteatro, na Sala Caio Prado Júnior e na sala 14 do Departamento de História

CONFERÊNCIAS
Dia 20 (segunda-feira)
14 horas. Conferência Inaugural (Emilia Viotti da Costa).
17 horas. "Historiografia jesuítica do século 18 na América Hispânica" (Héctor Hernán Bruit)
19hs30. "As formas do trabalho na história" (Pablo Rieznik)

Dia 21 (terça-feira)
17 horas. "Ciências sociais e história da espiritualidade moderna: perspectivas de pesquisa" (Pierre-Antoine Fabre)
19hs30. "As paixões na Idade Média" (Carla Casagrande)

Dia 22 (quarta-feira)
17 horas. "História e intolerância" (Anita Novinsky)
19hs30. "As classes e a história" (Carla Filosa)

Dia 23 (quinta-feira)
17 horas. "O império tripolar: Brasil, África, Portugal" (José Jobson A. Arruda)
19hs30. "A história no domínio do sensorial: riscos e perspectivas"
(Ulpiano Toledo B. Menezes)

Dia 24 (sexta-feira)
14 horas. "O estado atual das pesquisas sobre as origens do homem na América" (Walter Neves)
19hs30. "Representação colonial e tempo histórico" (João Adolfo Hansen)


MESAS-REDONDA
Dia 20 (segunda-feira)
17 horas. "Família, população e cultura na História do Brasil" (Maria Inês Borges Pinto, Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura e Paulo Iumatti)
17 horas. "Arquivos, história e memória" (Heloísa Liberalli Bellotto, Ana Maria Camargo e Maria Luiza Tucci Carneiro)

Dia 21 (terça-feira)
10 horas. "A formação do Estado independente no Brasil" (Mônica Dantas, István Jancsó, Pedro Puntoni e João Paulo Garrido)
10 horas. "Escravidão e política na História do Brasil" (Miriam Dolhnikoff, Cecília Helena Salles de Oliveira, Rafael Bivar Marquese e Antonio Penalves Rocha)
14 horas. "Relatos e literatura de viagem na História da América" (Dario Horácio Gutiérrez, John Monteiro e Maria Helena Machado)
14 horas. "A ciência na história" (Shozo Motoyama, Julio Katinsky, Gildo Magalhães e Maria Amélia Mascarenhas Dantas)
17 horas. "As drogas na história" (Osvaldo Coggiola, Henrique Carneiro, Beatriz Labate e Sandra Goulart)
17 horas. "História antiga e mundo contemporâneo" (Norberto Guarinello, Maria Luiza Corassin, Francisco Murari Pires e Marlene Suano)

Dia 22 (quarta-feira)
10 horas. "História e revolução" (Agnaldo dos Santos, Augusto Buonicuore e Valério Arcary)
10 horas. "Os novos rumos da história oral" (José Carlos Sebe, Denise Paraná, Beatriz Gordo Lang e Dante Galian)
14 horas. "Códices e crônicas na história da América" (Eduardo Natalino dos Santos, Janice Theodoro da Silva, Leandro Karnal e José Alves Netto)
17 horas. "História Oral, migração e imigração, territorialidade e memória" (Suzana Ribeiro, Fabiola Lins Caldas, Valéria Magalhães e Fabiano Maisonnave)
17 horas. "Teorias e paradigmas da história" (Raquel Glezer, Jorge Grespan e Antonio Penalves Rocha)

Dia 23 (quinta-feira)
10 horas. "História e contemporaneidade" (Maria Aparecida de Aquino, Marcos A. Silva, Francisco Alambert e Leonel Itaussu A. Mello)
10 horas. "Da esquerda à direita: livros e leituras no Brasil (séculos 19 e 20)" (Lincoln Secco, Flamarión Maués e Marisa Midori Deaecto)
14 horas. "Idade Média, novos temas e velhos objetos" (Carlos Roberto Figueiredo Nogueira, Nery de Barros Almeida, Marcelo Cândido da Silva e Ana Paula Tavares)
17 horas. "História e historiografia das Américas" (Maria Lygia Prado, Maria Helena Capelato, Mary Anne Junqueira, Julio C. Pimentel e Gabriela Pellegrino Soares)
17 horas. "Modernidade e historiografia" (Modesto Florenzano, Carlos Zerón, Laura de Mello e Souza e Adone Agnolin)

Dia 24 (sexta-feira)
10 horas. "Problemas de história da Ásia e da África" (Maria Cristina Wissenbach, Leila Hernández, Peter Demant e Marina de Mello e Souza)
10 horas. "Economia e história" (Wilson Nascimento Barbosa, Osvaldo Coggiola, José Martins e Vera Ferlini)
14 horas. "História e cultura" (Nicolau Sevcenko, Tereza Aline P. Queiroz e José Geraldo Vinci de Moraes)
17 horas. "Questões de história ibérica" (Lincoln Secco, Márcia Berbel, Ana Paula Torres Megiani e Íris Kantor)
17 horas. "A formação do professor e do profissional de História" (Sylvia Bassetto, Zilda Iokoi e Jaime Cordeiro)



Sobre o ensino e a pesquisa

A formação do professor e do profissional de história será tema de debates entre os professores Sylvia Bassetto, Zilda Iokoi e Jaime Cordeiro, durante o Simpósio Internacional Os Rumos da História. Segundo Zilda, houve uma mudança importante nos últimos tempos: agora não se aceita mais a separação entre o aluno bacharel e o aluno licenciado. "Essa é uma dicotomia inadequada demais, porque não existe a licenciatura numa área sem o conhecimento específico. O bacharelado e a licenciatura devem se fundir num formato que dê aos estudantes uma formação completa daquilo que sejam as funções do profissional de história hoje."

Essas funções, de acordo com Zilda, são a docência em todos os níveis de ensino - fundamental, médio e superior. Cabe à universidade preparar para a docência. Para isso há a parte específica do conteúdo de história, que mostra o que é o trabalho do historiador, como se constitui a historiografia, que referências deve ter e como ele articula presente, passado e futuro, por exemplo. "Pesquisa e ensino são indissociáveis", ressalta.

Quando o aluno de graduação não realiza nenhuma pesquisa, ele não vai compreender adequadamente como se deu o fato. Dessa forma, apenas reproduzirá, como profissional, o trabalho de outros historiadores. "Ele não vai problematizar, mostrar o que é memória, quais são suas versões." Zilda lembra que é preciso experimentar para saber e aprender.

A professora diz ainda que é preciso formar o profissional de história de uma maneira ampla, porque ele trabalha com mídias, cinema, documentário, eventos, assessoria a movimentos sociais, terceiro setor e sindicatos - enfim, uma série de novos espaços que estão se abrindo. "Hoje o profissional tem que lidar com arquivos, com centro de documentação. A história oral e a educação compõem uma das partes mais substantivas para que o profissional compreenda a dinâmica daquela sociedade que ele está ensinando."

Zilda destaca ainda que, caso um professor de história vá ensinar num colégio de elite, terá de lidar com uma certa classe social, que apresenta um determinado conjunto de valores. Para isso ele precisa se conectar com seu público, a fim de poder mostrar que aquela realidade tem certas peculiaridades, mas existem também outras realidades. "Ele precisa fazer com que seu aluno olhe por um caleidoscópio, observando cada pedaço, para poder pensar uma sociedade mais ampla, e assim poder passar valores que são fundamentais, como respeito à vida, solidariedade e olhar crítico sobre o mercado", ressalta a professora.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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