Nos
ônibus, lotações e trens apinhados, as pessoas
passam grande parte do seu tempo. Às vezes, o cansaço
beira o desespero. Dona Aurora França Morales, moradora em
Ermelino Matarazzo, enfrenta diariamente essa situação.
A realidade de dona Aurora compõe, com outras 21 narrativas,
o livro USP Leste e seus vizinhos, que marca a 26a edição
do Projeto São Paulo de Perfil, coordenado pela professora
Cremilda Medina, da Escola de Comunicações e Artes
(ECA) da USP. A obra foi lançada no dia 18 de setembro, sábado,
no Centro de Convivência da Terceira Idade Dona Tereza Bugolim,
no bairro de Ermelino Matarazzo, na zona leste.
A história de dona Aurora contada no livro pela jornalista
Fátima de Queiroz Cosmo Lopes, repórter do Jornal
de Itaquaquecetuba retrata a vida de 4,5 milhões de
habitantes da zona leste de São Paulo, em sua maioria migrantes
que lutam para sobreviver em bairros carentes de transporte, saúde
e educação.
Segundo Cremilda, o livro é uma coleção de
textos que mostram a realidade da zona leste, por ocasião
da instalação do campus da USP na região
que iniciará as atividades nos primeiros meses de 2005, oferecendo
dez cursos para 1.020 alunos. Não é propriamente
a USP que está descrita no livro, mas sim os vizinhos que
vão receber a Universidade e que têm uma série
de demandas que poderíamos tratar a partir de diálogos
com a comunidade.
A professora Myriam Krasilchik presidente da Comissão
Central da USP Leste e autora de um dos artigos publicados no livro
afirma que o campus da USP na zona leste pretende ser um
espaço de convivência e discussão, onde alunos
se dedicarão à reflexão e a novas descobertas.
Professores e alunos compartilharão salas, laboratórios
e oficinas onde transcorrerão muito diálogo e controvérsia,
na busca de soluções para a região.
Transporte
Essas soluções devem começar pela melhoria
do transporte, que o bairro reivindica há anos. Nessa encruzilhada
encontra-se dona Aurora, que há 36 anos vem fazendo o mesmo
trajeto para sair de Ermelino Matarazzo e chegar no Butantã,
na zona oeste, onde trabalha como empregada doméstica, numa
viagem de três horas de duração. Antes
era terrível. Sem Metrô, a gente levantava às
3 horas da manhã para sair de casa às 4 horas, e ainda,
de vez em quando, atrasava no serviço. Descia no Brás
e dali tomava mais dois ônibus até o Butantã,
conta dona Aurora, sem reclamar e se incomodar com o tempo perdido
no transporte lento e precário.
Mesmo em meio a tantas dificuldades, dona Aurora, uma senhora de
um metro e meio de altura, se diz feliz por ter conseguido uma vida
melhor para sua filha única, que não precisou trabalhar
na roça e na carvoaria quando ainda era criança, como
ela mesma.
A jornalista Fátima, autora da história de dona Aurora,
conta que conheceu sua personagem num encontro espírita e
durante dois meses fez o périplo que diariamente a empregada
doméstica faz para conseguir chegar no centro de São
Paulo. Foram várias viagens de trem e ônibus.
Tanto um como outro estão sempre lotados. É gente
pendurada por todos os lados. Sem contar que se vende de tudo: bebida,
amendoim quente, bala, CDs, caneta, salgadinho, água e maconha,
ressalta Fátima. Você é obrigada a conviver
com essa balbúrdia dia após dia, sem poder reclamar
e sem ter outra opção de transporte. Imagina passar
por tudo isso depois de um dia cheio de trabalho na casa da patroa
e ainda tendo muito por fazer na sua própria casa.
Um fato que emocionou a jornalista foi dona Aurora ter aprendido
a ler sozinha. A personagem conta que, quando estava na casa das
patroas, coletava as latas de molho de tomate para que suas amigas
a ajudassem a ler. Aos poucos ela foi reconhecendo todas as
letras do alfabeto. Hoje é uma pessoa alfabetizada. Sua força
de vontade é tão intensa que nada é barreira
para ela conquistar, declara Fátima.
A equipe da nova edição do São
Paulo de Perfil: histórias e lições de vida
transformadas em narrativas contemporâneas
Narrativa viva
USP Leste e seus vizinhos faz parte de um projeto que teve início
em 1987, durante o curso de Jornalismo da ECA. Em 1998 o projeto
se deslocou para o Fórum Permanente Interdisciplinar, onde
Cremilda oferece disciplinas optativas para estudantes de graduação
de qualquer área de conhecimento e para o Programa da Terceira
Idade da USP. A disciplina aborda as Narrativas da Contemporaneidade.
Desenvolvo uma linha de pesquisa com os alunos cujo ato culminante
é a realização de um livro de narrativas sobre
São Paulo. O título da série, São Paulo
de Perfil, se volta para uma busca de identidade, de conhecimento,
de encontro com esse universo que é São Paulo, não
exclusivamente a capital, mas São Paulo como um macrocosmo
brasileiro, acentua a professora.
A coletânea se baseia em três linhas temáticas.
Fala sobre a migração mostrando o perfil de quem constrói
a cidade; sobre os grandes problemas da educação,
saúde e lazer; e sobre as regiões de São Paulo.
É nessa temática que se encaixa o volume da
zona leste, afirma Cremilda. A comemoração dos
500 anos do Brasil foi ocasião para o lançamento de
um volume sobre a Freguesia do Ó, um bairro paulistano do
século 16, que acompanha toda a trajetória da história
do Brasil e da cidade de São Paulo.
O objetivo da pesquisa e a filosofia do trabalho que envolve a coletânea
São Paulo de Perfil quer encontrar o herói anônimo,
segundo Cremilda. Aquele que trabalha em outras zonas da cidade,
que percorre longas distâncias diariamente, que sonha e que
busca educação e saúde dignas. Esse deslocamento
da vida e da sobrevivência é um dos temas do livro
e para isso os autores sempre procuram os protagonistas sociais
que vivem essa história. Não é uma descrição
quantitativa, numérica ou analítica da zona leste,
mas sim uma narrativa viva de histórias humanas, descreve
Cremilda.
Lançamento do livro: população
carente e atenta
Encontro
Histórias como a de Gorgel e Júnior, que vivem
realidades diferentes, mas têm os mesmos objetivos: lutar
por um futuro melhor para toda a comunidade. Seja por meio da arte
ou do ativismo político, como mostra o artigo O
encontro de cidadãos, publicado em USP Leste e seus
vizinhos. Narrado por Regina Tavares, jornalista e professora da
Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), o texto mostra como dois
personagens que moram num mesmo bairro representam histórias
tão distintas.
Júnior, um rapaz de 21 anos, mora no Tatuapé, um dos
bairros da zona leste com uma população de melhor
poder aquisitivo. Sempre estudou em escolas particulares e teve
boas condições de vida. Nunca se preocupou com
as questões ligadas à cidadania e aos problemas sociais.
Até porque o seu bairro não apresenta problemas cruciais
como o de Ermelino Matarazzo, ressalta Regina. Sem perspectiva,
o jovem se envolve com drogas, perde as oportunidades oferecidas
pelos pais, mas consegue dar uma guinada e passa a ser professor
voluntário de grafitagem em diversos movimentos populares.
Por sua vez, Gorgel saiu do Nordeste com 28 anos, deixando tudo,
família e todos os pertences. Veio a São Paulo ludibriado
por um sonho: o de conseguir um bom emprego e se fazer na vida.
Só que, ao chegar à cidade grande, a realidade foi
outra. Depois de ter constituído família, por não
conseguir mais pagar o aluguel, junta-se a pessoas que começam
a ocupação do que vem a se chamar Jardim Pantanal.
Uma região pantanosa, na beira do rio Tietê, lugar
impróprio e insalubre para se morar. Regina conta que, mesmo
com todas essas dificuldades, Gorgel luta, enfrenta conflitos até
com a polícia, mas acaba por fundar o movimento popular de
urbanização e legalização do Jardim
Pantanal. Com sua luta, consegue asfalto e iluminação
para o bairro.
É numa festa de final de ano para as crianças e adolescentes
do Jardim Pantanal, em meio a brincadeiras, músicas, gincanas
e oficinas, que Gorgel conhece Júnior, o rapaz responsável
pela oficina de grafite. Esse menino vem fazendo um trabalho
legal em outras comunidades. Desenhando, muitos jovens arranjam
uma ocupação e uma distração, evitando
o crime ou a ociosidade. Além do mais, eles utilizam o grafite
como instrumento de denúncia das desigualdades da periferia,
que mais parece um universo, de tão complexa, comentava
Gorgel com seus filhos, quando a visita tão esperada chegou.
Com sua coletânea, Cremilda faz uma declaração
de amor à cidade que ela adotou quando chegou a São
Paulo, em 1970. O projeto é uma declaração
de amor e mostra a nossa vontade de conhecer a fundo a cidade. Muitas
vezes, na nossa profissão de jornalista, circulamos pela
cidade de uma maneira burocrática, sem ao menos conhecê-la,
e muito menos sobre os seus habitantes. Para mim, é questão
de honra ir em busca desses habitantes, desses personagens anônimos
que compõem esta cidade imensa. Sabemos que é uma
cidade com muitos problemas, mas com um traço de solidariedade
muito rico. Aonde vamos, encontramos uma ponte de relação
humana que dificilmente encontramos em outro lugar.
Região
começou a ser ocupada no século 16
Pouco
a pouco, os heróis anônimos que chegaram à
zona leste foram conquistando e ocupando a região desde
o século 16. Os primeiros paulistanos,
conta Sandra Santos, autora do ensaio-reportagem Zona
leste somos nós, chegaram aqui margeando
a zona leste. Para ir do litoral paulista até o centro
da cidade o Pátio do Colégio ,
atravessaram a atual cidade de São Bernardo, chegando
ao que hoje é o Ipiranga. A sede do governo de serra
acima, até 1560, foi Santo André da Borda do
Campo, que hoje está coladinha com o distrito paulistano
de Sapopemba.
Hoje são 31 distritos no lado leste da cidade. Alguns
prósperos e ricos, com indicadores que beiram os de
países de Primeiro Mundo. Outros não passam
de periferias tristes e grotões necessitados, de fazer
pena a nações pobres e conflagradas onde
se morre de fome e de tiro, narra Sandra.
Nem mesmo Sandra, que nasceu, foi criada e continua morando
na zona leste, tem noção exata do tamanho da
região. Tem lugares que sequer havia ouvido falar,
como Lajeado e Vila Jacuí, ou posto os pés,
como Vila Curuçá e José Bonifácio.
Outros locais freqüentei durante anos pensando ser outro
lugar como Vila Matilde, que é bem encostada
no Carrão, que é estreitamente ligado à
Vila Formosa, onde fiz o segundo grau na Escola Estadual José
Marques da Cruz, o melhor colégio público na
época, a somente 20 minutos de ônibus de Sapopemba,
condução farta e não lotada pela manhã.
Alguns lugares Ermelino Matarazzo, Guaianazes e Itaim
Paulista , fazia questão de não conhecer,
por serem muito distantes, quase outras cidades, e outros,
como Cidade Líder, Cidade Tiradentes e São Miguel,
eram mal-afamados.
Depois de anos enfrentando um périplo de ônibus,
trem e lotação da zona leste para a USP, onde
cursou História, Sandra quer saber se, com a construção
da USP Leste, a região, com todos os seus 31 distritos,
será realmente beneficiada, pelo menos no quesito transporte.
De Sapopemba, para chegar a Ermelino Matarazzo, é
necessário pegar ônibus até o metrô
Belém, ir até o Brás, baldear para a
linha ferroviária, entrar num trem da linha variante
com destino a Calmon Viana e descer na estação
Engenheiro Goulart. Dependendo do horário, estará
lotado, e passageiro de trem costuma ser mais estressado.
O terreno da futura USP Leste é perto do Parque Ecológico
do Tietê, e o percurso da estação até
o local deve ser feito a pé ainda não
existe linha de ônibus que sirva ao trajeto, mas espero
que, pelo menos, após a inauguração,
algum edil compreensivo se sensibilize.
A zona leste, retratada no livro organizado por Cremilda,
é formada pelos bairros Água Rasa, Aricanduva,
Artur Alvim, Belém, Cangaíba, Carrão,
Cidade Líder, Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo,
Guaianazes, Iguatemi, Itaim Paulista, Itaquera, Jardim Helena,
José Bonifácio, Lajeado, Mooca, Parque do Carmo,
Penha, Ponte Rasa, São Lucas, São Mateus, São
Miguel, São Rafael, Sapopemba, Tatuapé, Vila
Curuçá, Vila Formosa, Vila Jacuí, Vila
Matilde e Vila Prudente.
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USP
Leste abre inscrições para contratar docentes
Começaram
no dia 20 as inscrições para os processos seletivos
de docentes para os cursos da USP Leste. São inicialmente
18 editais que oferecem até 40 vagas para doutores,
em seis cursos sendo 36 em Regime de Dedicação
Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP)
e quatro em Regime de Turno Completo (RTC). Lançaremos
mais 14 editais, referentes aos quatro cursos restantes. No
total, teremos 32 processos seletivos e 69 vagas, comenta
o professor Celso de Barros Gomes, coordenador geral da USP
Leste.
Os processos seletivos acontecem em até 120 dias após
a aprovação das inscrições. Mas
vale lembrar que as vagas disponíveis não serão
necessariamente todas preenchidas por essas seleções.
Os editais prevêem até 69 vagas. Mas algumas
podem ser ocupadas pelos professores que solicitaram transferência
para a USP Leste, explica o professor Gomes. Ele conta
que 25 docentes da Universidade pediram transferência.
Achamos que a composição ideal é
de mais ou menos 80% de docentes novos e 20% de docentes que
atualmente fazem parte dos quadros da USP. Então,
no máximo 15 serão transferidos se tiverem
o perfil e a experiência desejados.
Inicialmente, os currículos dos docentes que pediram
transferência serão analisados pelos coordenadores
dos cursos da USP Leste e receberão um parecer. Com
base nisso, uma comissão formada pelos professores
Hélio Nogueira da Cruz (presidente da Comissão
de Claros da USP), Franco Maria Lajolo (presidente da Comissão
de Assuntos Acadêmicos do Conselho Universitário),
Jorge Mancini Filho (presidente do Conselho Diretor dos Cursos
da USP Leste) e um representante da Comissão Central
da USP Leste, a ser definido fará a análise
de mérito e decidirá quem deve ser transferido.
Até o término das inscrições
já devemos ter uma posição das transferências
e do total de vagas restantes, explica o professor Gomes.
Ele ainda lembra que as unidades que liberarem seus docentes
para a USP Leste não ficarão desfalcadas. Elas
receberão um professor, claro, em troca.
Nesta semana, a Comissão de Implantação
da USP Leste também começa a discutir a questão
dos funcionários que pediram transferência e
dos que serão contratados.
As inscrições devem ser feitas na Secretaria
da USP Leste (rua da Reitoria, 109, Anexo ao Bloco L, Sala
USP Leste, São Paulo), num prazo máximo de 30
dias a partir da data de publicação do edital.
O candidato deve apresentar xerox do documento de identidade,
memorial (em seis vias) com comprovantes das atividades referidas,
prova de que é portador do título de Doutor
outorgado ou reconhecido pela USP ou com validade nacional,
título de eleitor e comprovante de votação
na última eleição (ou documento que comprove
a inexistência de pendências com a justiça
eleitoral). Mais informações podem ser obtidas
pelo telefone (11) 3091-3083.
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Cursos
e áreas contemplados pelos editais
Curso:
Ciências da Atividade Fsica
Áreas: Sociocultura do esporte; atividade física
e saúde
Gestão
Ambiental
Química ambiental; dinâmica e história
da natureza; meio ambiente e recursos naturais; sociedade
e meio ambiente
Gestão
de Políticas Públicas
Políticas públicas, estudo da política
e formação econômica e social do Brasil;
sociedades complexas, multiculturalismo e direitos
Lazer
e Turismo
Lazer e entretenimento; práticas de lazer e turismo;
turismo e sociedade
Marketing
Gestão de pesquisa e de informações de
marketing; gestão de marketing
Sistemas
de Informação
Matemática; computação; sistemas de informação
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