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Através de várias atividades, os professores discutiram as melhores metodologias para um ensino eficaz. "A idéia é fazer propostas coletivas", afirma a professora Maria Lúcia





Sei que a arte é irmã da ciência
Ambas filhas de um Deus fugaz
Que faz num momento e no mesmo momento desfaz

O trecho da música Quanta, que Gilberto Gil escreveu em 1997, relaciona a arte à ciência, da mesma forma que esta também pode estar ligada à literatura, à música e a outros campos do conhecimento. Estranha afirmação para aqueles que acreditam que a ciência se reduz a números, cálculos e postulados imutáveis.

Mas é assim que o professor João Janetic, do Instituto de Física da USP, acredita que deve ser o ensino da ciência, conforme explicou, no dia 24 de setembro, aos professores do ensino fundamental que lotaram o auditório da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP, durante o encontro Construindo o Conhecimento Físico nas Séries Iniciais.

“O ensino da física na escola não deve ser reduzido apenas à transmissão de fórmulas, algoritmos matemáticos ou conceitos como velocidade, tempo e espaço. Acredito que a história da ciência, a origem e razão de ser dos conceitos devem ser transmitidos com os postulados da disciplina”, afirma.

O encontro teve a presença de professores e pesquisadores da USP, além de docentes, coordenadores de ensino e diretores de escolas da rede estadual de ensino fundamental, reunidos em torno das pesquisas e ações do Laboratório de Pesquisa em Ensino de Física (Lapef) da Faculdade de Educação da USP.

Para exemplificar um caso clássico no ensino de física, o professor Janetic contou que, quando Isaac Newton concebeu sua teoria gravitacional, precisou se contrapor à crença vigente disseminada pelos aristotélicos, de que os corpos caem porque tendem ao seu lugar natural – o interior da Terra. Assim, para construir seu modelo, Newton concebeu a idéia da atração dos corpos.

 

 






Contar aos alunos a origem das teorias em física ajuda a dar sentido ao que se está ensinando porque contextualiza o assunto, além de estimular a criatividade e ainda contribuir para a formação cultural do cidadão contemporâneo, disse Janetic durante a palestra. Também para exemplificar essa afirmação, leu um trecho de As aventuras de Emília, de Monteiro Lobato, em que Dona Benta, a vovó do Sítio do Pica-pau Amarelo, explica para a garotada a trajetória dos sábios na humanidade.

A vovó compara os sábios a mentes iluminadas que “acordavam a carneirada estúpida”, dando luz àquele rebanho e mostrando que a Terra não é o centro do Universo, como queriam fazer crer “aqueles pastores do rebanho” que preferiam que a carneirada continuasse ignorante e na escuridão. Essa passagem, complementou o professor, pode ser uma boa introdução para explicar a teoria de Galileu, que foi julgado e quase morreu na fogueira porque dizia que a Terra girava em torno do Sol, e não o contrário.

Na segunda parte do encontro, após a palestra de Janetic, os professores da rede estadual, reunidos em grupos, destacaram os pontos positivos do projeto e apresentaram as principais dificuldades enfrentadas na aplicação da metodologia proposta pelos pesquisadores da USP.

“A metodologia gera discussão e o aluno aprende a questionar através da problematização de hipóteses” e “Atividades informais com a mediação do professor tornam a aula mais dinâmica, prazerosa e incentiva a socialização” foram algumas conclusões sobre a metodologia, apresentadas por dois grupos.

Os professores também apontaram problemas. “A maioria dos presentes citou a questão da falta de material para realizar as experiências de física”, diz a professora Maria Lúcia Vital dos Santos Abib, coordenadora do projeto. “Uma forma de sobrepor essa falta é, em parte, utilizar sucata, um copo com água, uma bacia ou outras coisas simples para fazer um experimento.

Por outro lado, diretores e professores poderiam se organizar para destinar uma verba para a compra de materiais”, sugere a professora, reconhecendo que nem sempre é possível substituir os objetos das experiências de física.


 

Pensar a natureza

“A nossa idéia é trabalhar com a inserção dos conhecimentos de física no bojo de outros conteúdos do ensino de ciências”, explica Maria Lúcia. “As ciências no ensino fundamental, em sua maioria, são conteúdos de biologia. A criança perde uma grande oportunidade de entrar em contato com as outras partes da ciência.

As atividades sobre física incentivam a criança a pensar e elaborar suas idéias sobre a natureza. Não é só o conteúdo de física, mas o enfoque é diferente também”, esclarece. Maria Lúcia ressalta que, no encontro, procurou formatar um projeto que fugisse da visão de formação de professores de forma tradicional, em que os participantes viriam à USP para ter apenas aulas expositivas.

“A idéia é sentarmos juntos, discutirmos, fazermos propostas coletivas, implementarmos e analisarmos as várias etapas do processo.”

O evento Construindo o Conhecimento Físico nas Séries Iniciais faz parte de uma integração entre a Universidade, as diretorias de ensino e professores da rede estadual de ensino fundamental. Compõe um grande projeto de pesquisa, financiado pela Fapesp, que busca elaborar propostas para a melhoria do ensino de ciências nas escolas de ensino fundamental e vem sendo desenvolvido pelo Lapef. “Temos, atualmente, cerca de 90 escolas participando de maneira direta e indireta, através dos coordenadores, que também compõem as reuniões com os multiplicadores”, explica Maria Lúcia.

Durante os quatro anos de funcionamento do projeto, pesquisas verificaram que essa formação dada pela Faculdade de Educação propicia um ganho muito grande para a autonomia dos professores que já apresentam uma disponibilidade para a melhoria, para a incorporação de inovações.

Outro aspecto positivo foi constatado entre as escolas que tiveram seus professores requalificados. “Uma escola montou uma sala de física e, em outro colégio, os participantes se reuniram com os demais professores que não participaram da capacitação, para passar a idéia da proposta”, comemora Maria Lúcia.

A coordenadora Clara Maria da Silva, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Marina Cerqueira César, conta que há necessidade de a criança desenvolver as habilidades físicas a partir da experimentação e isso a leva a produzir conhecimentos partindo até para a produção de textos científicos. “Participar de uma proposta de formação como esta da Faculdade de Educação é importante para percebermos todas as possibilidades que o ensino pode alcançar”, observa.


"Participar de uma proposta como esta, na Faculdade de Educação, é importante para percebermos todas as possibilidades que o ensino pode alcançar", afirma Clara Maria da Silva , professora
do ensino fundamental

 




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