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U
ma das doenças neuropsiquiátricas que mais causam transtornos aos pacientes e seus familiares é a esquizofrenia. Seus sintomas são classificados como produtivos (por exemplo, delírios e alucinações, nas quais é comum a pessoa referir-se a vozes que lhe dão ordens) e negativos, que incluem abatimento, desinteresse e diminuição da afetividade.

Mesmo entre portadores de esquizofrenia envolvidos em algum tratamento que permita sua reintegração ao trabalho e à vida social, não são raros os casos dos que se suicidam.
A esquizofrenia atinge cerca de 1% da população, independentemente de país, cultura e raça, e é uma doença que permanece associada a estigmas que aumentam o sofrimento de pacientes e familiares.

Embora já se saiba que há fatores ambientais e genéticos que contribuem para desencadear o seu desenvolvimento, a ciência ainda não conseguiu explicar exatamente qual é a sua origem. Vários estudos mostram, por exemplo, que há casos de gêmeos monozigóticos (gerados de um único ovo ou zigoto, que se subdivide nos primeiros estágios após a fecundação) em que, apesar de ambos possuírem o mesmo perfil genético, apenas um tem esquizofrenia. Em outras situações, mesmo criados em locais diferentes, os dois desenvolvem a doença.

Quanto mais próximo o grau de parentesco, maiores as chances de surgimento da enfermidade. Quando o pai é afetado, a tendência é que a esquizofrenia se manifeste precocemente nos filhos. Um exemplo típico é o do matemático John Nash (retratado no filme Uma mente brilhante), cujo filho começou a apresentar os sintomas mais cedo do que o pai. “O maior desafio que a gente tem hoje é entender a doença um pouco mais. Simplesmente começam a acontecer coisas supercomplexas e não se sabe por quê”, diz o biólogo e bioquímico Emmanuel Dias Neto, pesquisador e vice-diretor do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.

Ao lado de outros pesquisadores do laboratório, Dias Neto coordena dois trabalhos que estão investigando os genes associados ao surgimento da esquizofrenia. O objetivo é identificar que genes são esses, por meio de quais mecanismos eles atuam e como intervir para bloquear o seu desenvolvimento nas fases em que a doença se manifesta – o pico se dá principalmente a partir da adolescência – ou mesmo antes delas. “Descobrir os mecanismos moleculares que levam à doença pode abrir portas para a criação de novos tratamentos”, diz Sheila Passos Gregorio, doutoranda do Instituto de Química da USP, cujo trabalho está centrado na análise do DNA.

“Essa nova área da farmacogenômica vai crescer muito. Futuramente poderemos olhar o genoma de uma pessoa de forma global, verificar se ela tem suscetibilidade para uma doença – se ela quiser saber, claro – e determinar se vai responder ou não a um medicamento específico.” Para o professor Dias Neto, esse futuro não está tão longe assim. Ele imagina que num prazo não muito diferente de cinco anos já seremos aconselhados a tomar o remédio x ou y a partir de nosso perfil genético individual, e as bulas trarão informações dessa natureza.

 


Pesquisador e seu material de trabalho: análises constantes

 

Formação do feto

Durante a adolescência, todos passamos por um processo denominado “poda sináptica”. Muitos neurônios morrem, e são criadas novas sinapses, novas interações, entre as células cerebrais. Nesse momento é desencadeado o primeiro pico da esquizofrenia (no caso das mulheres, um segundo pico ocorre na menopausa).

Uma das hipóteses mais aceitas pelos cientistas é que, no caso dos esquizofrênicos, essa remodelagem cerebral não é tão bem-feita na adolescência devido a problemas na formação do sistema nervoso já nos primeiros estágios do desenvolvimento do feto, ainda na vida intra-uterina. A esquizofrenia, portanto, seria associada a um processo chamado de neurogênese – o nascimento dos neurônios. Oriundos de pesquisas do Projeto Genoma Humano do Câncer, Dias Neto e outros colegas decidiram “atacar” a esquizofrenia procurando quais os genes envolvidos na neurogênese.

As primeiras buscas, com base na literatura especializada e bancos de dados, identificaram quase 400 genes associados a esse processo – um universo grande demais. O segundo passo foi analisar estudos genéticos feitos com famílias de portadores para saber que regiões do genoma estão relacionadas à doença. Pelo menos 27 foram localizadas. “E aí cruzamos as duas informações. Se tenho algumas regiões e alguns genes que parecem envolvidos com a doença, a pergunta é: quais os genes que se localizam naquelas regiões específicas?”, relata Dias Neto.

O resultado foi um bloco de cerca de 100 genes, que ainda foram “peneirados” pelo critério de apresentar variações num grau importante dentro da população estudada. Os 50 genes identificados são o objeto da pesquisa da doutoranda Sheila, cuja previsão de término é o ano de 2006.

Para o estudo, foram coletadas amostras de sangue de 200 pacientes esquizofrênicos – que freqüentam o ambulatório do Instituto de Psiquiatria – e de 200 pessoas não portadoras, os chamados “controles”. O DNA é extraído das células sangüíneas, e depois são escolhidos os genes a ser estudados. Até agora já foram encontrados 37 polimorfismos. Na definição do professor Dias Neto, um polimorfismo é como o resultado da brincadeira do telefone sem fio: na transmissão de uma “mensagem” de uma célula-mãe para uma célula-filha pode ocorrer algum erro – uma mutação.

“Há milhares de anos, quando nossos antepassados estavam passando informações genéticas, houve a fixação dessas mutações e elas passaram a se dispersar. O polimorfismo é uma mutação genética que está presente num nível de mais de 1% da população”, explica.

Simplificadamente, o trabalho de Sheila Gregorio, que recebe bolsa do CNPq, é comparar a freqüência com que ocorrem essas variações nos genes estudados e cruzar as informações obtidas no grupo de pessoas doentes com aquelas dos controles. “Quando você vê que para um determinado gene há essa alteração num grupo de doentes, isso indica que esse gene deve estar envolvido com a doença. Isto é, alguém que apresenta um genótipo tal para aquele polimorfismo pode ter maior propensão a desenvolver esquizofrenia”, diz Sheila.

 

 


Equipe do Instituto de Psiquiatria: mapeando a esquizofrenia

RNA e proteínas

Nossas informações genéticas estão armazenadas no DNA – cuja seqüência é 99,9% idêntica para todos os indivíduos, independentemente de raça ou sexo. A partir dele é gerado o RNA, responsável por intermediar o repasse dessas informações. O RNA, por sua vez, codifica as proteínas, a entidade funcional do processo.

A segunda vertente da pesquisa sobre esquizofrenia no Laboratório de Neurociências – considerado, aliás, o mais produtivo dos 62 existentes na Faculdade de Medicina – analisa justamente o RNA e as proteínas, e seus resultados também serão cruzados com os provenientes do estudo do DNA.

“São muitas perguntas e muitas informações, e pela primeira vez estamos conseguindo olhar esses três pontos numa doença complexa como essa”, avalia Dias Neto.
Levada a cabo pela doutora Élida Benquique Ojopi, coordenadora de Genética do Laboratório de Neurociências, e por Daniel Martins, que está no primeiro ano de doutorado pelo Instituto de Biologia da Unicamp, a pesquisa analisa o RNA e as proteínas de cérebros de pacientes esquizofrênicos e de indivíduos controle.

“Vamos comparar quais proteínas estão sendo expressas no tecido normal que não estão sendo expressas no tecido doente e vice-versa, para tentar entender quais proteínas podem estar envolvidas com esse processo de patogenia”, explica Martins, bolsista da Fapesp.

“Esses estudos se complementam porque o banco de proteínas que se tem hoje em dia não é tão grande quanto o banco de dados que temos para o genoma”, diz Élida, para quem boa parte da possibilidade de pesquisas desse tipo se deve à divulgação dos resultados do Projeto Genoma Humano, cujo primeiro “rascunho” foi publicado em 2001.

Descobrindo os genes que estão por trás do surgimento da esquizofrenia, pode-se saber também quais as proteínas envolvidas. Se elas estiverem funcionando de maneira errada, seria possível imaginar uma forma de fazer com que funcionassem corretamente. “Entender o que está errado é a chave para descobrir o que fazer”, afirma a bióloga.

Para obter o material necessário – amostras de cérebros de indivíduos doentes – o laboratório firmou uma parceria que reverteu o fluxo normal do trânsito da pesquisa no mundo, no qual normalmente a coleta é feita na “periferia” e a análise se dá no laboratório de um país desenvolvido. Nesse caso, é o Brasil que está recebendo as amostras de um instituto de Mannheim, na Alemanha.

Os pacientes são acompanhados ao longo de toda a vida e, quando ocorre o óbito, um neurocirurgião retira o cérebro, o microdisseca, congela imediatamente e envia para o Brasil. Essa parceria é fruto do período de 18 anos que o médico Wagner Gattaz, diretor do laboratório, trabalhou na Alemanha.
Para Emmanuel Dias Neto, além do caráter vanguardista e do alto nível do trabalho – que está no padrão do que se faz nos grandes centros do mundo –, é importante registrar que o laboratório tem também um financiamento fundamental da Associação Beneficente Alzira Denise Hertzog Silva (Abadhs), criada por um empresário paulista.

“Infelizmente isso ainda é uma coisa rara em nosso país, porque o custeio em geral depende só do governo. Temos um potencial imenso para pesquisas no Brasil e é importante que os recursos saiam de outras fontes”, conclui.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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