Revelando
segredos, criando mistérios, trazendo surpresas. Contando
contos. Dialogando com sua história, inovando sua linguagem,
revolucionando textos. Escrevendo. Sem limitações
de temas ou estilos, o escritor Luiz Ruffato organizou a antologia
de contos 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura
brasileira.
O livro inclui textos de autoras com experiências diversas,
como uma jovem que começou a escrever em blogs da Internet
e aos 17 anos já publicava seu primeiro romance ou a escritora
de um best-seller adaptado para a televisão. Nele há
desde referências pop e urbanas a elementos poéticos
e eruditos. A diversidade é a marca da nova produção
literária brasileira, que hoje reverte uma história
escrita fundamentalmente por homens.
Um painel representativo dessa diversidade e atualidade foi o que
o organizador pretendeu contemplar na coletânea, incomodado
por ver poucas citações de mulheres nas abordagens
da literatura contemporânea do País. Seu único
critério foi trazer textos inéditos de autoras que
começaram a publicar nos anos 90. O que tentei foi
abrir o mais possível o leque para mostrar que existem diversas
maneiras de escrever hoje, trazendo autoras que saíram de
blogs, de pequenas editoras e também aquelas já reconhecidas.
Não queria fechar em um tema para o leitor ter uma idéia
clara do universo particular de cada uma das escritoras, esclarece
o organizador. Portanto, trata-se de uma coletânea que
se quer panorâmica e não se arroga definitiva, nem
em relação aos nomes nem à qualidade dos textos,
conforme explica no prefácio. Entretanto, o número
de brasileiras escrevendo obras de qualidade é tão
elevado que, ao concluir esse primeiro livro, Ruffato já
tinha os 30 nomes que vão integrar o próximo volume
de contos escritos por mulheres.
Sem
rótulos
Contos escritos por mulheres, mas não contos femininos. O
organizador e as escritoras rejeitam essa classificação,
que pode resvalar em preconceito. Enquanto os homens escrevem
simplesmente literatura, em geral se considera que as
escritoras estão produzindo literatura feminina
e o adjetivo marca uma posição subalterna,
menos legítima, afirma a professora de literatura Regina
Dalcastagnè, que escreveu a orelha do livro.
O próprio pseudônimo que a escritora Índigo,
por exemplo, escolheu para assinar sua obra em vez de Ana
Cristina, seu verdadeiro nome demonstra a vontade de não
se definir pelo gênero, mas por seus escritos. Há
uma visão estereotipada de que a mulher tem uma gama de interesses
restritos, completa Ruffato, referindo-se ao estigma de que
os textos escritos por mulheres têm de ser intimistas. Talvez
ainda se possa distinguir um tom mais confessional, que a convenção
nos ensinou a considerar feminino, e o predomínio
de protagonistas mulheres, como se falar dos homens não lhes
coubesse. Mas não são traços uniformes: há
exceções, e elas são significativas,
analisa Regina.
Se a jovem Simone Campos, por exemplo, que nasceu em 1983 (isso
mesmo: a escritora, ainda estudante de jornalismo, tem apenas 21
anos), inicia o conto Bondade com um tom autobiográfico,
a autora de Glória, Guiomar de Grammont, oferece um contraponto
relevante ao trazer em seu conto um protagonista masculino, em primeira
pessoa. Fernanda Benevides Carvalho também constrói
um personagem masculino, um velho que escreve uma carta a sua irmã.
Assim é que a urbanidade e a Internet são trabalhadas
nos contos de Mara Coradello, Claudia Tajes e Állex Leilla.
Símbolos pop dos anos 70 são rememorados por Ana Paula
Maia. Já Augusta Faro traz o fantástico à história
de uma costureira numa cidadezinha. O mistério é chave
no texto Madrugada, de Heloisa Seixas, que relata a paixão
de uma mulher por outra. A efemeridade dos relacionamentos, por
esperar ou por temer o amor, aparece em Nilza Rezende e Clarah Averbuck.
São temas que, à primeira vista, até podem
ser considerados femininos, mas que, mesmo quando parecem
óbvios para uma mulher, derrubam tabus. Como o da maternidade,
que traz revolta à personagem desdenhada pela mãe,
criada por Ivana Arruda Leite em Mãe, o cacete. E que faz
sofrer a protagonista de Desalento, de Tatiana Salem Levy, ao perder
um filho. Por outro lado, o cuidado paterno está presente
no conto da autora do romance A casa das sete mulheres, Letícia
Wierzchowski, história de uma menina criada por um cigano.
Linguagem
Ao mesmo tempo, as pesquisas lingüísticas de algumas
dessas escritoras podem apontar rumos de vanguarda. Ora no apuro
das palavras e das frases, ora na influência das linguagens
da Internet, do cinema, da modernidade. A metalinguagem, o diálogo
com o leitor e ainda a reflexão sobre os termos usados estão
explícitos em muitos dos contos. Talvez por influência
direta da interatividade que algumas das escritoras estão
acostumadas a vivenciar em seus blogs, talvez por um diálogo
com a própria história da literatura.
As influências são muitas e as escritoras que vivem
essas diferenças renovam, inovam, transformam, criam. Pouco
importa se o substrato é sua própria vida, sua imaginação
ou sua redenção, que, como artistas da palavra, necessitam
da escrita. Clarice Lispector, em suas correspondências, já
revelava sua opção: Vou criar o que me aconteceu.
Só porque viver não é relatável. Viver
não é vivível. Terei que criar sobre a vida.
E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é
imaginação, é correr o grande risco de se ter
a realidade.
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