Discutir
a experiência dos países europeus e da USP na internacionalização
da formação de seus alunos de graduação
e pós-graduação e estratégias para o
desenvolvimento dos mecanismos e políticas que permitirão
o maior amadurecimento desse setor. Esses foram os objetivos do
seminário A USP e a Internacionalização da
Formação Universitária. Realizada no último
dia 10, a partir das 10 horas, na Escola Politécnica da USP
(EP), a iniciativa foi organizada pela Comissão Permanente
de Avaliação (CPA), Comissão de Cooperação
Internacional (CCInt) e pelas Pró-Reitorias. A internacionalização
da Universidade surgiu como um dos temas centrais no processo de
avaliação a partir dos planos de metas entregues pelas
unidades em janeiro deste ano, informou Hélio Nogueira
da Cruz, vice-reitor da USP, ao abrir o evento. Depois, em
março, fizemos uma reunião com os diretores, em que
a necessidade de aumentarmos a internacionalização
das nossas atividades-fins, ensino, pesquisa e extensão foi
novamente destaque.
Para o vice-reitor, a autonomia da USP é um fator que permite
construir uma sólida política nesse setor, dando respostas
aos desafios atuais. A USP, sobretudo sua pós-graduação,
tem um peso enorme no contexto brasileiro e pode e deve se fortalecer
cada vez mais como uma ponte para o mundo, mantendo abertas as fronteiras
do conhecimento, diz. Entretanto, essas relações
deverão ser construídas de igual para igual, deixando
de lado aquela herança colonial, aquele complexo de inferioridade,
pois temos muito que oferecer em qualidade de ensino, pesquisa e
em atividades de cultura e extensão, as quais têm despertado
grande interesse em outros países, explica. Recentemente
tivemos a visita do ministro chinês da Educação,
Zhou Ji, que manifestou seu desejo de estabelecer acordos de intercâmbio
de alunos e professores e de políticas conjuntas de desenvolvimento
nas atividades de pesquisa científica e tecnológica,
o que mostra que também estamos entrando em uma nova fase,
onde as relações entre os países do Hemisfério
Sul serão tão importantes quanto as antigas relações
entre esses países e os do Hemisfério Norte, mudando
o tradicional eixo de dependência do Sul com relação
ao Norte.
Línguas
Durante a abertura do evento, a presidente da CCInt, Magda Maria
Sales Carneiro Sampaio, anunciou o lançamento de uma campanha
informativa para os alunos da USP sobre a necessidade de se terminar
a graduação com o domínio de, pelos menos,
duas línguas estrangeiras. Não se trata apenas
de preparar o aluno para o mercado de trabalho, mas para a vida,
para o mundo. Se a USP começar, temos certeza que, em breve,
outras universidades vão seguir o exemplo, defende
Magda. Infelizmente, a Universidade não tem como arcar
com as despesas financeiras dessa formação extra.
Mas estamos estudando o estabelecimento de convênios com escolas
para o fornecimento de descontos significativos para os nossos alunos,
além da ampliação das atividades dos cursos
de idiomas oferecidos pelas unidades. A campanha contará
com o apoio da Coordenadoria de Comunicação Social
(CCS).
Em seguida, teve início a conferência O ensino
superior na Europa hoje, do engenheiro Pedro Lourtie, professor
da Universidade Técnica de Lisboa e ex-presidente do Comitê
de Educação do Conselho da União Européia
(UE). Lourtie começou explicando as origens da Declaração
de Bolonha, um acordo celebrado em 1999 entre ministros da Educação
de 29 países europeus para a criação da Área
Européia de Ensino Superior, cujo embrião inicial
surgiu em 1998, quando França, Inglaterra, Alemanha e Itália
assinaram a Declaração de Sorbonne, visando ao estabelecimento
de uma plataforma comum de ensino superior capaz de acompanhar o
processo europeu de integração econômica e política.
Entretanto, o projeto de formação dessa área
rebatizada com o nome de Espaço Europeu de Ensino
Superior, previsto para ser uma realidade até 2010 ,
acabou ficando conhecido como Processo de Bolonha e ultrapassou
as fronteiras da União Européia, pois conta atualmente
com 40 países europeus signatários, num total de 4
mil instituições de ensino superior e 12,5 milhões
de estudantes. Para se ter uma idéia, a União Européia
é formada por 25 países, com cerca de 450 milhões
de habitantes. O Processo de Bolonha prevê que seus
signatários promovam reformas que permitam construir o Espaço
Europeu de Ensino Superior, explica Lourtie. Entretanto,
trata-se de um acordo e não de uma lei ou tratado. Não
há, portanto, obrigatoriedade, mas um compromisso assumido
de melhorar a qualidade da formação universitária,
facilitar o acesso da população, abrir ao mundo exterior
os sistemas de educação e formação e
de garantir padrões mínimos para que as formações
e qualificações sejam reconhecidas mutuamente pelos
40 países sem, entretanto, interferir na independência,
na diversidade de cada instituição.
Segundo Lourtie, entre as metas do Processo de Bolonha estão
a diminuição da evasão nas universidades (abandono
de cursos pelos alunos), que hoje chega a assustadores 40% ao ano,
a elevação para um total de 3% do Produto Interno
Bruto (PIB) europeu dos gastos relativos a investimentos em ciência
e tecnologia, sendo que 1% terá origem pública enquanto
2%, privada, garantindo a transformação da Europa
na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva
do mundo, capaz de garantir um crescimento econômico sustentável
e maior coesão social, com mais e melhores empregos.
Problemas
A secretária-geral da USP, professora Nina Beatriz Stocco
Ranieri, destacou que o histórico controle do governo federal
sobre as universidades federais e particulares no Brasil acaba sendo
um problema para os processos de internacionalização
da formação e outras atividades. As universidades
paulistas, que gozam de autonomia desde 1989, estão em uma
situação melhor para promover essas ações,
diz. Entretanto, ainda existem problemas, como para reconhecer
a formação recebida por alunos brasileiros e estrangeiros
no exterior, como o fato da Constituição brasileira
prever o uso da língua portuguesa para tudo, inclusive para
o reconhecimento de documentos, dissertações e teses,
que precisam ser traduzidos por um tradutor juramentado, o que acaba
demorando e gerando um custo alto, explica. E o reconhecimento
dos diplomas de algumas áreas é mais complexo, como
os de medicina, onde a qualificação precisa ser comprovada
pelo diploma e por um exame do profissional formado no exterior
que pretende exercer sua profissão no Brasil.
De acordo com Lourtie, em Portugal, apesar do português ser
a língua oficial, teses e dissertações em outros
idiomas já são reconhecidos sem precisar ser traduzidos.
E com relação ao reconhecimento dos diplomas e qualificações,
os países do Processo de Bolonha irão adotar o Sistema
Europeu de Transferência de Créditos (ECTS), por meio
do qual as universidades da União Européia fazem o
reconhecimento dos créditos de disciplinas cursadas por seus
alunos em outras instituições. A idéia é
estender o uso do sistema para cursos inteiros, além das
disciplinas. Antes, entretanto, as universidades estão estudando,
por meio de debates e auto-avaliações, os objetivos
mínimos que cada curso deverá ter para garantir que
a qualidade da formação recebida pelos alunos de um
país seja, no mínimo, a mesma que a de outro, mas
respeitando as metodologias de ensino e formas de organização
próprias de cada instituição.
A pró-reitora de Graduação, Sonia Penin, também
destacou a revisão do sistema de computação
dos créditos na USP como uma prioridade. Precisamos
adequar nosso sistema, passando a reconhecer as horas trabalhadas
por nossos alunos fora da sala de aula e dos laboratórios,
o que inclui leituras, pesquisas, confecção de relatórios,
entre outras coisas, o que podemos classificar como um currículo
oculto, não reconhecido, mas que terá importante papel
no futuro da internacionalização da formação
oferecida pela USP.
Suely Vilela, pró-reitora de Pós-Graduação,
mostrou a forma como a pós-graduação da USP
está organizada e analisou o crescimento dessa área
no Brasil, caracterizado pela descentralização da
produção científica. Mesmo assim, a USP formou
em 2003 26,83% dos doutores e 12,22% dos mestres do País.
Em 1991, esses porcentuais eram 44,33% e 18,8%, respectivamente.
Isso não significa que nossa pós-graduação
diminuiu seu ritmo de crescimento, o qual, na verdade, aumentou,
mas que outras instituições cresceram, diminuindo
as diferenças, explica. Recentemente a USP, em
parceria com instituições do México, Espanha,
Chile, Costa Rica, Argentina, Cuba e Guatemala, criou a Rede Ibero-Americana
de Pós-Graduação, a Redibep, cujas metas incluem
a implantação de programas conjuntos, mobilidade de
alunos e professores e maior similaridade entre os programas, com
mecanismos que garantam a reciprocidade e equivalência no
reconhecimento de títulos das instituições
envolvidas.
A pró-reitora destacou também a proposta do reitor
da USP, Adolpho José Melfi, apresentada no último
dia 9, durante a visita do ministro da Cooperação,
do Desenvolvimento e da Francofonia da França, Xavier Darcos,
de criação de um colégio doutoral franco-brasileiro.
O projeto unirá cerca de 30 universidades na definição
de uma prioridade temática em torno da qual pesquisas de
doutorado serão desenvolvidas, com o reconhecimento mútuo
do diploma pelas universidades envolvidas. Os professores envolvidos
também serão reconhecidos por orientar pesquisas internacionalmente,
incluindo períodos de permanência na França,
assim como os alunos.
O pró-reitor de Pesquisa da USP, Luiz Nunes de Oliveira,
destacou que a Universidade é um modelo nacional de ensino,
pesquisa e extensão e que, por conta disso, deve dialogar
como igual com os membros do Processo de Bolonha visando à
sua inclusão, ao mesmo tempo em que precisa ter um papel
de liderança em um esforço de construção
de um consenso nacional em torno da internacionalização,
com a organização de um sistema de reconhecimento
mútuo e do estabelecimento de padrões de qualidade.
Na mesma tarde Oliveira foi eleito pelos conselheiros da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo para integrar
a lista tríplice enviada ao governador Geraldo Alckmin para
a escolha do novo diretor científico da entidade, ao lado
de Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp), e de Hernan Chaimovich Guralnik, diretor
do Instituto de Química da USP (IQ).
Para o vice-reitor, Hélio Nogueira da Cruz, o Sistema Europeu
de Transferência de Créditos (ECTS) e o sistema acadêmico
norte-americano devem ser considerados em conjunto. O ambiente norte-americano
de pesquisa é intensamente internacionalizado, muito forte
em determinadas áreas e não é tão heterogêneo
quanto o europeu com relação ao reconhecimento mútuo
de diplomas e qualificações. Apesar de ter tido
um certo refluxo por causa do 11 de setembro, acreditamos que esse
seja um momento passageiro, pois, por ser muito internacionalizado,
o sistema norte-americano não vai poder se fechar sem arcar
com prejuízos enormes.
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