Enquanto
eu me postava ali, com a orla escura da floresta ao meu redor, centia-me
enfeitiçada. Então, a primeira pétala começou
a se mexer, depois outra e mais outra, e a flor explodiu para a
vida. Com essa serenidade de quem vive de espreitar e desenhar a
natureza, Margaret Mee tornou-se uma das mais importantes ilustradoras
botânicas do século 20. Se não fosse essa inglesa
de Chesham, que começou os estudos de arte em 1947 e radicou-se
no Brasil em 1952, inúmeras espécies da mata atlântica
e da floresta amazônica não teriam sido admiradas em
toda a sua beleza nem estudadas em todas as suas nuances.
A delicadeza dos desenhos e a fidelidade de Margaret Mee à
natureza são importantes não só para o desenvolvimento
da botânica. São também preciosas ao estudo
das cores, das formas e da técnica de grafite e aquarela
sobre papel. Despertam o olhar dos artistas plásticos. Importante
destacar, ainda, que o trabalho de Margaret Mee colabora com a pesquisa
dos zoólogos ao revelar detalhes da flora e do hábitat
dos animais. Por toda essa beleza e ciência, o Musee de Zoologia
da USP apresenta uma exposição inédita da ilustradora.
Do Esboço à Natureza reúne um conjunto
de 49 esboços em grafite e aquarela, uma coleção
que pertence ao banco Bradesco.
Temos a alegria e o prazer de divulgar a arte e a ciência
de Margaret Mee, afirma Carlos Roberto Ferreira Brandão,
diretor do museu e curador da mostra. Os esboços incluem
traços sobre papel apenas sugerindo folhas e flores. Há
ainda trabalhos incompletos, já com formas mais bem definidas
e detalhes aquarelados, além de obras que podem ser consideradas
prontas, pois trazem a assinatura da artista.
Brandão explica que a ordem em que os trabalhos são
apresentados aproxima esboços e desenhos acabados sobre os
mesmos temas. Eles vão revelando a magia da transformação
do risco em partes desgarradas da natureza, que nos parecem vivas.
Essa coleção integra o programa de mostras temporárias
do museu. Nessas exposições pretendemos aprofundar
ou discutir temas correlatos à zoologia, nos quais a ilustração
e suas técnicas certamente se enquadram, ainda que não
trate apenas de animais.
Explosão
de vida
Como
bem sugere o nome Do Esboço à Natureza,
a exposição revela a delicadeza de Margaret Mee.
Atenta em registrar os detalhes das cores das flores, das folhas.
É assim. A natureza vai criando e a artista limita-se
a documentar essa criação em todos os detalhes.
No esboço em grafite, é possível apreciar
o vento levemente sobre as folhas. O desenho vai nascendo solto,
leve. Mas, quando vai ganhando as primeiras cores, a forma vai
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Margaret Mee em seu estúdio de trabalho |
apresentando
tal qual é. As cores das bromélias e das orquídeas
são exatas. E quando, enfim, o desenho vai se completando,
a flor, como diz Margaret Mee, explode para a vida.
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A exposição deve ser fisitada sem pressa. Com a mesma
leveza de quem contempla as flores no campo. Ao observar os esboços
esmaecidos no branco do papel, será possível captar
a mão delicada da ilustradora. E ver uma Orquidaceae Laelia
purpurata nascendo devagar em seus tons marrons e amarelos. Ou uma
Orquidaceae Cattleya guttata com suas folhas alongadas e espalmadas
em um verde difícil de imaginar, com as flores em um amarelo
esverdeado. Margaret era admirada porque conseguia encontrar a cor
exata. Uma técnica científica e artística que
se tornou referência para o estudo da botânica no mundo
inteiro.
Foi a beleza das flores que despertou a paixão da ilustradora
pelo Brasil. Em 1952, estava apenas de passagem, mas acabou ficando.
Fixou-se em São Paulo e passou a se interessar pela mata
atlântica, registrando as várias espécies da
flora, com especial interesse pelas bromélias. Em 1956, fez
a primeira de suas 15 viagens à Amazônia. Ficou encantada
pela floresta e documentou as suas espécies através
de inúmeros desenhos. Muitas já foram devidamente
estudadas e outras, que receberam o seu nome, ainda continuam desconhecidas.
Margaret Mee morreu em 1988. Em sua última viagem, registrou
uma espécie rara de cacto, o Selenicereus wittii, com flores
brancas noturnas, a flor da lua. Costumava dizer: Eu sei que
minha morte não será o fim do meu trabalho. Onde quer
que eu for, tentarei influenciar aqueles que estão destruindo
nosso planeta. Assim a Terra terá uma possibilidade de sobreviver.
Em 1989, foi criada a Fundação Botânica Margaret
Mee (www.margaretmee.org.br),
declarada de utilidade pública federal, que tem como meta
dar continuidade ao trabalho da ilustradora que dedicou a sua vida
à documentação e à defesa da biodiversidade
da flora brasileira e à conservação de seus
ecossistemas. Os objetivos da fundação são
formar e aprimorar tecnicamente ilustradores botânicos com
enfoque para a flora brasileira, através de bolsas domésticas
e da concessão anual de uma bolsa de estudo de seis meses
no Royal Botanic Gardens Kew, em Londres. Também procura
promover o aperfeiçoamento de todo conhecimento científico
em prol da conservação e exploração
racional dos recursos naturais renováveis. E divulga a técnica
de Margaret Mee através da publicação de livros
e da realização de eventos, exposições
e projetos de educação ambiental.
Do
esboço à natureza Exposição das
Aquarelas de Margaret Mee ficará aberta até
fevereiro de 2005, de terça-feira a domingo, das 10 às
17 horas, no Museu de Zoologia da USP (avenida Nazaré, 481,
Ipiranga, São Paulo). Mais informações podem
ser obtidas pelo telefone 11 6165-8100 ou no endereço eletrônico
www.mz. usp.br. Entrada franca.
O
Museu de Zoologia em nova fase
O Museu de Zoologia da USP, conhecido também como o
Museu dos Bichos, entra no ritmo da cidade em uma nova fase.
A meta é divulgar a pesquisa em zoologia e mostrar
o empenho dos pesquisadores na preservação dos
animais. Desde o início do mês, os estudantes
do ensino fundamental e médio e também a população
em geral têm à disposição uma Biblioteca
de Zoologia.
E vão conhecer detalhes interessantes sobre a vida
dos animais. Estamos formando monitores para orientar
os estudantes e dar um atendimento especial para as crianças,
conta o diretor Carlos Roberto Ferreira Brandão. A
garotada tem, na biblioteca, um pequeno espaço para
sentar no chão e ouvir histórias. Também
vai poder pesquisar sobre os animais nos computadores.
Quem visita a exposição permanende Pesquisa
em Zoologia A Biodiversidade sob o Olhar do Zoólogo
tem a noção clara da importância do estudo
dessa ciência não só na documentação
como na preservação dos animais. A mostra ocupa
todos os 620 metros quadrados do salão principal do
piso térreo. Antes, o museu apresentava a sua
coleção como um grande catálogo. Os animais
eram vistos nos armários. A partir desta mostra, o
estudo da zoologia passou a ser apresentado em uma nova dimensão,
comemora Brandão.
A exposição segue uma narrativa através
de módulos montados por diferentes pesquisadores e
curadores. No primeiro, os visitantes conhecem a história
do museu, iniciada em 1886 com a criação da
Comissão Geográfica e Geológica da Província
de São Paulo, que tinha como objetivo realizar pesquisas
que serviscem de base para a ocupação planejada
do território paulista. Em suas expedições,
essa comissão realizava coletas para a pesquisa da
fauna e da flora. Em 1893, o acervo integra o Museu de História
Natural, que passou a se chamar Museu Paulista, mais conhecido
como Museu do Ipiranga. Em 1939, a coleção passa
a ser instalada no prédio da avenida Nazaré,
que abriga o acervo até hoje. Trinta anos depois, o
então Departamento de Zoologia é incorporado
à USP, passando a ter atribuições próprias
de um órgão universitário e preservando
ao mesmo tempo as características de uma instituição
que abriga coleções.
O papel sociocientífico do Museu de Zoologia
tem uma magnitude incomensurável, orgulha-se
Adolpho José Melphi, reitor da USP. É
considerado a maior entidade zoológica brasileira e
com alguns dos maiores acervos neotropicais reconhecidos mundialmente.
Reúne quase 8 milhões de exemplares sendo referência
obrigatória para especialistas do Brasil e do exterior.
No segundo módulo, os visitantes se deparam com a origem
das espécies e dos grandes grupos zoológicos.
Há réplicas em tamanho natural dos fósseis
dos animais como o de uma preguiça gigante e de um
tigre-de-dente-de-sabre. Procuramos contar, através
desses fósseis, como as espécies evoluíram,
dando origem a grupos maiores, distintos uns dos outros, e
também como a superfície terrestre mudou no
decorrer dos 600 milhões de anos em que se expandiram
os organismos multicelulares, orienta Hussan El Dine
Zaher, pesquisador e curador do módulo.
Ao passar para o salão principal, o público
caminha sobre um mapa da América do Sul com 11 metros
de comprimento, que apresenta quatro grandes ecossistemas.
Quando estiver sobre a região da Amazônia, por
exemplo, depara-se com uma vitrine onde há um cenário
aue reconstitui a região com sua vegetação
característica e animais. Há ainda painéis
explicativos e mapas complementares. Nesse módulo,
é possível entender a diversidade da fauna neotropical.
Quando estudamos as distribuições de muitas
espécies animais, podemos perceber que uma parte delas
parece exibir distribuições similares e, desse
modo, o zoólogo pode deduzir que talvez essas diferentes
espécies animais tenham tido uma história evolutiva
semelhante, observa o curador Mário de Vivo.
Assim, fica evidente que, para estudarmos a história
evolutiva das espécies animais, é muito importante
que
os espécimes depositados nos museus possuam informações
confiáveis sobre o local de onde vieram e informações
sobre o hábitat onde se encontravam. Para mostrar
o papel do zoólogo, há um módulo que
apresenta as suas atividades nos laboratórios e também
instrumentos antigos de pesquisa, equipamentos e imagens que
ilustram cenas de coleta na natureza.
Depois de percorrer a exposição, os visitantes
não podem deixar de apreciar detalhes da arquitetura
do Museu de Zoologia. Ver os vitrais da década de 40
com cristais belgas, alemães e italianos, que trazem
belas paisagens com pássaros e animais.
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