Professores
da USP e críticos de arte engrossaram as fileiras do auditório
atento e lotado do Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma),
em São Paulo, para ouvir, nos dias 1o e 2 de fevereiro, as
heterodoxas análises do historiador inglês Tim Clark
sobre a modernidade, suas cegueiras e seus demônios. A convite
da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
e sob indicação do Departamento de Artes Plásticas
da USP, Clark e o artista plástico e professor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Zílio foram os dois
assessores externos escolhidos para compor a comissão que
está reavaliando aquele departamento.
Em suas palestras, Clark fez uma relação entre os
acontecimentos do mundo atual e as artes. Segundo ele, o expressionismo
abstrato (uma das tendências da arte contemporânea)
e movimentos sociais e políticos em geral especialmente
a Al Qaeda, a rede terrorista liderada por Osama Bin Laden
representam reações extremas aos diversos
momentos da história.
Na palestra Em defesa do expressionismo abstrato: Subúrbio
em Havana, de Willem de Kooning, proferida no dia 2, ele utilizou
o pintor holandês Willem De Kooning (1904-1997) como exemplo
de suas idéias. Para Clark, da mesma forma que a confrontação
com o islamismo é apenas uma das características que
definem o mundo atual, a obra de Kooning catalisou
nas suas cores, nos movimentos de suas pinceladas e nos seus contrastes
seco/molhado , mesmo que intuitivamente, a ruptura que a virada
dos anos 50 e 60 viviam, e da qual a chegada de Fidel Castro ao
poder em Cuba é um dos símbolos mais marcantes.
Entretanto, o islamismo em si, em sua forma atual, ainda está
longe de ser um movimento de vanguarda, disse Clark. A Al
Qaeda só pode contribuir para o futuro da política
mundial se colocarmos esse fenômeno diante da pergunta de
Nietzsche, o que significa o ideal de vanguarda?.
Para isso, é preciso repensar a esquerda, acredita. Se
a esquerda há de sobreviver como uma atitude política,
terá de se adequar às mudanças da temperatura
média da modernidade. Dessa forma, o problema para
os políticos de esquerda estará exatamente na peculiar
dificuldade de manter equilibradas duas valências: o desencantamento
do mundo e a exaltação.
O historiador disse que a pergunta o que o ideal de vanguarda
de fato significa? não pode ser adequadamente respondida
nas presentes circunstâncias sem atrelarmos a ela uma segunda
questão: Como podemos entender a atual forma da modernidade
diante da presente forma de resistência a ela?. Nesse
sentido, Clark lembrou que a oposição à modernidade
não é exclusividade da Al Qaeda e por isso os políticos
de esquerda é que terão de afinar o diapasão
para promover o diálogo possível e não permitirem
a emergência de fundamentalismos. O não-ortodoxo,
o não-nostálgico, o não-reacionário,
a crítica não-apocalíptica da modernidade,
essa deve ser a tarefa dos políticos. Ou então a base
da oposição ao presente será permanentemente
decidida por um ou outro fundamentalismo, disse.
Frases como a humanidade poucas vezes esteve tão perto
do inferno na Terra e as coisas estão muito piores
do que Nietzsche poderia ter imaginado dão uma noção
do tom pessimista que permeou quase toda a fala do historiador inglês.
Sou pessimista quanto ao presente, assumiu. O professor
disse ao Jornal da USP que ainda não se entende realmente
o que é modernidade, pois trata-se de um fenômeno complexo
sobre o qual ainda se luta para decidir quais são suas características
principais. O modernismo é arte de um século
e está mal e superficialmente representado pelos chamados
pós-modernistas. Agora estamos voltando nosso olhar para
ele e começando a perceber que há multifacetadas vertentes
a serem observadas e que ainda temos de chegar a alguma conclusão
a respeito.
Defesa
Formado em História da Arte pela Universidade de Londres,
Clark lecionou nas universidades de Leeds e Essex, na Inglaterra,
e de Harvard e Califórnia, nos Estados Unidos. Atualmente
residindo nos Estados Unidos o maior alvo de suas críticas
, Clark diz que nem o país nem a arte norte-americana
conseguiram digerir o 11 de Setembro, tanto que a abordagem artística
das torres gêmeas virou um tabu. Praticamente não
se fala disso. É como se elas não tivessem existido,
observa.
Clark lembrou que atacar as torres gêmeas foi o mesmo que
mexer com o brio norte-americano. Segundo o historiador, é
preciso atentar para o desejo dos Estados Unidos de controlar
as tecnologias e transformar as prioridades em espetáculo,
o que faz com que o país seja cada vez menos capaz de tolerar
a possibilidade de derrota numa guerra de imagens. Por isso, a reação
dos Estados Unidos aos ataques de 11 de Setembro, imposta especialmente
ao Oriente Médio, nada mais é que uma defesa
espetacular, uma guerra no campo das imagens representando
a possibilidade de que a defesa pode ser atingida.
A respeito do Departamento de Artes da ECA, Clark disse que gostou
do estado geral do que viu. É um departamento
muito sério e dinâmico, com estudantes muito interessados
e comprometidos com idéias e discussões. Não
vi a unidade inteira, mas tive uma boa amostra de tudo, checamos
instalações e tudo o mais.
Projeto pedagógico, internacionalização dos
programas, instalações, salas de aulas, evasão
de alunos e outros itens integram os relatórios da auto-avaliação
que vem sendo realizada em toda a Universidade, como exigência
do Conselho Estadual de Educação (CEE). Além
de visitar o Departamento de Artes Plásticas na condição
de observador externo, Clark não só aceitou o convite
para as duas palestras como também teve um de seus mais conhecidos
livros, The painting of modern life, lançado no Brasil, com
o título A pintura da vida moderna (Companhia das Letras,
504 páginas).
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