Para o ministro da Educação, Tarso Genro,
a fase que se seguiu à publicação do anteprojeto
de reforma universitária, em dezembro do ano passado, foi
a da artilharia anti-reforma. Em artigo publicado no
jornal Folha de S. Paulo no dia 3 passado, o ministro afirma que
a falta de moderação de alguns articulistas
em relação ao texto divulgado demonstra como
ainda carecemos de um espírito democrático que se
sobreponha às intolerâncias ideológicas da Guerra
Fria, ainda muito quente na cabeça de alguns vigilantes da
história. Para rebater a onda de críticas vindas
especialmente do setor privado e de algumas associações
de docentes do sistema público, Genro tem utilizado a estratégia
de ocupar espaços na mídia e comparecer ao maior número
possível de debates sobre o tema.
Num deles, realizado no dia 24 de fevereiro em São Paulo,
a discussão foi com os dois últimos titulares da pasta,
Cristovam Buarque e Paulo Renato Souza. Para ambos, embora a proposta
do governo tenha defeitos, a reforma é necessária.
Para o senador Buarque (PT-DF), que fez parte do governo Lula e
foi substituído por Genro no início de 2004, mais
importante do que tratar da educação superior é
fazer uma reforma no ensino básico. A universidade
recebe os alunos que vieram da educação básica,
e hoje dois terços dos nossos jovens não chegam ao
fim do ensino médio, afirmou.
Numa entrevista à revista Carta Capital, Tarso Genro disse
que existem críticas que vêm de uma determinada
elite das instituições estatais, que possuem
uma visão de universidade pública estatal que
não está subordinada aos princípios fundamentais
que caracterizam a República. Embora ressalte que esses
grupos têm contribuído com o debate por chamar a atenção
para a urgência de expandir o acesso à universidade
sem prejuízo da qualidade, Genro diz que subordinar
uma reforma a uma visão que compreende a universidade como
propriedade de uma elite e confundir isso com qualidade é
um atraso medieval.
Nem só de receber artilharia, claro, vive o Ministério
da Educação (MEC). Numa solenidade realizada no Palácio
do Planalto no final de fevereiro, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva afirmou que a reforma não é um
projeto do governo, mas da sociedade brasileira. Na ocasião,
Tarso Genro recebeu dois documentos de apoio ao processo de debate
promovido pelo MEC. Assinam os documentos 29 entidades acadêmicas
e científicas, como a Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Educação
Superior (Andifes), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Associação
Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), e também representantes
de outros setores, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
Mudanças
Seja por meio de manifestações de apoio ou de contestação,
o fato é que o projeto de reforma universitária suscitou
uma discussão sobre um dos temas fundamentais do País
o futuro do seu sistema de ensino superior como há
muito tempo não se via. Tamanha reação fez
com que o governo estendesse o prazo para recebimento de sugestões
de alteração no texto do anteprojeto. Inicialmente
fixado para 15 de fevereiro, o limite foi adiado para 30 de março,
depois da grita unânime de que as instituições
estavam desmobilizadas nesse período em função
do recesso acadêmico. Há possibilidade de se
atingir os mesmos objetivos ampliando-se o tempo de debate, pois
a implantação de qualquer mudança na lei só
se faz de um ano para o outro, defende a pró-reitora
de Graduação da USP, professora Sonia Penin. O governo
pretende enviar o texto ao Congresso Nacional, como projeto de lei,
em julho.
Alterações na proposta têm sido admitidas publicamente
pelo MEC. Num dos debates em que esteve presente, promovido pela
Confederação Nacional da Indústria (CNI), em
São Paulo, no dia 28 de fevereiro, Tarso Genro encontrou-se
com o reitor da USP, Adolpho José Melfi. O ministro
fez várias referências às críticas que
estava recebendo e falou do seu desejo de ter a participação
das universidades públicas estaduais nas discussões,
relata Melfi (leia a entrevista na página seguinte). Tarso
Genro solicitou que o reitor da USP participasse de novas reuniões
sobre o assunto. Até o fechamento desta edição
as datas para possíveis encontros entre os dois ainda não
haviam sido agendadas.
Colaboração
O anteprojeto é dúbio porque grande parte dele
é voltado para as universidades federais, embora a lei vá
abranger também as estaduais, diz a pró-reitora
Sonia Penin. Entendo que a proposta deveria ser direcionada
às escolas jurisdicionadas à União, como as
universidades federais e as particulares, lançando formas
de colaboração com os sistemas estaduais. No
dia 19 de janeiro a USP divulgou um primeiro documento sobre o anteprojeto,
fruto de uma reunião extraordinária do Conselho de
Graduação da Universidade (CoG). O texto diz que a
proposta do governo federal apresenta várias inconstitucionalidades
e chama a atenção para o fato de que são alterados
de forma substancial dispositivos fundamentais da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB) e do Plano Nacional
de Educação. A íntegra do documento está
na edição 713 do Jornal da USP (disponível
no endereço eletrônico http://www.
usp.br/jorusp/arquivo/2005/jusp713/pag0405.htm).
Mesmo antes da manifestação do ministro externada
ao reitor Adolpho Melfi, a USP vinha dando seqüência
aos debates internos sobre a reforma. Desde o segundo semestre do
ano passado, o Instituto de Estudos Avançados (IEA) tem promovido
um ciclo de encontros sobre o tema. Na segunda quinzena de abril,
um workshop de dois dias encerrará esse ciclo no IEA (leia
texto na página seguinte). A USP também tem atuado
no âmbito do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais
Paulistas (Cruesp) e acaba de constituir um Grupo de Trabalho (GT)
específico para tratar da reforma, cuja primeira reunião
ocorre nesta semana. Esse grupo vai considerar todo o avanço
das discussões até aqui e deve emitir uma posição
que especifique e justifique de forma mais detalhada os pontos daquele
primeiro documento, diz a professora Sonia Penin. Nossa
comunidade acadêmica é complexa e plural e temos que
ouvi-la da forma mais ampla possível antes de nos pronunciarmos
institucionalmente.
O GT, de acordo com a pró-reitora, terá dois caminhos:
uma possibilidade é propor emendas específicas sobre
o anteprojeto, enquanto outra seria oferecer uma consideração
mais ampla sobre o modelo de universidade necessário para
o País. É importante que as universidades estaduais
sejam ouvidas, porque têm uma história de qualidade
e temos muito com que contribuir nesse debate. Sonia Penin
considera que a proposta do governo tem méritos, mas também
possui vários problemas. O projeto pensa reforma universitária
só como universidade, mas o conceito de instituições
de ensino superior é muito mais amplo. Além disso,
pensa a universidade fora do sistema educacional de modo geral.
A pró-reitora concorda com o ex-ministro Cristovam Buarque
na crítica de que é preciso dar atenção
primeiro à base. Não podemos construir um sistema
forte começando pelo teto. Mudanças no ensino médio
são fundamentais, defende.
Para Sonia Penin, prejudicar a autonomia das instituições
estaduais é dar um passo para trás. Isso
não implica deixar de lado a constante avaliação
qualitativa e quantitativa da universidade. Não podemos
rejeitar a avaliação, porque a universidade tem que
ser cobrada em relação às tarefas que a sociedade
lhe atribuiu, afirma. Entretanto, colaboração
é a palavra-chave para que se aproveite o crescente interesse
da juventude brasileira em entrar na universidade. Historicamente,
não há aporte federal para criar vagas de ensino superior
públicas nas instituições federais em São
Paulo, que é o Estado mais populoso do País,
considera.
Precisamos buscar meios de melhorar essa colaboração
dos sistemas estaduais com o federal. Com isso o ensino superior
público do Brasil sai ganhando, finaliza.
Estudantes universitários: meta é
incluir cada vez mais jovens na academia
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