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N
as últimas décadas, o interesse da população mundial por Práticas Não-Convencionais em Saúde (PNCS) vem aumentando substancialmente, estimulando os órgãos gestores da saúde mundial – como a FAO e a OMS – e de diversos países à implementação e ao desenvolvimento de medidas que visem a corresponder aos anseios da sociedade nessa área. O termo PNCS, lato sensu, engloba as práticas em saúde que não são ensinadas convencionalmente nas faculdades de medicina, tais como acupuntura, homeopatia, fitoterapia, medicina biomolecular, quiropraxia, aromaterapia, massoterapia, florais de Bach, radiestesia, cura espiritual, hipnose e meditação, entre muitos outros procedimentos.

No intuito de responder à demanda brasileira, o Ministério da Saúde, em conjunto com setores que vêm desenvolvendo iniciativas na rede pública (secretarias municipais e estaduais de saúde, universidades públicas, entidades representativas de classes etc.), elaborou em 2004 a Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares, que visa a incrementar a assistência, o ensino e a pesquisa em homeopatia, acupuntura, fitoterapia e medicina antroposófica no Sistema Único de Saúde (SUS), já aprovada nas primeiras instâncias e encaminhada para avaliação pelo Conselho Nacional de Saúde.
No Brasil, a homeopatia e a acupuntura são reconhecidas como especialidades médicas desde 1980 e 1995, respectivamente, despertando o interesse de um número significativo e crescente de médicos.

Em vista dessas evidências, as faculdades de medicina deveriam propiciar aos graduandos, residentes e pós-graduandos o conhecimento dos fundamentos teóricos, das evidências científicas e das abordagens terapêuticas empregadas por essas peculiares formas de tratamento, tornando-os aptos a esclarecerem as dúvidas e auxiliarem na escolha das opções terapêuticas dos seus pacientes, além de descortinar um promissor campo de trabalho.
Com o intuito de esclarecer os colegas médicos e ampliar a discussão sobre a implantação da homeopatia e da acupuntura nas escolas de medicina brasileiras, apresentamos a seguir o panorama mundial das atitudes da população e da classe médica (estudantes, residentes e especialistas) perante essas terapêuticas, a importância e as iniciativas brasileiras e de outros países no ensino acadêmico dessas práticas e os benefícios que o aprendizado dessas concepções holísticas podem trazer à formação generalista dos futuros médicos.

População mundial

Eisenberg e colegas estimaram que 42% da população norte-americana faz uso de PNCS, com 629 milhões de consultas anuais a praticantes (excedendo o número total de consultas do sistema primário de saúde dos Estados Unidos), representando um custo adicional de US$ 27 bilhões à população americana, por não estarem disponíveis nos serviços públicos de saúde e não serem reembolsadas pelas empresas de seguro médico.

Em 1998, o Congresso dos Estados Unidos autorizou a transformação do Office of Alternative Medicine do National Institutes of Health (NIH), após seis anos de funcionamento, no National Center for Complementary and Alternative Medicine, promovendo um crescimento exponencial das PNCS no país e disponibilizando centenas de milhões de dólares para o desenvolvimento de pesquisas nessas áreas.

Associada ao baixo custo desses tratamentos, a insatisfação dos pacientes com a medicina convencional é apontada como a principal justificativa para o aumento progressivo do interesse por práticas não-convencionais, seguida pelos efeitos adversos das drogas clássicas e pela busca de uma melhor relação médico-paciente, através de um tratamento que englobe a pessoa em sua integralidade.

Médicos e estudantes

Com o aumento da procura da população por PNCS, os médicos estão começando a sentir a necessidade de suprir essa demanda, desviada nos Estados Unidos para os terapeutas práticos não-médicos. Uma análise de 12 levantamentos sobre as atitudes de médicos convencionais frente às PNCS mostrou que eles acreditam que sejam moderadamente efetivas.

Um levantamento sobre a experiência e a comunicação com pacientes frente às PNCS foi respondido por 302 médicos de Denver (Colorado, Estados Unidos): 76% dos médicos informaram que tinham pacientes que usavam PNCS, 59% eram questionados sobre PNCS específicas, 48% tinham recomendado PNCS a pelo menos um paciente e 24% tinham usado PNCS pessoalmente. A recomendação de PNCS estava fortemente associada com a utilização da terapêutica em si próprios. Poucos médicos sentiam-se confortáveis em discutir PNCS com seus pacientes e a maioria (84%) acreditava que precisaria aprender mais sobre as mesmas, para enfocar as preocupações dos pacientes adequadamente.

Apresentando resultados semelhantes, a tese de doutorado do médico Kazusei Akiyama, defendida recentemente no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, relevou que 50% dos médicos residentes no Município de São Paulo são favoráveis à utilização de PNCS e 2/3 gostariam que as escolas médicas incluíssem esse tipo de disciplina nos currículos da graduação. Os resultados mostraram que 13% dos entrevistados já utilizam PNCS nos seus pacientes, 88% notam demanda por essas práticas, 52% endossam ou prescrevem pelo menos um tipo dessas terapêuticas, 20% têm treinamento em alguma modalidade e 5,8% referiram não terem tido contato profissional com PNCS. Ao serem indagados sobre a influência dessas práticas, 61% opinaram que há influência positiva para o resultado terapêutico do paciente e 42% acham que essas práticas alteram positivamente o trabalho do médico.

Numa pesquisa realizada com 592 acadêmicos de medicina da Universidade de Glasgow, no Reino Unido, 77% dos entrevistados consideraram que as PNCS eram úteis, com 69% mostrando-se favoráveis à inclusão das mesmas no currículo fundamental.

Levantamento realizado entre 204 estudantes de medicina da Universidade de Marburg, na Alemanha, evidenciou alto interesse dos entrevistados (80%) no aprendizado de PNCS, que pretendiam utilizá-las na sua futura prática médica (homeopatia: 45%; acupuntura: 42%; fitoterapia: 33%).
Em vista do grande interesse despertado nos estudantes de medicina dos Estados Unidos, a Association of American Medical Colleges declarou que os mesmos devem ter conhecimento suficiente sobre PNCS para que estejam aptos a aconselhar seus futuros pacientes a respeito dos possíveis benefícios e contra-indicações de cada terapêutica.

Concomitantemente à incorporação das disciplinas eletivas de homeopatia e de acupuntura ao currículo da Faculdade de Medicina da USP, em 2002, realizamos um levantamento entre 484 estudantes da Casa de Arnaldo, evidenciando que mais de 85% dos entrevistados consideravam que a homeopatia e a acupuntura deveriam estar inseridas no currículo da graduação das escolas de medicina (opcional: 72%; obrigatória: 19%), com 56% mostrando-se bastante interessados no aprendizado. Apesar de nenhum ou pouco conhecimento no assunto (76% em média), 67% dos estudantes creditavam algum grau de eficácia às mesmas, tendo como principais indicações as doenças crônicas (isoladamente: 37%; englobando também as doenças agudas: 29%). Ao redor de 35% dos acadêmicos foram favoráveis ao oferecimento ambulatorial das especialidades nos serviços públicos de saúde, enquanto a média de 34% defendia a disponibilização desses tratamentos também em hospitais, com 60% acreditando na possibilidade de integração com a prática médica convencional.

Ensino

A maioria da classe médica não está apta a responder a perguntas ou a orientar seus pacientes sobre as PNCS, no que tange aos mecanismos de ação, indicações terapêuticas, interações medicamentosas e efeitos adversos dessas terapêuticas.

Fatores adicionais, como o diálogo pobre e inadequado entre médicos convencionais e médicos de PNCS, dúvidas sobre a competência de tais profissionais (pela falta de qualificações prontamente identificáveis e reconhecíveis) e o risco de oferecimento de esperança irreal de cura, colocam o paciente em uma posição incerta frente às terapêuticas não-convencionais. A incorporação sistemática de informações sobre PNCS nos currículos das escolas médicas, com as evidências científicas que respaldam tais tratamentos, além de diminuir o preconceito existente, proveria os médicos futuros com as ferramentas e o conhecimento necessários para permitir que seus pacientes possam se beneficiar adequadamente das PNCS, com riscos limitados.

À medida que a homeopatia e a acupuntura forem incorporadas aos currículos das escolas de medicina, novos projetos de pesquisa (básica, clínica e social) serão elaborados, como necessidade de cumprir o ideal acadêmico, propiciando, através de protocolos específicos que contemplem as premissas fundamentais a cada modelo, uma maior compreensão científica desses paradigmas diversos.





Estimativas

No período de 1997-1998, uma pesquisa em 117 escolas médicas americanas evidenciou que 64% ministravam aulas sobre PNCS. Em 1998, levantamento realizado entre escolas médicas do Canadá mostrou que 81% delas haviam incorporado tópicos de PNCS aos seus currículos. Em 1999, um levantamento mostrou que 40% das escolas médicas da União Européia ofereciam cursos de PNCS.

No Brasil, a homeopatia e a acupuntura estão incorporadas aos projetos de ensino médico, como disciplinas optativas, em 11 e 8 faculdades de medicina, respectivamente, com carga horária média de 60 horas-aula. Além dos cursos de especialização lato sensu, forma mais comum de ensino dessas modalidades no País, projetos de residência médica começam a ser discutidos pelas entidades de classe e o Conselho Nacional de Residência Médica (CNRM), com o início dessa forma de ensino supervisionado em homeopatia, em 2004, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Perante o cenário mundial, apesar da homeopatia e da acupuntura brasileiras apresentarem uma situação privilegiada (reconhecidas como especialidades médicas, disponíveis em serviços públicos de saúde e empresas de grupo, reembolsadas pelos seguros-saúde, com seus procedimentos regulamentados pela Agência Nacional de Saúde etc.), elas não estão inseridas no currículo da maioria das escolas de medicina, privando a classe médica do conhecimento dos preceitos básicos, da experiência clínica e das pesquisas científicas existentes nessas áreas, gerando críticas e preconceitos que se perpetuam, na maioria das vezes, pela ausência de informação.

Esboçando uma síntese da importância e do interesse no ensino acadêmico de práticas não-convencionais em saúde, esperamos estimular a conscientização em torno da necessidade de adequação das faculdades de medicina brasileiras às crescentes iniciativas mundiais nessa área, incorporando à formação médica tradicional o ensino regular e gradativo (juntamente com a pesquisa e a assistência) da homeopatia e da acupuntura. Essas especialidades médicas ampliam o entendimento da individualidade humana enferma, favorecem a relação médico-paciente, incrementam a resolutividade clínica das doenças crônicas modernas e isentam os pacientes dos efeitos indesejáveis das drogas clássicas, permitindo que a integração das diversas práticas terapêuticas vigentes amplie a mais elevada e única missão do médico, que é tornar saudáveis as pessoas doentes, o que se chama curar.

Marcus Zulian Teixeira, médico homeopata e doutorando da Faculdade de Medicina (FM) da USP, é coordenador da disciplina Fundamentos da Homeopatia do curso de Medicina da FM



Em artigos


Os interessados poderão encontrar nas referências abaixo mais informações sobre o ensino e o uso de práticas não-convencionais em saúde (PNCS).
“O ensino de práticas não-convencionais em saúde nas faculdades de medicina: panorama mundial e perspectivas brasileiras”, de M. Z. Teixeira, C. A. Lin e M. A. Martins. Revista Brasileira de Educação Médica, vol. 28, nº 1, p. 51-60, 2004.

“Panorama da pesquisa em homeopatia: iniciativas, dificuldades e propostas”, de M. Z. Teixeira. Diagnóstico & Tratamento, vol. 9, nº 3, p. 98-104, 2004.
“Homeopathy and acupuncture teaching at Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: the undergraduates’ attitudes”, de M. Z. Teixiera, C. A. Lin e M. A. Martins. São Paulo Medical Journal, vol. 123, nº 2, Março-Abril de 2005. No prelo.


 

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