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professor Nestor Goulart Reis: livro divulga a obra esquecida de um pioneiro da arquitetura no Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 


Atesta escondida em um chapéu de camurça, gravata borboleta, colete, terno sempre impecável. Era com essa elegância que o arquiteto francês Victor Dubugras caminhava pelas ruas de terra batida de São Paulo. Mudou-se para a cidade, em 1891, com projetos criativos e ousados que, poucos anos depois, iriam enriquecer a paisagem. Também foi com esse jeito sério e determinado que começou a lecionar na Escola Politécnica em 1894, ano de fundação da escola. Lições de desenho arquitetônico que fizeram parte do cotidiano da Poli até 1927, quando se aposentou, e que marcaram a história da USP e de gerações de engenheiros e arquitetos.

“Comecei a admirar Victor Dubugras logo que entrei na FAU, em 1950. O professor Silva Neves, que havia sido seu aluno, nos contava sobre as aulas e a luta do arquiteto para apresentar as suas idéias e projetos”, conta o professor Nestor Goulart Reis Filho, do Departamento de História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. “Apesar de sua obra ser reconhecida pelos críticos, o nome de Dubugras ainda é praticamente ignorado pelo grande público. Daí a razão de me dedicar a uma pesquisa sobre a sua trajetória.”

A dedicação de Nestor Goulart de mais de cinco décadas está sendo apresentada no livro Victor Dubugras – Precursor da arquitetura moderna na América Latina, lançado pela Editora Quota de Arte, em parceria com a Editora da USP (Edusp) e Via das Artes. As imagens dessa edição estão sendo divulgadas em uma exposição no Instituto de Arquitetos do Brasil (rua Bento Freitas, 306) até o dia 24 de março, com entrada franca.

Projetos criativos

Basta observar a Estação Ferroviária de Mayrink (foto no alto desta página), hoje às vésperas de completar cem anos, para imaginar a importância da trajetória de Victor Dubugras. Foi o seu primeiro projeto e o primeiro a ser construído em cimento e ferro, numa época em que as linhas acadêmicas de Ramos de Azevedo imperavam na cidade. “O edifício é constituído de três corpos principais, sendo o central, de maior altura, uma estrutura em abóbada, apoiada em quatro torres”, explica Goulart Reis. “Os dois corpos laterais são constituídos por estruturas moduladas, com lâminas de concreto.”

A estação, tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2002, surpreendeu a todos e foi alvo de comentários e críticas nos jornais. “A reação foi compreensível porque a estação de Mayrink já apresentava características estruturais e de linguagem arquitetônica que seriam depois as marcas do Movimento Moderno.” O professor lembra que a construção apresenta características notáveis para a época, como os arremates superiores das torres, com vidros coloridos e lajes de cobertura plana. “As suas características inovadoras foram temas de diversos estudos dos estudantes daquela época, que se formavam na Poli. Eles a apontavam como uma obra de arquitetura racional e moderna.”

Na mesma época, Dubugras projetou quatro edifícios para a área central da cidade, nas imediações da Praça da Sé. Depois, fez mais cinco residências, sendo as três maiores na esquina da avenida Paulista com a rua Augusta. “Muitas das características técnicas e de linguagem seriam adotadas anos depois, quando começaram a se definir na Europa os critérios do Movimento Moderno”, afirma Goulart Reis. “Victor Dubugras é representativo das várias etapas e transformações pelas quais passou a arquitetura dos países latino-americanos entre 1890 e 1930.”

 




Belas aquarelas

O livro Victor Dubugras reúne diversos desenhos dos projetos do arquiteto francês. Neles, é possível apreciar a técnica do arquiteto e também a mão de um artista através de delicadas aquarelas. “Nesta edição, procurei apresentar as conclusões de uma nova etapa de nossas pesquisas”, diz Goulart Reis. “Destacamos detalhes das obras e também o contexto em que elas foram executadas. Apesar de estarmos estudando o seu trabalho há tantos anos, percebemos que ainda há muito a ser investigado. As residências na capital paulista mostraram toda sua criatividade, muitas vezes comparadas às obras de nomes como Otto Wagner, Henri van de Velde e Antonio Gaudi. Ele também projetou várias obras no Rio de Janeiro, onde atuou no período final de sua carreira, mas algumas foram praticamente ignoradas. Entre elas estão condomínios fechados, provavelmente os primeiros do Brasil.”

Goulart procurou resgatar detalhes curiosos da vida do arquiteto que nasceu em Sarthe, na França, em 1868. “Sabemos que ele se formou na Argentina e depois veio para o Brasil”, observa. “Consta que, no início de sua carreira, trabalhou sob a direção de Ramos de Azevedo, provavelmente na Carteira Hipotecária do Banco União.” Eram os primeiros anos do regime republicano, iniciado em novembro de 1889, quando os governos estavam ansiosos por se afirmar com a realização de obras que marcassem sua presença, como escolas, quartéis, casas de câmara, monumentos, jardins e hospitais. “Ramos de Azevedo, considerado o mais importante arquiteto da época, realizou as obras do conjunto do Pátio do Colégio, com as várias secretarias do Estado e o Congresso Estadual. Era a versão acadêmica e monumental.”

As pesquisas do professor Goulart não deixam entrever se Ramos de Azevedo e Dubugras eram ou não amigos. Mas, com certeza, não tinham muito diálogo. “As idéias e a postura eram completamente diferentes”, observa. “Dubugras foi trabalhar no Departamento de Obras Públicas do Estado. Na época, a quase totalidade dos projetos se enquadrava no estilo neogótico. Era o início do ecletismo no âmbito das obras públicas. Para o Pátio do Colégio, sede do governo estadual, foi adotado o repertório acadêmico e, para as demais obras, o neogótico.”

Na avaliação de Goulart, embora Dubugras atendesse às diretrizes daquele departamento, o modo como cumpria sua parte já deixava evidente a sua “competência e maestria”, que permitiam diferenciar nitidamente suas obras de todas as demais. “No projeto de seus colegas, o neogótico era resolvido quase sempre como se fosse apenas um novo repertório de elementos decorativos. Mas, para Dubugras, as soluções tinham caráter evidentemente construtivo. No caso de algumas casas, os projetos eram semelhantes aos desenvolvidos pelos ingleses, com tijolo aparente e o uso refinado das técnicas de alvenaria.”

Ao contrário das obras de Ramos de Azevedo, as linhas criadas por Dubugras priorizavam a liberdade da escolha e reinterpretação de formas, sem compromissos com as preocupações formais. Também era contra, como acontecia na arquitetura acadêmica, ocultar processos construtivos com revestimento.

 


A exposição no Instituto de Arquitetos do Brasil


Muita luta

Victor Dubugras não ligava para críticas. Com seu ar compenetrado e sério, sabia lutar pelos seus projetos. Lutar no sentido pleno da palavra. “Em 1903, quando estava construindo a casa na quadra entre as ruas Augusta e Padre João Manuel, o proprietário Horácio Sabino exigiu algumas mudanças, mas Dubugras foi contra”, lembra Goulart Reis. “Na discussão, os dois se atracaram e acabaram rolando na cal.” O resultado da briga foi um palacete elegante com uma fachada ornamentada por duas varandas em arcos.

O livro Victor Dubugras – Precursor da arquitetura moderna na América Latina surpreende pela apresentação detalhada dos projetos. É uma leitura que propõe uma reflexão sobre as construções aliadas à qualidade de vida, à integração na natureza e, especialmente, à ocupação do espaço urbano. “Ao observar o conjunto da obra de Dubugras em São Paulo, devemos reconhecer que é muito representativo para o urbanismo da capital e das principais cidades do Estado, especialmente Santos”, diz o professor. “Na administração de Washington Luís, ele projetou a Ladeira da Memória e monumentos da Serra, que são obras notáveis sob todos os pontos de vista.”

A primeira obra privada de Dubugras foi a sua própria residência, na alameda Eugênio de Lima. Depois passou a realizar diversas obras na rua Caio Prado, na Praça da República, avenida São João e em diversas ruas de Higienópolis. Também construiu casas na Vila América, além de edifícios para escritórios e monumentos. “Na época, ele deixava clara a sua preocupação com as habitações populares. Em 1916, participou de um concurso da Prefeitura de São Paulo para projeto de um conjunto de casas proletárias e foi classificado em primeiro lugar.”

Entre os desenhos do arquiteto, Goulart Reis encontrou outros projetos de casas econômicas, como o realizado para o bairro de Vila Sacomã, na capital. “Era de tijolos aparentes, com sua forma peculiar de neocolonial simplificado e os mesmos cuidados construtivos que empregava nas obras dos bairros ricos.”

Logo depois de se aposentar na Escola Politécnica, Victor Dubugras mudou-se para o Rio de Janeiro, onde morreu em 1933. No período final de sua carreira, desenvolveu projetos de caráter monumental, como um restaurante no Alto da Boa Vista, e outros ligados ao mercado imobiliário, como dois condomínios horizontais que faziam lembrar as “cidades-jardim” inglesas. “Não eram simples fileiras de casas pequenas e econômicas, que visassem apenas ao melhor aproveitamento de terrenos estreitos, com a configuração que os paulistas chamam de vilas, mas conjuntos de residências de porte médio, semelhantes aos recentes condomínios horizontais.”

O condomínio de Santa Teresa, de terreno inclinado, tinha uma garagem coletiva junto à rua, semelhante às de alguns dos condomínios verticais de nossos dias. “Importante lembrar que os projetos eram de 1932, quando os automóveis eram em número menor e muitos prédios sequer tinham garagens. Porém, naquela época, Dubugras já percebia com nitidez os problemas urbanísticos que apenas começavam a se delinear .”

Victor Dubugras – Precursor da arquitetura moderna na América Latina, de Nestor Goulart Reis Filho, Editoras Quota de Arte, Edusp e Via das Artes, 144 páginas, R$ 88,00.

 

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