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Haddad: erros de redação




Brito Cruz: disparidades



Candotti: é preciso regionalizar



Fava: contas a pagar




Davidovich: outros modelos

 

 


O
s conselhos consultivos previstos no anteprojeto de reforma universitária são uma forma de criar “vasos comunicantes” entre a academia e a sociedade, e não têm nenhuma intenção de interferir na gestão das universidades. Se bem controladas, as fundações privadas de apoio à pesquisa poderão funcionar normalmente. A autonomia universitária é um item consensual. Já a implantação de cotas é apenas uma sugestão que visa a “problematizar” a questão do vestibular e chamar a atenção para a inclusão dos menos favorecidos na universidade. Essas observações foram feitas pelo secretário executivo do MEC, professor Fernando Haddad, durante encontro realizado no dia 11 de março no Instituto de Física da USP, que reuniu representantes de diferentes entidades para debater o anteprojeto de reforma universitária elaborado pelo MEC.

Para Haddad, a autonomia das universidades federais, que o MEC considera essencial, pode esbarrar na “burocracia estatal ligada à área econômica do governo”, que, segundo ele, não admite a idéia de a academia gerir os recursos destinados ao ensino superior. “No que se refere à autonomia, o Ministério está de acordo, mas enfrenta essa oposição externa vinda de extratos intermediários da burocracia estatal”, disse.

A autonomia pretendida pelo Ministério, acrescentou Haddad, é “inspirada” no modelo paulista, mas adaptada às condições do sistema federal: a idéia é repassar recursos após análise do desempenho e do plano de desenvolvimento das universidades, feita por uma comissão formada por representantes da comunidade científica e do MEC. “Essa proposta teve origem numa sugestão da Academia Brasileira de Ciências e é vista com muito bons olhos pelo ministro Tarso Genro.”
O secretário executivo insistiu na necessidade de regulamentar o setor privado de educação superior. Para ele, atualmente não existem mecanismos para conter a expansão desenfreada das instituições particulares, o que leva ao surgimento de faculdades e universidades de péssima qualidade acadêmica, interessadas apenas em obter lucro.

Haddad se mostrou receptivo às sugestões da comunidade acadêmica e reconheceu que o anteprojeto tem “falhas de redação e de falta de equilíbrio”. Entre as falhas de redação, ele citou os textos que “deram a entender” que o Ministério pretende interferir nas fundações de amparo à pesquisa, como a Fapesp, em São Paulo, e a Faperj, no Rio de Janeiro. “Não houve a menor intenção de regular as fundações de amparo”, garantiu. Com “falta de equilíbrio”, o secretário executivo quis se referir aos artigos que privilegiam mais a extensão comunitária do que o ensino e a pesquisa. “Vamos equilibrar isso.”

O secretário executivo disse ainda que iria propor “imediatamente” ao ministro Tarso Genro a criação de uma comissão que estude modelos alternativos de ensino superior, como os cursos de curta duração e as faculdades tecnológicas. Haddad previu que o Ministério da Educação deverá divulgar até meados de abril uma segunda versão do anteprojeto de reforma universitária, para ser debatida pela sociedade. Ele descartou falar em prazo para o envio da matéria ao Congresso Nacional: “Estamos menos preocupados com prazos e mais preocupados com a formulação de uma proposta legitimada pela comunidade científica e pela sociedade brasileira”.

Disparidades

As observações de Haddad causaram estranheza ao reitor da Unicamp, Carlos Henrique Brito Cruz, que notou “disparidades” entre o que disse o secretário executivo e o que está escrito no anteprojeto. Lembrando que o documento possui “pontos positivos”, Brito Cruz destacou que o anteprojeto não define uma “estratégia nacional” para o ensino superior, na forma de metas e meios de alcançá-la. “Temos que pensar o que fazer para que, daqui a dez anos, por exemplo, tenhamos não quatro, mas dez instituições entre as 500 maiores universidades do mundo.” O reitor da Unicamp criticou ainda as “preocupações corporativistas”, o sistema de cotas e as eleições diretas para reitor, como prevê o anteprojeto.

Outros representantes da comunidade científica expuseram sua opinião sobre o anteprojeto e fizeram propostas. Do alto da experiência de quem foi reitor da USP, secretário estadual da Ciência e Tecnologia e diretor-científico da Fapesp, o professor Flávio Fava de Moraes alertou que as vinculações orçamentárias destinadas às universidades públicas precisam ser analisadas segundo “todos os pontos de vista”. Citando a experiência das universidades paulistas, Fava lembrou que, quando o governo estadual concedeu autonomia a elas, em 1989, não se levou em conta o peso dos salários dos aposentados na folha de pagamento, o que reduziu a capacidade de investimento nas atividades de ensino e pesquisa.

Para Fava, a idéia de transferir a conta dos aposentados para outros setores do governo é inviável. “Quando eu estava na Reitoria da USP, fizemos uma espécie de semiplebiscito entre os professores e constatamos que a quase totalidade se recusava terminantemente a se aposentar e receber de outra fonte que não a Universidade.” O professor destacou ainda outro problema difícil que precisa ser solucionado: o pagamento de precatórios: “A Universidade ficou com uma conta que não é dela, mas do governo. São decisões judiciais de mais de dez anos atrás, provocadas por planos econômicos, gatilhos etc., que também contribuem para diminuir a capacidade de investimento”.

Já o presidente da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), Ênnio Candotti, destacou que é necessário descentralizar o sistema de ensino superior público no Brasil, a fim de promover o desenvolvimento regional. “As necessidades da população do Pará são completamente diferentes das de São Paulo, por exemplo”, disse, criticando a idéia de que um mesmo modelo de universidade é capaz de atender às diferentes realidades do Brasil. “Temos que equacionar de forma diferente o desenvolvimento das várias regiões do País, repensar objetivos e descobrir soluções diferenciadas.”

O professor Luiz Davidovich, da Academia Brasileira de Ciências (ABC), também chamou a atenção para a necessidade de implantar modelos diferentes de ensino superior. “Precisamos pensar nos cursos de dois anos de duração, por exemplo, que podem ser uma boa solução para incluir os jovens na universidade”, disse. “O modelo humboldtiano de universidade ‘amarra’ as mãos do governo, que não pode diversificar a oferta de educação superior”, acrescentou o professor, referindo-se à concepção de academia que não separa ensino, pesquisa e extensão – consolidada na Alemanha por Alexander von Humboldt (1769-1859).

Coordenado pelo diretor do Instituto de Física da USP, Gil da Costa Marques, o encontro no Instituto de Física teve a presença do secretário executivo do Conselho Nacional de Educação, Ronaldo Mota, e do diretor de Avaliação da Capes, Renato Janine Ribeiro. Participaram dos debates, entre outros, o reitor da Unesp, Marcos Macari, a filósofa Marilena Chauí e o ex-reitor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Antonio Carlos Ronca. A USP estava representada pelos pró-reitores de Graduação, de Pós-Graduação e de Pesquisa, Sonia Penin, Suely Vilela e Luiz Nunes de Oliveira, respectivamente.

 

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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