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Os dados regionais mostram uma grande disparidade: enquanto no Centro-Sul a formalização atinge 83%, no Nordeste ela fica em 59% do total de empregados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


A discussão das questões ambientais e sociais torna-se prioritária para garantir a competitividade internacional do complexo canavieiro




Nas próximas semanas, uma nova safra de cana-de-açúcar se inicia no Centro-Sul do Brasil. As perspectivas econômicas são muito positivas e estão incentivando a expansão da capacidade produtiva das empresas já instaladas e o investimento em novas usinas nas áreas de fronteira (Oeste Paulista, Triângulo Mineiro e Centro-Oeste). A demanda por açúcar e álcool está crescendo internamente e as condições de mercado externo são positivas. O País deve exportar um volume significativo de álcool para países que estão adotando esse produto como aditivo para a gasolina. Tudo isso demanda uma produção de cana mais elevada e, teoricamente, mais empregos e maior renda para os trabalhadores. Mas será que isso realmente irá ocorrer? A expansão da produção poderá ajudar a diminuir o desemprego nas regiões produtoras? Quais as perspectivas de ocorrência de novas denúncias de más condições de trabalho? Responderemos essas questões ao longo deste texto.

No dia 10 de novembro de 2004, realizou-se no Anfiteatro do Pavilhão de Engenharia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, o workshop Mercado de Trabalho do Setor Sucroalcooleiro: Desafios Atuais e Perspectivas Futuras. Durante esse evento, foram apresentados trabalhos de renomados pesquisadores, sendo os mesmos discutidos com representantes de usinas, fornecedores de cana, sociedade civil em geral e com estudantes de graduação e pós-graduação da Esalq e de outras universidades paulistas (as apresentações em powerpoint podem ser consultadas em www.economia.esalq.usp.br).

A proposta central desse workshop foi fazer emergir a discussão sobre o esforço e as principais iniciativas a serem tomadas na busca da resolução do dilema entre crescimento, geração de emprego e bem-estar social no complexo agroindustrial canavieiro, em um momento bastante positivo para esse segmento produtivo. Isso porque, na última década, o setor viveu um período de intensa transformação, com a desregulamentação da produção e comercialização, a abertura de novos mercados e o uso intensivo de novas tecnologias. Tais fatores colocaram o setor diante de uma realidade produtiva e competitiva distinta das até então vivenciadas.

As novas características competitivas do complexo, como a diversificação da produção, a diferenciação de produtos, as melhorias tecnológicas, fusões e aquisições, por exemplo, tiveram diferentes conseqüências em termos de geração de emprego e renda nas principais regiões produtoras. Os dados apresentados revelaram que as disparidades regionais ainda são grandes, a despeito da melhora significativa dos indicadores de emprego e renda nos anos 90.

Como dado positivo, verificou-se que o número de empregados agrícolas formais aumentou em todas as regiões produtoras entre 1992 e 2003, passando de 54% para 69% dos empregados na lavoura da cana- de-açúcar no Brasil. Mas os dados regionais mostram uma grande disparidade: enquanto no Centro-Sul a formalização atinge 83%, no Nordeste ela fica em 59% do total de empregados.

Da mesma forma há disparidade entre o salário médio dos empregados nessa cultura em São Paulo, que foi de R$ 533 em 2002, e em Pernambuco e Alagoas, que no mesmo período foi de R$ 327 e R$ 277.

Outro aspecto importante sobre a remuneração dos trabalhadores na cana-de-açúcar é que os empregados nesse setor têm salários maiores do que os que trabalham em outras culturas, mesmo naquelas com maior mecanização e que exigem maior qualificação e escolaridade (soja e laranja).

Por outro lado, a proibição da queima da cana e a tendência de mecanização trouxeram impactos importantes sobre o mercado de trabalho. Há um trade off entre modernização e desemprego que é difícil de equalizar, pois os trabalhadores desempregados nesse processo são os que têm menor qualificação e mais dificuldade para conseguir um novo emprego, seja rural ou urbano.

Observou-se um aumento da demanda por trabalhadores com qualificação mais elevada nas várias culturas (incluindo-se a da cana-de-açúcar) e também nas diferentes regiões produtoras. Ou seja, verificou-se que as perspectivas de absorção de mão-de-obra não-qualificada no setor sucroalcooleiro não são positivas, mesmo perante uma expansão da área plantada.

A despeito dos investimentos realizados pela indústria na área social, nos anos recentes, e de seus reflexos positivos em dadas regiões produtoras, continuam a surgir denúncias de más condições de trabalho na agricultura, demonstrando que ainda há muito a se fazer nesse sentido, inclusive no setor sucroalcooleiro. Devem-se ressaltar os esforços intensivos da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), das associações de fornecedores de cana-de-açúcar e dos organismos de fiscalização, que têm um trabalho importante no sentido de conscientizar as empresas quanto à importância do cumprimento da legislação.

Foi observado que no setor de açúcar e álcool existe uma crescente preocupação com o cumprimento da legislação e normas trabalhistas, a despeito de as mesmas terem sido criticadas pelos palestrantes e participantes por causa da desatualização e do rigor excessivo, induzindo à mecanização da agricultura.

Ficou claro, no debate, que se faz necessário também um amplo esforço por parte dos pesquisadores no sentido de incluir metodologias complementares de pesquisa, que permitam avaliar as condições de trabalho (moradia, transporte, alimentação, uso de equipamentos de proteção etc.), visto que as mesmas não podem ser analisadas a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e dos Registros Administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego (Rais).

No âmbito internacional, a sentença da Organização Mundial do Comércio (OMC), declarando irregular o protecionismo europeu no mercado internacional do açúcar, está levando os produtores daqueles países a buscarem novas formas de proteção, principalmente com a criação de barreiras não-tarifárias. Nesse contexto, a discussão das questões ambientais e sociais torna-se prioritária para garantir a competitividade internacional do complexo canavieiro.

Observou-se também que, embora o respeito à legislação trabalhista tenha aumentado, serão necessárias a discussão constante e a busca da melhoria das condições de trabalho na área agrícola. A ação fiscalizadora do Estado e o avanço da inserção internacional do setor devem contribuir para a resolução dessa questão no futuro próximo.

Em suma, as conclusões do seminário demonstram que se faz necessária a constante discussão e pesquisa sobre esses temas e também sobre as questões ambientais. Estas devem ser a maior fonte de polêmica nas negociações internacionais sobre comércio e estarão no centro do debate sobre as políticas de geração de emprego e renda e das que envolvem a regulamentação das queimadas da cana e demais aspectos ambientais. Desse modo, os vários segmentos da sociedade civil, têm muito a fazer. A Universidade, empresas, sindicatos e órgãos locais de governo têm papel essencial nesse debate, contribuindo para que os problemas sejam debatidos e divulgados de forma ampla, não ficando restritos a grupos específicos.

 

Carlos Eduardo de Freitas Vian e Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes são professores do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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