Nas
próximas semanas, uma nova safra de cana-de-açúcar
se inicia no Centro-Sul do Brasil. As perspectivas econômicas
são muito positivas e estão incentivando a expansão
da capacidade produtiva das empresas já instaladas e o investimento
em novas usinas nas áreas de fronteira (Oeste Paulista, Triângulo
Mineiro e Centro-Oeste). A demanda por açúcar e álcool
está crescendo internamente e as condições
de mercado externo são positivas. O País deve exportar
um volume significativo de álcool para países que
estão adotando esse produto como aditivo para a gasolina.
Tudo isso demanda uma produção de cana mais elevada
e, teoricamente, mais empregos e maior renda para os trabalhadores.
Mas será que isso realmente irá ocorrer? A expansão
da produção poderá ajudar a diminuir o desemprego
nas regiões produtoras? Quais as perspectivas de ocorrência
de novas denúncias de más condições
de trabalho? Responderemos essas questões ao longo deste
texto.
No dia 10 de novembro de 2004, realizou-se no Anfiteatro do Pavilhão
de Engenharia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(Esalq) da USP, em Piracicaba, o workshop Mercado de Trabalho do
Setor Sucroalcooleiro: Desafios Atuais e Perspectivas Futuras. Durante
esse evento, foram apresentados trabalhos de renomados pesquisadores,
sendo os mesmos discutidos com representantes de usinas, fornecedores
de cana, sociedade civil em geral e com estudantes de graduação
e pós-graduação da Esalq e de outras universidades
paulistas (as apresentações em powerpoint podem ser
consultadas em www.economia.esalq.usp.br).
A proposta central desse workshop foi fazer emergir a discussão
sobre o esforço e as principais iniciativas a serem tomadas
na busca da resolução do dilema entre crescimento,
geração de emprego e bem-estar social no complexo
agroindustrial canavieiro, em um momento bastante positivo para
esse segmento produtivo. Isso porque, na última década,
o setor viveu um período de intensa transformação,
com a desregulamentação da produção
e comercialização, a abertura de novos mercados e
o uso intensivo de novas tecnologias. Tais fatores colocaram o setor
diante de uma realidade produtiva e competitiva distinta das até
então vivenciadas.
As novas características competitivas do complexo, como a
diversificação da produção, a diferenciação
de produtos, as melhorias tecnológicas, fusões e aquisições,
por exemplo, tiveram diferentes conseqüências em termos
de geração de emprego e renda nas principais regiões
produtoras. Os dados apresentados revelaram que as disparidades
regionais ainda são grandes, a despeito da melhora significativa
dos indicadores de emprego e renda nos anos 90.
Como dado positivo, verificou-se que o número de empregados
agrícolas formais aumentou em todas as regiões produtoras
entre 1992 e 2003, passando de 54% para 69% dos empregados na lavoura
da cana- de-açúcar no Brasil. Mas os dados regionais
mostram uma grande disparidade: enquanto no Centro-Sul a formalização
atinge 83%, no Nordeste ela fica em 59% do total de empregados.
Da mesma forma há disparidade entre o salário médio
dos empregados nessa cultura em São Paulo, que foi de R$
533 em 2002, e em Pernambuco e Alagoas, que no mesmo período
foi de R$ 327 e R$ 277.
Outro aspecto importante sobre a remuneração dos trabalhadores
na cana-de-açúcar é que os empregados nesse
setor têm salários maiores do que os que trabalham
em outras culturas, mesmo naquelas com maior mecanização
e que exigem maior qualificação e escolaridade (soja
e laranja).
Por outro lado, a proibição da queima da cana e a
tendência de mecanização trouxeram impactos
importantes sobre o mercado de trabalho. Há um trade off
entre modernização e desemprego que é difícil
de equalizar, pois os trabalhadores desempregados nesse processo
são os que têm menor qualificação e mais
dificuldade para conseguir um novo emprego, seja rural ou urbano.
Observou-se um aumento da demanda por trabalhadores com qualificação
mais elevada nas várias culturas (incluindo-se a da cana-de-açúcar)
e também nas diferentes regiões produtoras. Ou seja,
verificou-se que as perspectivas de absorção de mão-de-obra
não-qualificada no setor sucroalcooleiro não são
positivas, mesmo perante uma expansão da área plantada.
A despeito dos investimentos realizados pela indústria na
área social, nos anos recentes, e de seus reflexos positivos
em dadas regiões produtoras, continuam a surgir denúncias
de más condições de trabalho na agricultura,
demonstrando que ainda há muito a se fazer nesse sentido,
inclusive no setor sucroalcooleiro. Devem-se ressaltar os esforços
intensivos da Confederação Nacional da Agricultura
(CNA), das associações de fornecedores de cana-de-açúcar
e dos organismos de fiscalização, que têm um
trabalho importante no sentido de conscientizar as empresas quanto
à importância do cumprimento da legislação.
Foi observado que no setor de açúcar e álcool
existe uma crescente preocupação com o cumprimento
da legislação e normas trabalhistas, a despeito de
as mesmas terem sido criticadas pelos palestrantes e participantes
por causa da desatualização e do rigor excessivo,
induzindo à mecanização da agricultura.
Ficou claro, no debate, que se faz necessário também
um amplo esforço por parte dos pesquisadores no sentido de
incluir metodologias complementares de pesquisa, que permitam avaliar
as condições de trabalho (moradia, transporte, alimentação,
uso de equipamentos de proteção etc.), visto que as
mesmas não podem ser analisadas a partir dos dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e dos Registros
Administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego (Rais).
No âmbito internacional, a sentença da Organização
Mundial do Comércio (OMC), declarando irregular o protecionismo
europeu no mercado internacional do açúcar, está
levando os produtores daqueles países a buscarem novas formas
de proteção, principalmente com a criação
de barreiras não-tarifárias. Nesse contexto, a discussão
das questões ambientais e sociais torna-se prioritária
para garantir a competitividade internacional do complexo canavieiro.
Observou-se também que, embora o respeito à legislação
trabalhista tenha aumentado, serão necessárias a discussão
constante e a busca da melhoria das condições de trabalho
na área agrícola. A ação fiscalizadora
do Estado e o avanço da inserção internacional
do setor devem contribuir para a resolução dessa questão
no futuro próximo.
Em suma, as conclusões do seminário demonstram que
se faz necessária a constante discussão e pesquisa
sobre esses temas e também sobre as questões ambientais.
Estas devem ser a maior fonte de polêmica nas negociações
internacionais sobre comércio e estarão no centro
do debate sobre as políticas de geração de
emprego e renda e das que envolvem a regulamentação
das queimadas da cana e demais aspectos ambientais. Desse modo,
os vários segmentos da sociedade civil, têm muito a
fazer. A Universidade, empresas, sindicatos e órgãos
locais de governo têm papel essencial nesse debate, contribuindo
para que os problemas sejam debatidos e divulgados de forma ampla,
não ficando restritos a grupos específicos.
Carlos
Eduardo de Freitas Vian e Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes
são professores do Departamento de Economia, Administração
e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq)
da USP, em Piracicaba
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