No final dos anos 60 e início dos 70, a repressão
do Estado se intensificava com o objetivo de massacrar todo tipo
de resistência ao regime militar, tendo como alvo principal
a guerrilha armada que se organizava nas principais cidades do País.
Muitos estudantes viveram essa história tão recente
e ao mesmo tempo pouco conhecida pela grande maioria. Alguns se
arrependeram, dizendo ser uma atitude inconseqüente, outros
não, pois acreditavam no projeto de transformações
sociais pelo qual lutavam. Mesmo assim, o projeto fracassou e o
único caminho era a clandestinidade ou o exílio em
outros países. Com argumento inicial de Fernando Bonassi
e Victor Navas e roteiro de Di Moretti, o filme Cabra-cega, terceiro
longa de Toni Venturi (O velho e Latitude zero), remonta esse universo.
O filme já conquistou seis prêmios no Festival de Brasília
(incluindo Melhor Filme segundo o júri popular) e sua estréia
nacional acontece na sexta, com pré-estréia na terça,
no Vivo Open Air.
O longa é uma ficção que retrata os anos de
chumbo através dos estudantes Tiago (Leonardo Medeiros) e
Rosa (Débora Duboc), dois militantes que vivem o sonho da
revolução. O cenário, o aparelho casa
onde viviam os guerrilheiros, no caso, um apartamento em um bairro
tradicional de São Paulo. A ação se passa em
setembro de 1971, quando o projeto de derrubar a ditadura fracassa
e a organização discute o abandono pela luta armada.
Tiago, comandante de um grupo de ação de uma das organizações,
é ferido à bala em uma emboscada da polícia
e é obrigado a se esconder, e Rosa, militante de base, é
sua enfermeira e único contato com o mundo. É um filme
de baixo custo, rodado com a câmara na mão, de montagem
rápida e fragmentada. A trilha sonora assinada por Fernanda
Porto vai de hits da época ao pop contemporâneo
são versões eletrônicas e em drumnbass
de clássicos da MPB, entre elas a antológica Roda
viva, de Chico Buarque cantada por Fernanda em ritmo de maracatu
eletrônico. Para compor o filme, foi realizada uma grande
pesquisa, coletando depoimentos de 11 ex-guerrilheiros quatro deles,
inclusive, deram origem ao documentário No olho do furacão.
Entre os nomes, Carlos Eugênio Paz, codinome Clemente,
o único dirigente da ex-ALN (Ação Libertadora
Nacional) que não foi morto ou preso e hoje vive no Rio,
foi uma das principais fontes para a criação do personagem
principal, como informa o diretor Toni Venturi, que manteve
com ele uma relação pessoal.
Dissertação
de mestrado
Marina Ruivo, aluna do curso de pós-graduação
Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)
da USP, também está entregando no final de abril uma
dissertação de mestrado (será apresentada no
início de junho) em que faz uma análise comparada
do livro Viagem à luta armada Memórias romanceadas,
de Carlos Eugênio Paz um testemunho que está
entre a experiência real e a literatura, como demonstra o
subtítulo e a obra do consagrado escritor angolano
Pepetela, que retrata a luta contra o colonialismo português.
Ambos buscam representar suas experiências ao mesmo
tempo que vivem intensamente o projeto, narrando a história
não com uma atitude arrependida, mas sob a perspectiva afirmativa
da luta, diz Marina. O autor brasileiro utiliza os verbos
no presente, até em caráter de aventura, mas
conseqüente, nas palavras da mestranda, para recriar
o período da luta e também do exílio pelo qual
passou ele chegou a ser um dos homens mais procurados na
época, passível de pena de morte caso fosse encontrado,
e por isso mesmo teve que sair do País. Em 1973, foi para
Cuba, onde ficou por um ano, e depois para a Europa (durante oito
anos viveu em Paris), voltando para o Brasil em 82, ficando na clandestinidade
(por três meses esteve na Embaixada da França) até
ser anistiado.
|