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12o European Congress of Work and Organization Psychology, que ocorreu de 12 a 15 de maio em Istambul, na Turquia, foi de suma importância, pois organizou-se em torno do tema “Convivence in organization and society”, assunto que contém questões da ordem do dia para nós, que vivemos numa época de aceleradas modificações, tendo em vista a atual sociedade do conhecimento, com suas novas tecnologias. Acrescenta-se ainda que Istambul – com todas as suas esplêndidas mesquitas, igrejas católicas, gregas e armênias e ainda sinagogas – foi escolha acertada pelos organizadores deste evento para debater a temática assinalada.

Dessa forma, na antiga Bizâncio e Constantinopla, palco de atuação de diferentes impérios (romano, bizantino e otomano), discutiu-se, na língua do império americano, o que é conviver nas organizações (empresas, escolas, hospitais) e na sociedade neste mundo globalizado, com forte presença americana no cenário mundial. Representantes de cerca de 90 países participaram do encontro.

Destacamos dois dentre os dez tópicos por meio do qual os congressistas puderam se encontrar e debater, trazendo as mais diversas perspectivas culturais sobre o assunto. São eles: a) emoções no mundo do trabalho; b) estresse profissional e saúde nas organizações.
Com relação a esses dois temas, há que se destacar que a influência religiosa (católica e protestante) sobre a concepção de trabalho, vista como um “modo de servir a Deus”, está se enfraquecendo na sociedade do século 21.

Em outras palavras: para os católicos, como sabemos, o trabalho é uma sentença condenatória, como reafirmará a Rerum Novarum, de 1891. “As massas católicas impregnadas da Rerum Novarum, que tinham ouvido falar em todas as igrejas, estavam convencidas de que tinham o dever de sofrer em silêncio e trabalhar (...). A encíclica deixa claro, desde o começo, que a propriedade privada é direito natural – logo, divino. E o faz com o seguinte raciocínio abstruso: como os animais têm o direito de usar as coisas, mas não de possuí-las, o homem, que é superior aos animais, deve ter um direito a mais. Por conseguinte, o direito à propriedade (...). A Igreja compreende que a indústria é sua inimiga: porque racionaliza o mundo, substitui a magia pela ciência e raciocínio, torna vã a fé na vida depois da morte com a confiança no progresso. E o papa adverte para o perigo de que as classes pobres pretendam enriquecer. Quanto menor for o número de pobres, menor será o número de fiéis com o qual a Igreja poderá contar.” Também a seguinte passagem do Gênesis tem sido questionada: “A terra será maldita por sua causa. É pelo trabalho que tirarás com que alimentar-te todos os dias da tua vida”. Depois do pecado, o homem deveria trabalhar para expiar o pecado.

Emoções

Ao mesmo tempo em que esses conceitos são questionados, as emoções humanas começam a ser tomadas em conta tanto por lideranças como por empregados em diferentes locais de trabalho. Como exemplo dessa transformação, o “assédio moral”, suas causas e conseqüências, teve espaço reservado e privilegiado neste congresso, tanto em seções temáticas como em conferências e pôsteres. Injustiças existentes em ambientes de trabalho, emoções “tóxicas” à saúde mental dos trabalhadores decorrentes do abuso de poder das chefias imediatas, foi assunto de grande interesse.

O trabalho intitulado “Towards understanding toxic emotions at work”, apresentado por Tina Kiefer, da Universidade de Londres, por exemplo, apresentou uma tentativa de definir e medir as emoções produzidas pelas relações no ambiente de trabalho e o quanto elas afetam a organização, a chefia e os seus “subordinados”.

Pudemos conhecer formas de prevenir o “assédio moral” sofrido por imigrantes turcos na Bélgica e o sentimento de vergonha e humilhação sofrido por eles. Não menos interessante foi a apresentação, na sessão temática “A behavioural model of destructive keadership”, de Merethe Aasland, Anders Skogstad e Stale Einarsem, os três da Universidade de Bergen, na Noruega. Eles fizeram uma construção teórica do modelo típico do chefe destrutivo. Conhecemos também o modelo de medida de satisfação de empregados em indústrias no sul da África, por meio do trabalho de Marius Stander, da North West University.

Outros temas discutidos no congresso analisaram os trabalhadores das indústrias do sul da Índia, professores universitários em diferentes países do mundo, as complicações envolvidas no trabalho de policiais ou de membros das forças armadas e o trabalho desenvolvido por profissionais da saúde e da área da educação.
Pelo que podemos apreender, as organizações, sejam escolas, universidades, empresas e indústrias, que quiserem sobreviver na nova ordem do mercado mundial que hoje se impõe, precisam preocupar-se com o bem-estar, ou ainda, com a saúde de seus funcionários.

 


Centro de Istambul, com a Mesquita Azul no fundo: cenário adequado para o encontro de pesquisadores


Dignidade

Uma autora bastante citada como referência teórica e prática nas conferências às quais assistimos foi a psicoterapeuta Pauline Rennie Peyton. Ela defendeu, sobretudo, a dignidade no trabalho e apresentou um enfático “não” à crueldade sofrida por trabalhadores nas mãos de outras pessoas. Tal situação (bullying, em inglês) pode ser definida como “assédio moral” e significa, segundo aquela pesquisadora, uma situação no ambiente profissional em que, de modo persistente e por período considerável de tempo, uma pessoa recebe negativas diante suas iniciativas profissionais, das seguintes maneiras: rebaixamento do status profissional do assediado por meio de humilhações, preferencialmente públicas; tratamento por meio de apelidos ou nomes que insultam, intimidam; isolamento e exclusão; e não delegação de responsabilidade aos assediados, dentre outros mecanismos. Detalhe: tudo isso de modo praticamente não agressivo ou violento.

As situações de humilhação no ambiente de trabalho são responsáveis por grande parte dos afastamentos por problemas de saúde. Tal situação, obviamente, produz gastos em excesso nas instituições. A autora sugere que cada organização constitua instâncias supradepartamentais, que encaminhem soluções para relações profissionais desagradáveis e perniciosas e que terminam em ansiedade generalizada, depressão, agressividade e até mesmo internações hospitalares ou ações nos tribunais da justiça. Ou seja, hoje, faz-se mister que as organizações tenham políticas de trabalho claramente concebidas e explicitadas de modo a minimizar o assédio moral.

Essas atitudes indicam a necessidade da formação de uma nova cultura no ambiente de trabalho, em que a comunicação seja uma das ferramentas principais. Nesse sentido ainda, as chefias de hoje precisam aprender a lidar com essa nova concepção de trabalho, que se impõe na e pela nova ordem mundial, e assim aprender novos comportamentos e habilidades diferentes daquelas usadas há 20 anos. Coração e cérebro precisam estar vinculados. Dito de outro modo, não é a burocracia que pode fazer de uma instituição um local de trabalho promissor. Pessoas que ocupam cargos de chefias necessitam, caso queiram favorecer a melhoria da organização em que trabalham, promover o diálogo, o respeito, a honestidade e a verdade.

Sendo assim, não apenas aqueles que são assediados necessitam de apoio por parte das instituições, mas também aqueles que assediam, pois precisam rever a cultura organizacional para a qual foram formados e que hoje se modifica na velocidade da luz. Nessa direção, alguns valores ocupam posição fundamental: justiça, eqüidade e reciprocidade. Ainda, emoções e sentimentos precisam ser promovidos: satisfação, sentimento de realização, motivação, prazer, criatividade, inovação e resiliência.
Em suma, depois da nossa participação neste congresso e do apoio recebido pela USP, nada mais justo que iniciar uma campanha contra o assédio moral sofrido por muitos dentre nós e pelos profissionais que aqui formamos.

Nilce da Silva é professora da Faculdade de Educação da USP e coordenadora do Projeto Acolhendo (www.projetoacolhendo.ubbi.com.br)

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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