Quando acompanhava pela televisão, na terça-feira
(14), o depoimento do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), no Conselho
de Ética da Câmara, Mônica Herman Caggiano, professora
associada de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP,
se convenceu de que está na hora de reeditar o seu livro
Finanças partidárias, publicado no início dos
anos 80, quando ainda estava em pauta o escândalo Watergate.
O caso norte-americano teve por pano de fundo problemas de financiamento
político-eleitoral.
Trinta e um anos depois da renúncia do presidente Richard
Nixon em razão da acusação de comandar espionagem
na sede do Partido Democrata, uma legislação que a
professora considera falha no tocante a recursos para campanhas
continua sendo o estopim de crises políticas no Brasil. No
Brasil e em vários outros países, a exemplo do que
em anos recentes aconteceu na Alemanha, na França e na Espanha.
Mônica defende uma reforma política que estabeleça
um sistema de financiamento misto público e privado
, mas com transparência.
Financiamento público com controle é também
a proposta de outro professor da Faculdade de Direito da USP, Dalmo
de Abreu Dallari, que ainda gostaria de ver adotada no Brasil a
possibilidade de deseleger o parlamentar que não
corresponder ao que os seus eleitores dele esperavam. Na legislação
norte-americana isso tem nome: recall. Se as montadoras podem pedir
o carro de volta, para consertar, por que os eleitores não
teriam o direito de exigir a retirada do parlamentar com defeito?
Limitações
demais
Mônica considera que a crise do Congresso Nacional foi desencadeada
pela má regulamentação das leis que regulam
o financiamento político-partidário-eleitoral; crises
que se manifestam de modo mais agudo em momentos eleitorais, como
este que precede as eleições de 2006 para presidente
da República e outros cargos executivos e legislativos. Segundo
a professora, a legislação é tímida,
incipiente, insuficiente, excessivamente proibitiva, que dificulta
a transparência. Políticos, legisladores, juristas
e operadores do direito deveriam encarar a crise no Poder Legislativo
com muita atenção, porque ela pode desencadear crises
mais graves, com risco para a governabilidade do País, atingindo
até mesmo o campo econômico. Sérias,
acrescenta Mônica, a ponto de contaminar todo o quadro
econômico e social.
Mônica, que na pós-graduação ministra
a disciplina Engenharia Eleitoral e Partidária, garante que,
por ser excessivamente limitativa e proibitiva, a legislação
político-eleitoral brasileira dificulta a fiscalização
dos recursos destinados a campanhas e favorece a impunidade. Segundo
ela, o eleitor precisa saber quem financia quem, em que e como os
recursos são aplicados; se o processo não está
sendo lesado, se o mau uso influi nos resultados da eleição.
Caso contrário, se verá na situação
de escolher candidatos sem ser informado sobre os riscos de ser
ludibriado.
Depois de informar que tem trabalhado desde o final da década
de 70 no tema do direito eleitoral, nacional e comparado, e defendido
em aulas e palestras o aperfeiçoamento das leis pertinentes,
Mônica aponta outra conseqüência das excessivas
proibições de gastos com campanhas: a limitação
das doações. Ela defende que haja liberdade de fazer
doações a partidos políticos, até com
incentivos fiscais, argumentando com esta comparação:
no caso de ações de voluntariado, do terceiro setor,
todos batem palma, incentivam, consideram nobre ajudar, uma responsabilidade
social; mas, quando se trata de colaborar com partido político,
não é nobre. Isso porque continua tênue a consciência
de que a democracia é fundamental para o País, as
eleições são inerentes a ela; as campanhas,
às eleições; e os recursos, às campanhas.
Em razão das exigências da legislação,
as doações registradas são baixíssimas,
observa a professora, para quem os partidos pequenos, de menor potencial
de arrecadação, deveriam ter alguma forma de incentivo,
para que apresentem resultados.
Não é pelo fato de creditar as crises políticas
preferencialmente a falhas na legislação que a professora
de Direito Constitucional vai deixar de exigir moralidade dos parlamentares
e governantes. Falo do financiamento antes de o candidato
adquirir o mandato; depois de conquistá-lo, deve saber que
ele implica moralidade pública, lisura e decoro, valores
hoje afastados da atividade parlamentar. Mônica ainda
arrisca uma comparação com um mal da área médica:
o escândalo é uma virose que atinge o Parlamento. A
gripe atinge todo o corpo da pessoa, mas, apesar da prostração,
os membros, pés, mãos, cabeça continuam saudáveis.
Do mesmo modo, o Parlamento; seus membros, ou a maioria deles, continuam
saudáveis, apesar de atingidos pela virose da corrupção.
O Congresso realmente se sentiu muito atingido pelas denúncias
do presidente do PTB, tanto assim, observa a professora, que a Comissão
de Ética da Câmara dos Deputados foi a primeira a entrar
na investigação.
Mônica assegura que ao longo da história universal
são comuns crises que têm como ponto de partida o dinheiro
para fins de campanha. Na Alemanha, a legislação dispõe
que o financiamento de campanhas seja feito pelos cofres públicos,
o que implica identificar perfeitamente o volume e a origem
dos recursos. Mesmo assim, há de tempos em tempos desvios
éticos e por um deles receber doações
de particulares para a União Democrática Cristã
(CDU) o chanceler Helmut Kohl foi obrigado a renunciar em
1999. François Mitterrand, na França, e Felipe González,
na Espanha, passaram por apertos parecidos.
Dinheiro. Mas o que é o dinheiro, que tanta celeuma provoca?
Para Mônica Herman Caggiano, é um símbolo. Ela
escreveu: Falar em dinheiro como fator de corrupção
no campo das campanhas eleitorais é mero simbolismo. A luta
que nesses domínios é travada constitui pura disputa
do poder ou busca de prestígio. Portanto, o dinheiro permanece
como algo instrumental, o meio que viabiliza alcançar o poder,
o prestígio ou outros objetivos perseguidos. Por isso, relevante
é investigar a sua origem, como, ainda, o seu destino, ou
seja, como é gasto, pois essa é a trilha que irá
desvendar a linha utilizada para a conquista de influência
a ser convertida em outras vantagens e recursos próprios
da esfera do poder público.
Dalmo Dallari, professor de Teoria Geral do Direito, aponta na base
da crise que agita o Parlamento vícios tradicionais, associados
a falhas da legislação brasileira. Entre eles, a utilização
de cargos e funções públicas para promoção
pessoal ou para negócios. Como alternativa, sugere reforma
política com a adoção de sistema de financiamento
público acompanhado de controle; distritos eleitorais, sistema
de fácil controle pelos eleitores, que conhecem bem os candidatos
e podem acompanhar seu desempenho depois de eleitos; fidelidade
partidária, vedada a troca de partido no decorrer do exercício
parlamentar, gesto que corresponde a fraude; e o recall, espécie
de plebiscito, quando os eleitores do distrito decidem em nova votação
se o parlamentar que elegeram deve continuar no cargo ou ser afastado
dele por mau desempenho. Segundo Dallari, o recall foi usado várias
vezes nos Estados Unidos, embora não recentemente.
Jefferson
contra a imprensa
O
deputado Roberto Jefferson queixou-se muito de parcela importante
da imprensa, que o estaria demolindo e ridicularizando. José
Coelho Sobrinho, professor e chefe do Departamento de Jornalismo
e Editoração da Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP, entende que a imprensa cumpre seu papel
de divulgar o que o deputado diz e o que dizem dele. A
imprensa tem o direito de contar o que está ocorrendo,
afirma o professor, mas não pode distorcer a
notícia, escolher frases e declarações
que coincidam com o seu próprio modo de encarar as
coisas, nem fazer brincadeiras, principalmente publicando
fotos que podem denegrir a imagem da pessoa (referia-se
a imagens do parlamentar em momentos de privacidade). Também
não é função da imprensa, de acordo
com Coelho Sobrinho, investigar se o deputado acusador e acusado
tem ou não tem razão. Essa tarefa cabe à
polícia, ao Congresso e às pessoas acusadas
por ele.
O professor acredita que as empresas donas de jornais, revistas
e canais de rádio e televisão estejam trabalhando
no caso de forma independente, embora na hora da edição
possa ocorrer alguma extrapolação. A prova é
que, conforme observou, nenhum político (fora o presidente
do PTB) acusou a imprensa de plantar e distorcer notícias
neste caso.
Outro professor de Jornalismo da ECA, Laurindo Leal Filho,
é mais severo com alguns órgãos de imprensa.
Mesmo vindas de parlamentar de passado altamente conturbado
na política nacional, há um fundo de razão
nas suas queixas, diz, pois a história
mostra que, no caso das Organizações Globo,
sempre houve uma relação promíscua com
os governos. Tanto o jornal O Globo como a TV Globo se beneficiaram
das benesses do governo, o que se reflete na cobertura das
questões mais delicadas.
Segundo Lalo (como é mais conhecido entre os jornalistas),
a revista Veja optou por um jornalismo ao mesmo tempo sensacionalista
e de sedução da classe média conservadora,
que é o seu grande público. Ainda
segundo o professor, a revista não esconde sua posição
clara contra movimentos populares, como o MST, e adota uma
linha editorial claramente partidária.
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