Apresentar-se perante Ministérios, comissões
técnicas da Câmara dos Deputados ou do Senado, em nome
de empresas, organizações de classe, universidades
ou outros interessados, para sugerir projetos de lei, aprovação
ou rejeição de propostas em curso, apresentar destaques,
acréscimos ou supressão de artigos, com o propósito
de convencer com argumentos limpos os parlamentares ou ministros
a atender melhor aos interesses da comunidade ou mesmo de grupos
organizados, é participar legitimamente do processo de tomada
de decisões do Legislativo e do Executivo. É fazer
lobby. Mas, entregar na calada da noite uma mala cheia de dinheiro
a um deputado ou senador influente, para que faça o rateio
entre colegas e por esse expediente garanta a aprovação
ou a rejeição de um projeto de lei, ou a nomeação
de algum sobrinho para função pública, é
corrupção, é tráfico de influência.
A diferença entre essas ações está em
que o lobby tem de ser visível, transparente, um canal de
comunicação entre a sociedade e o Estado; a ilegalidade
se caracteriza quando entram dinheiro, propinas, interesses escusos,
ameaças, sabe-com-quem-está-falando, marginalidade
ou uso de informação privilegiada. O lobby e suas
distorções estão na pauta do dia. Não
apenas por causa da crise no Congresso, das muitas Comissões
Parlamentares de Inquérito em andamento e da troca de ministros;
também porque, coincidentemente, pesquisadores da USP e da
Unicamp acabam de entregar estudos sobre as diferentes formas de
pressão, legítimas ou ilegítimas, sobre o Congresso
e o governo. Wagner Pralon Mancuso, professor do curso de Gestão
de Políticas Públicas da USP Leste, analisou especificamente
a influência de setores produtivos na política nacional,
apoiando-se principalmente nas informações da Agenda
Legislativa da Indústria, publicação anual
da Confederação Nacional da Indústria. A grande
conclusão do estudo é que os empresários do
setor, ao contrário da tese antes corrente da debilidade
política da indústria, colecionam número bem
maior de sucessos do que de fracassos, embora seja prudente, de
acordo ainda com o autor, reconhecer que não existem
evidências suficientes para afirmar que os sucessos políticos
ocorreram por causa do lobby realizado ao longo do processo legislativo
pelos industriais e/ou representantes de seus interesses.
Andréa Cristina de Jesus Oliveira concluiu o doutorado em
ciências sociais, apresentando no Departamento de Ciência
Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Unicamp tese sobre a atuação de lobistas no Brasil.
Uma pesquisa abrangente que inclui reflexões sobre formas
legítimas e ilegítimas de pressão política.
Andréa até se irrita à menção
de lobby ilegítimo, argumentando que todo lobby
é sempre legítimo; se não for, não é
lobby é corrupção. Mas reconhece que nem sempre
é fácil distinguir a linha que separa as duas formas
de pressão. Na área do financiamento de campanhas
eleitorais, por exemplo, o lobby, e a corrupção
se interpenetram de maneira mais perigosa, o mesmo ocorrendo
na liberação de verbas para Estados e municípios.
Em Estados dominados pela corrupção e sem democracia
o lobby é impossível.
Na
sala de espera
A prática nasceu e é regulamentada nos Estados Unidos.
A palavra significa ante-sala, vestíbulo, lugar onde os interessados
em convencer os parlamentares ou outros responsáveis pela
elaboração de leis aguardam sua vez de expor idéias
e propostas. No Brasil, o lobby político tomou corpo depois
da redemocratização do País, a partir da década
de 80, mas não foi regulamentado ainda, embora haja nas duas
casas do Congresso vários projetos esperando votação.
Segundo Andréa, a palavra costuma ser, equivocadamente, associada
a escândalos, licitações direcionadas, tráfico
de influência, presentes, dinheiro ou marginalidade. Na raiz
dessa concepção está a constatação
de que a corrupção e o tráfico de influência
são endêmicos no Brasil. O brasileiro é
conivente com a corrupção, afirma a autora da
tese. Conivência que vem de longe, do tempo de d. João
VI, que se propunha resolver os problemas de Estado da Colônia
que o recebeu, quando fugia de Napoleão, de forma personalizada.
Daí porque, de acordo com Andréa, a simples regulamentação
do lobby não resolveria o problema do tráfico de influência.
Primeiro é necessário mudar a mentalidade e estabelecer
uma política de combate à corrupção.
O professor Bruno Speck, orientador de Andréa na elaboração
da tese, entende que é no contexto do financiamento de partidos
que se encontra a origem dos problemas relacionados com crises e
escândalos políticos. Segundo ele, os lobistas justificam
sua atuação dizendo que trabalham para formar opiniões,
mas a realidade nem sempre é esta; existe embutido um amplo
espectro de influências. É verdade que o Brasil reformulou
na década de 90 a legislação sobre financiamento
de campanhas, derrubou limites na doação de recursos,
tornando a lei menos idealista e a prática menos hipócrita.
Isso ocorria, por exemplo, quando apenas pessoas jurídicas
eram autorizadas a fazer doações. Agora, se a doação
a partidos é sem limites, a declaração e a
prestação de contas são condição
essencial. De acordo com Speck, que é consultor da ONG Transparência
Internacional, sobram poucos motivos para o doador não declarar
sua ajuda, e só em três situações as
empresas não o fazem: quando há ilegitimidade na origem
do dinheiro; quando trabalham com caixa 2; quando temem se envolver
com políticos corruptos. No entanto, acrescenta o professor
da Unicamp, há na legislação uma distorção
perigosa, que é a proibição de doação
a candidatos acima de 2% do faturamento. Essa disposição
acentua a desigualdade social e agrava a supremacia dos mais ricos
sobre os menos. A lei deveria impor um máximo igual para
todos, a fim de evitar a vinculação do poder político
ao econômico. Outra distorção apontada por Speck:
a maioria dos candidatos recebe doações de poucas
fontes, o que não é saudável. Sua independência
pode ficar abalada.
Na tese Lobby e representação de interesses:
lobistas e seu impacto sobre a representação de interesses
no Brasil, Andréa analisa quatro modalidades de lobby
público, institucional, classista e privado. Ela nota
que, apesar do estigma que o lobby carrega de similaridade com corrupção
e tráfico de influência, a atividade lobista é
necessária para que se crie um canal de comunicação
entre a sociedade civil e o Estado. No Brasil, observam Andréa
e Mancuso, 85% dos projetos em tramitação no Congresso
têm origem no Executivo, o que leva os lobistas a atuar nos
dois poderes. No tempo dos governos militares a situação
era ainda mais drástica; o Congresso não tinha vez
quando se tratava de orçamento. A democracia trouxe
os grupos de pressão ao Congresso Nacional, observa
Andréa.
A pesquisadora da Unicamp também estuda as estratégias
de ação comuns aos quatro tipos de lobby, que são
monitoramento político; elaboração de estudos
técnicos e pareceres que subsidiem a informação
que levam aos tomadores de decisão; e o corpo-a-corpo, isto
é, a argumentação para convencer.
Indústria
Wagner Mancuso analisa parte do lobby classista, atendo-se à
atuação da indústria. Afirma que o empresariado
industrial tem-se mostrado um ator político fortemente interessado
na redução do custo Brasil, expressão
usada para designar fatores que prejudicam a competitividade das
empresas nacionais diante das estrangeiras. Sua pesquisa indica
que a indústria não somente tem sido capaz de identificar
projetos de lei referentes ao custo Brasil e de definir e defender
seu ponto de vista em relação a eles, como tem obtido
índice de sucesso elevado. Dois terços das decisões
podem ser classificados como sucessos. Mas o autor alerta que o
expressivo índice de êxito se refere a um momento histórico
preciso, situado entre a segunda metade da década de 90 e
a primeira da década de 2000. Período que corresponde
à retomada plena pelo Congresso Nacional de suas prerrogativas
políticas.
O professor observa ainda que o empresariado é forte na defesa
de seus interesses classistas, mas aparentemente pouco interessado
quando se trata de interesses da coletividade. A concepção
deles sobre o que é bom para o Brasil não é
compatível com a minha visão, nem com os interesses
nacionais, diz Mancuso, que pretende dar continuidade ao estudo
do tema, aprofundando o campo da interação entre o
setor privado e o público. Essa interação pode
ser, segundo ele, degenerada, quando toma o nome de
corrupção ou troca de favores, e não
degenerada, ou o lobby entendido como ensina Andréa
Cristina.
Outra observação de Mancuso é que o seu trabalho
praticamente não pega o período do presidente Lula.
Mas abrange em cheio o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando
havia forte afinidade entre a indústria e a forma de governar
do presidente.
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