Em busca de tesouros. Essa talvez seja a melhor expressão
para explicar a atividade de milhares de pessoas que freqüentam
os sebos. Lugar onde se encontram livros não mais publicados,
clássicos da literatura em geral, raridades, exemplares de
outros países e tentadoras promoções. São
preços convidativos, geralmente com livros que custam a metade
do valor das livrarias, e até exemplares vendidos por R$
1,00. Ao contrário da imagem que alguns fazem, um sebo não
significa necessariamente um lugar desorganizado, com livros empoeirados.
Ultimamente o número de sebos cresceu muito na capital
o entorno da Praça João Mendes, por exemplo, ganhou
dezenas de portinhas, todas cheias de livros. Muitos dos sebos,
hoje, são modernos e repletos de serviços aos caçadores
de tesouros.
Um dos mais tradicionais de São Paulo é o Sebo do
Messias, que está no mercado há mais de três
décadas e tem uma curiosa história. O dono, Antonio
Messias Coelho, veio do norte de Minas Gerais para ganhar dinheiro
em São Paulo. Trabalhou em restaurante e montou o seu próprio,
até que veio o Metrô Paraíso e ele teve que
abandonar o negócio. Foi então que entrou no comércio
de livros era a década de 60 e ele trabalhava como
vendedor de uma editora de títulos jurídicos, oferecendo
de porta em porta. Depois de algum tempo, os advogados começaram
a pedir livros raros. Para achá-los, Messias ia aos sebos
e os comprava, ganhando um dinheirinho com isso. Passaram-se
cerca de três anos até que um cliente, e já
amigo, faleceu e a viúva contou que iria vender todos os
livros. Ele pediu preferência para adquirir o acervo, mas
nem mesmo sabia calcular o valor. Acabou comprando a coleção
com vários cheques.
Levou tudo para a casa do cunhado e começou a fazer uma lista
eram cerca de 5 mil livros, só jurídicos. No
começo, levava até aos advogados, mas o transporte
foi ficando difícil. Resolveu alugar uma sala no primeiro
andar de um prédio na Praça João Mendes. Só
que apenas metade deles cabia no lugar. Foi preciso alugar a sala
ao lado e em pouco tempo ocupava todo o andar. O negócio
foi crescendo e já não eram só livros jurídicos.
Messias passou a ocupar também o segundo, o terceiro e o
quarto andares, ampliando o comércio para discos, CDs e DVDs
(há também aparelhos de TV, vídeo e som).
Com seu tino para negócios, Messias percebeu que não
era todo mundo que subia até o quarto andar para achar um
livro. Assim, ele deixou os andares superiores e começou
sua carreira no térreo. Estourou em vendas. Hoje são
três lojas, duas na Praça João Mendes (nos números
140 e 166, lugar onde fica o senhor Messias, como é
conhecido, e dedicado só às obras jurídicas)
e mais uma na rua Quintino Bocaiúva. Conta até com
serviço de peruas, que vão até o local: os
avaliadores dão o preço do lote na hora e retiram
os livros, caso dê negócio. Também pipocam aqueles
que vão vender no balcão e na hora Messias já
sabe o que vale a pena comprar ou não. E será que
ele lê muito? Sua resposta é não.
O sucesso, ele garante, se dá pelas lojas sempre cheias de
livros, a alta rotatividade das obras (a toda hora chegam novos
exemplares) e a diversidade de títulos. Na loja da João
Mendes se encontra de tudo, de medicina a literatura, além
de obras didáticas, com preços que variam de R$ 1,00
até R$ 3,5 mil, caso de A história do Rio de Janeiro,
livro histórico publicado para comemorar o quarto centenário
do Rio de Janeiro, com tiragem limitada e repleto de fotos e ilustrações
da época. Há também muitas coleções
completas em pequenos volumes, iniciativa da editora carioca Aguilar,
que, na década de 60, resolveu publicar a obra completa de
autores nacionais e estrangeiros Machado de Assis está
concentrado em apenas três volumes (R$ 400,00), Tolstói
também em três (R$ 350,00) e Oscar Wilde em apenas
um (R$ 80,00). Há ainda muitas primeiras edições
como Sagarana, de João Guimarães Rosa, e livros
autografados pelo próprio autor, entre eles O senhor embaixador,
de Érico Veríssimo. Mas, como afirma o funcionário
Jonas Taucci, há mais de 20 anos no ramo e assíduo
leitor, os títulos comerciais são os que mais vendem,
por exemplo, o Código Da Vinci, que virou febre.
E como chegam esses novos títulos até o sebo? Muitos
compram nas livrarias, lêem e já vão até
o sebo para vendê-los, diz.
Carta
de Nabuco
No final da avenida Brigadeiro Luiz Antônio, já perto
da região central de São Paulo, o Sebo Aliança
guarda uma parceria com o do Messias é da filha dele.
Durante dez anos funcionou como o Sebo do Messias e desde 2001 é
administrado por Alexandre Egon de Palma. Por fora parece uma loja,
mas por dentro é como se fosse uma grande biblioteca, com
muitas estantes e até cafeteria, idéia que Palma trouxe
dos Estados Unidos. Só nessa loja são mais de 80 mil
títulos, entre livros, discos, CDs, fitas de vídeo,
revistas e gibis, todos etiquetados com preços (característica
também do Sebo do Messias). Há livros a partir de
R$ 0,50 e, muitas vezes, promoções de queima de estoque
com pilhas de dez títulos por R$ 1,00. Entre as raridades,
a primeira edição de Filhos pródigos, de Lygia
Fagundes Telles, por apenas R$ 35,00, Revisão de Kilkeberry,
autografado por Augusto de Campos, por R$ 50,00, e Menotti del Picchia
em prosa e verso por R$ 200,00. A venda também é realizada
pela Internet, mas, como diz o administrador, é preciso confirmar
se o título está no lugar eles são separados
por assuntos e organizados em ordem alfabética, alguns pelo
nome ou sobrenome do autor. Se alguém tirar da prateleira,
o livro ficará perdido, diz. Logo na esquina, andando
um pouco pela rua Asdrúbal do Nascimento, há outra
loja, que antes era só de gibis, mas agora oferece também
títulos de outras áreas.
Subindo a Brigadeiro, já na avenida Paulista, na esquina
com a Consolação, está o Sebo Livro Puro, uma
aconchegante loja do livreiro Jonilson Sena, que já trabalhou
como técnico no Departamento de Rádio e TV da Escola
de Comunicações e Artes (ECA) da USP e abandonou tudo
para fazer o que mais gosta, ser livreiro, e viver de sua paixão,
os livros. A loja é toda decorada com livros de arte
Cézanne, Giotto, Miró, Picasso e com algumas
cadeiras, para aqueles que gostam de passar horas lendo ou apenas
folheando as obras. São 35 mil títulos na loja e mais
45 mil guardados em um depósito. Tem de tudo e Sena conhece
as histórias de alguns livros, como Loption, de Joaquim
Nabuco que escrevia melhor em francês, como ele diz
, que teve tiragem de apenas 150 exemplares. Sabendo disso
sua filha, Carolina Nabuco, conseguiu um exemplar e presenteou um
amigo, incluindo uma carta escrita pelo próprio pai. O livro
veio com um lote de 5 mil obras, adquirido pelo livreiro. O preço
ele não revela, mas informa que tem livros a partir de R$
3,00, e, garante, nenhum deles empoeirado ou sujo, e sim em bom
estado, já que se preocupa em restaurar as obras.
Atravessando a Paulista, há dois meses funciona o Sebo Convite
à Leitura. O dono, João Bernardino de Souza, mais
conhecido como Johnny, vendeu a outra loja que tinha na Paulista
há mais de dez anos, o primeiro sebo no Brasil com
preço único. É um lugar à parte,
com escadas vermelhas e iluminação que lembra mais
uma boate, mas, no final delas, uma surpresa. Do lado esquerdo,
uma sala cheia de livros por apenas R$ 3,00. Além de pockets
books e obras estrangeiras, há coleções como
Os Imortais da Literatura Mundial, com capa dura, publicada pela
Editora Abril, ou o Dicionário Caldas Aulete, da Editora
Nova Fronteira, com os volumes vendidos separadamente. O dicionário
tem cinco volumes, totalizando R$ 15,00 na compra de toda a coleção.
Na sala em frente, preciosidades como Os lusíadas em latim
e as primeiras edições em francês de Minha luta,
de Adolf Hitler, e de O homem que ri, de Vitor Hugo. Mas aí
os preços são bem diferentes.
Em
Pinheiros
A região de Pinheiros concentra muitos sebos. Na avenida
Pedroso de Morais, perto da Cardeal Arcoverde, as ruas estão
cheias deles. Só Duílio de Souza é dono de
três o Cultural, o Dom Quixote e o Universo. O que
hoje, para ele, é um grande negócio, ainda esconde
uma grande paixão: o contato de Souza com os livros existe
desde a infância e isso acabou rendendo-lhe um convite de
trabalho. Eu freqüentava tanto um sebo na rua Fradique
Coutinho que o dono acabou me convidando para trabalhar com ele,
acho que eu entendia mais dos livros do que o próprio dono,
diverte-se. Após alguns anos, ele viu que poderia abrir sua
própria loja, que, com a ajuda do sócio Flávio
Gonzáles, transformou em três. Hoje já são
mais de 90 mil exemplares na coleção. Se continuar
crescendo desse jeito, vamos ter que abrir outra loja. Segundo
ele, essa loja ficará na mesma região, afinal, grande
parte de seu público é universitário, devido
à proximidade tanto da USP quanto da PUC. Mas Souza confessa
que o negócio comercial não atrapalha sua paixão.
Toda vez que sobra um tempinho ou no final do expediente,
eu pego logo um livro.
Para continuar enriquecendo a coleção, Souza cita
diversas formas de oportunidades. Comprar em promoções
de editoras e de clientes que sempre trazem livros para vender são
as formas mais comuns, porém estar de olho e perceber as
situações é essencial. Um dos clássicos
da loja, dois volumes de uma edição de luxo de 1930
de Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes, foi encontrado dessa
forma. Souza ficou sabendo de uma antiga igreja que estava disposta
a vender parte de sua biblioteca para angariar fundos. Ele, que
já conhecia o lugar, foi correndo lá e comprou a raridade
os dois volumes estão à venda por R$ 250,00.
Outra situação que acontece de vez em quando é
uma família disposta a se desfazer de pertences de parentes
mortos. É impressionante como eles nem olham o que
tem lá no meio, só pensam em tirar logo tudo dali.
Numa dessas vezes ele conseguiu comprar mais de mil livros por um
preço muito inferior ao que valiam.
Ainda percorrendo a Pedroso de Morais, encontra-se um dos sebos
mais recentes na rua, o Avalovara. O sebo tem só dois meses,
mas seu dono, o escritor Evandro Affonso Ferreira, é velho
conhecido no ramo. No começo da década de 90 ele era
dono do sebo Sagarana, que ficava ali perto, no cruzamento entre
as avenidas Teodoro Sampaio e Henrique Schaumann. Estou sempre
no meio de livros, seja escrevendo, vendendo, lendo ou comprando,
comenta Ferreira, que saiu do mercado para ajudar um amigo a montar
uma livraria, mas acabou voltando. Percebi que meu negócio
é este aqui. Mais do que conversar com seus clientes
e amigos sobre os livros, o escritor montou um grupo de literatura
na época, que se encontrava freqüentemente para conversar
na editora Hedra, na rua Fradique Coutinho. Ali estavam todos
os escritores do momento, quase toda a geração de
90 passou por lá. Hoje os encontros não acontecem
mais, e o Sagarana, depois de vendido, mudou-se coincidentemente
para a mesma Fradique Coutinho.
Hoje o dono é Rogério Akira Hasegawa. Junto com o
nome Sagarana, veio a coleção de Ferreira, que contava
com mais de 4 mil títulos e trazia algumas raridades, como
a primeira edição de Sagarana, de Guimarães
Rosa (não poderia faltar) e um livro de Santos Dumont, em
uma antiga edição francesa assinada por ele. Hoje
as raridades já foram vendidas e Hasegawa aposta na diversidade:
além de estantes repletas de livros, também estão
revistas e histórias em quadrinhos. Elas descansam em caixas
de papelão que são praticamente devoradas
por leitores que passam horas lá. Os meninos vêm
e ficam lendo, depois deixam tudo bagunçado, diz o
dono.
Uma pilha de revistas em quadrinhos japonesas, os mangás,
estão logo na entrada. Originais do Japão, elas são
da coleção pessoal de Hasegawa e assemelham-se a grandes
listas telefônicas coloridas; são vendidas a R$ 5,00.
Entre as tantas revistas em quadrinhos estão algumas antiguidades,
como os números 1 e 2 do Almanaque Patota, registrados com
o preço ainda em cruzeiros, cuidadosamente embrulhadas em
plásticos as duas saem por R$ 50,00.
São muitos os caminhos que levam aos tesouros
do sebos, em sentido horário, Livro Puro, Sagarana, Aliança
e do Messias...
Tesouros
perdidos
Aqueles que procuram pequenos tesouros pelas estantes dos sebos
espalhados pela cidade talvez nem imaginem que alguns deles possam
ser simplesmente jogados no lixo por outras pessoas. No sebo Ao
Pé da Letra, entretanto, Sérgio Luís Antico
não deixa que isso passe em branco. Com sua loja há
13 anos na região da Chácara Santo Antônio,
ele já conhece todos os garrafeiros os homens que
recolhem papéis e outros materiais na rua , que, automaticamente,
já passam pelo seu sebo a caminho do lixão. Às
vezes até forma fila deles aqui na porta, diverte-se
Antico, que sempre encontra bons livros entre os restos de papéis.
Um dos mais raros que tenho aqui, veja só, eu encontrei
dessa forma, afirma, mostrando um exemplar original de 1843
que reúne a obra completa do teatro de Voltaire vendido
a R$ 100,00. Provavelmente foi alguma família que jogou
fora. Isso acontece muito por aqui.
Antico, um homem alto, parece pequeno perto de tantos livros à
sua volta eles lotam as estantes e já se acumulam
em enormes pilhas pela escada. No segundo andar estão os
pockets books, em diversas línguas: inglês, francês,
alemão, italiano. A procedência? Novamente o bairro,
repleto de imigrantes, principalmente ingleses e alemães,
que são clientes fiéis e grande fonte para seu acervo.
Fiéis não à toa, já que o ambiente,
com sofás e almofadas, e a atmosfera calma chamam para uma
boa leitura e até para rodas de conversa, como acontece freqüentemente
no pequeno espaço.
Com histórias muito diferentes, os livreiros concordam que
livro bom é aquele que você gosta. E fica o conselho
deles: garimpe para achar o seu tesouro.
... e também do Convite a Leitura, Dom Quixote e Ao Pé
da Letra, antigos ou novos conservam charme dos sebos
Sebo
do Messias, Praça João Mendes, 140 e 166, e rua Quintino
Bocaiúva, 166, telefones 3104-7111 e 3106-9596, de segunda
a sexta-feira, das 9h às 19h, e sábados, das 9h às
17h.
Sebo Aliança (www.seboalianca.
com.br), avenida Brigadeiro Luiz Antônio, 269, telefone
3107-4809, e rua Asdrúbal do Nascimento, 410, telefone 3107-8950,
de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h, e sábados,
das 9h às 17h.
Sebo Livro Puro, avenida Paulista, 2.518, 2o andar, conjunto 21,
telefone 3257-1136, diariamente, das 9h às 21h.
Sebo Convite à Leitura, rua da Consolação,
2.416, telefone 3214-4713, segunda a sábado, das 9h às
22h, domingos e feriados, das 12h às 22h.
Sebo Livraria Cultural, avenida Pedroso de Morais, 833, telefone
3031-6797, todos os dias, das 10h às 20h.
Sebo Dom Quixote, avenida Pedroso de Morais, 824, telefone 3032-3001,
todos os dias, das 9h às 20h.
Sebo Universo, avenida Pedroso de Morais, 804, telefone 3031-4801,
todos os dias, das 9h às 20h.
Sebo Sagarana, rua Fradique Coutinho, 624, telefone 3032-9997, de
segunda a sábado, das 9h às 19h.
Sebo Ao Pé da Letra, rua Américo Brasiliense, 1.153,
telefone 5182-7978, de segunda a sexta-feira, das 9h às 19h,
sábados, das 9h às 14h.
Sebo Avalovara, avenida Pedroso de Morais, 809, telefone 3815-7215,
de segunda a sábado, das 9h às 19h, e domingos, das
9h às 17h.
|