As previsões de crescimento da economia brasileira
para o ano de 2005 estão sendo revistas para baixo. As estimativas
do início do ano apontavam uma taxa próxima a 4%,
enquanto várias projeções divulgadas recentemente
se situam entre 2,5% e 3,5%. Na semana passada, num encontro do
qual participou na Suíça, o presidente do Banco Central
(BC), Henrique Meirelles, admitiu que o crescimento ficará
abaixo dos outros países considerados emergentes. Meirelles
evitou falar em números e também não deu qualquer
indicação de que o BC irá se pronunciar sobre
uma revisão da estimativa de 4%. Para que o crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro consiga se equiparar ao dos
demais países emergentes, o País precisa garantir
um horizonte de planejamento maior para investimentos e continuar
com a política de ajuste fiscal, declarou à
imprensa.
O presidente do BC defende que as estimativas apontam que
2005 ainda apresentará um crescimento superior à taxa
histórica e em um período de acomodação,
depois de um ano de crescimento elevado de praticamente 5% em 2004.
Para Meirelles, é preciso que esse crescimento venha sem
inflação, sem crise e sem bolha de curto prazo.
De acordo com reportagens veiculadas na imprensa, presidentes de
BCs de outros países procuraram o dirigente brasileiro durante
a conferência para obter informações sobre as
possibilidades de alterações de rota nas políticas
macroeconômicas. Meirelles respondeu que não acredita
em mudanças porque esta política está
dando certo.
A primeira questão a considerar é que essas
estatísticas do PIB são imprecisas e que há
uma dificuldade natural em estimar esses dados, pondera o
professor Heron do Carmo, livre-docente da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade (FEA) da USP e presidente
do Conselho Regional de Economia (Corecon-SP). Um exemplo é
o do crescimento do ano passado, que o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) divulgou como 5,2% e que depois revisou
para 4,9%.
O professor afirma que uma estimativa próxima dos 3% não
é tão ruim assim: É um padrão
de crescimento um pouco melhor do que a média dos últimos
20 anos, de cerca de 2%, ainda mais considerando que se segue a
um ano que registrou quase 5%, diz. Em 2004, o PIB brasileiro
somou R$ 1,8 trilhão, com 4,9% de crescimento em relação
a 2003 maior taxa anual desde 1994 (5,9%). O PIB per capita
subiu 3,7%, também o maior crescimento desde 1994, alcançando
R$ 9,7 mil.
Exportações
Para Heron do Carmo, as projeções de redução
foram influenciadas pela recente divulgação dos números
do início do ano, quando realmente a economia brasileira
perdeu o ritmo. Nos primeiros três meses de 2005,
o PIB cresceu 2,9% em relação ao mesmo período
de 2004, mas teve variação de apenas 0,3% em comparação
com o último trimestre do ano passado. Mas isso não
quer dizer que os resultados mais à frente não recuperem
os anteriores. Pode ser até que se consiga alcançar
os 4%. No ano passado, ninguém esperava quase 5%, diz.
O crescimento dos últimos anos esteve sustentado em boa parte
pelo cenário favorável nas exportações,
especialmente nas áreas agrícola e de minérios.
Representantes de corretoras e bancos de investimentos ouvidos pela
imprensa acreditam que o PIB voltará a se expandir neste
ano porque as exportações seguem em patamares altos.
No entanto, a atual taxa de câmbio que valorizou o
real em relação ao dólar cria dificuldades
para os produtos agrícolas, alerta o professor Joaquim Guilhoto,
também da FEA. O professor credita parte da estimativa de
um aumento menor do PIB a problemas no setor externo. O agronegócio
responde por 30% do PIB nacional e, de acordo com a análise
do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea)
da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP,
a desaceleração da agropecuária nacional no
primeiro trimestre do ano é preocupante e muda o cenário
da colheita e comercialização da safra 2004/2005.
Internamente, os investidores, com essa crise política,
tendem a achar que o governo vai dar uma freada na tomada de decisão
e de que as reformas vão ficar paradas no Congresso,
diz Joaquim Guilhoto, ressalvando que em economia as respostas não
se dão automaticamente. O exemplo é o próprio
mercado de câmbio: a retração num cenário
com dólar baixo, como o atual, já tem resultados imediatos,
mas os maiores reflexos virão no longo prazo.
Guilhoto diz que um crescimento entre 4% a 5% ao ano seria o necessário
para que o País ganhasse fôlego para uma retomada estável
e continuada da atividade econômica. Hoje em dia ficamos
patinando, avalia. Aumentar o nível de
investimento interno e promover uma reforma tributária bem-feita,
na sua opinião, estão entre os melhores caminhos para
chegar a esse resultado.
Para Heron do Carmo, um amplo leque de investimentos governamentais
por exemplo, em infra-estrutura, setor historicamente dependente
da área pública contribuiria para ampliar o
crescimento e também para incentivar os investimentos privados.
É necessário, entretanto, fazer esses investimentos
sem provocar inflação, ressalta.
Virar
o jogo
O professor Heron do Carmo enxerga vantagens para o Brasil em comparação
com os emergentes. Para ele, a maioria desses países teve
regimes que caracteriza como de despotismo esclarecido econômico.
São os casos do Chile, que nos últimos anos da ditadura
de Pinochet adotou políticas econômicas não-populistas;
da China, que, mesmo sob governo comunista, tem adotado políticas
de abertura de mercado; da Índia e do México, em que
o poder se manteve por décadas com os mesmos grupos políticos;
e da Rússia, em que a presença do Estado na economia
continua muito forte.
De certa forma, são países que conseguiram fazer
reformas na economia muito mais rapidamente do que o Brasil, mas
neles pode ter havido descompasso entre a política e a economia,
diz. O Brasil é mais lento, mas mais sólido,
o que acabará trazendo frutos. Heron do Carmo acredita
que mesmo a atual crise política não está trazendo
conseqüências muito prejudiciais à economia, o
que demonstra a maturidade das instituições.
Seu prognóstico otimista inclui até, para muito breve,
o início da redução progressiva da taxa de
juros. O Brasil vai entrar numa fase muito favorável.
Tudo indica que, como resultado de um conjunto continuado de reformas,
se possa alavancar um crescimento nos próximos anos para
porcentuais mais próximos dos emergentes, até superando-os,
acredita. O professor usa uma analogia com o futebol para justificar
seu otimismo: Estávamos perdendo o jogo de muito; praticamente
empatamos e podemos virar, tendo mais coerência entre economia
e política.
PIB
do Brasil foi um dos mais altos do século
O
crescimento do PIB brasileiro ao longo do século 20
foi um dos mais altos do planeta, com uma taxa média
de 5,5% no período de 1920 a 1980. Foi a segunda
maior taxa de crescimento do mundo, só suplantada pela
do Japão, aponta o professor da FEA Simão
Davi Silber num estudo sobre mudanças estruturais da
economia brasileira entre 1988 e 2002. A partir da década
de 80, fatores como o desaparecimento da poupança externa,
a aceleração inflacionária, o isolamento
exagerado da economia mundial e o clima de grande incerteza
decorrente dos vários programas de estabilização
de fôlego curto levaram a uma realidade de estagnação
e à manutenção de taxas modestas de crescimento.
Para Silber, os desafios de longo prazo para um crescimento
duradouro incluem preservar a estabilização
conquistada após a implantação do Plano
Real, manter a abertura ao exterior e completar a reforma
fiscal. Gerar empregos e promover uma melhor distribuição
de renda no País também são objetivos
que um crescimento estável e a taxas mais elevadas
devem perseguir. No artigo, o professor cita o caso da Coréia
do Sul, que no início dos anos 80 possuía um
PIB similar ao brasileiro e que de lá para cá
conseguiu aumentá-lo bem mais do que o do Brasil, e
lembra ainda que nosso país está entre os de
pior distribuição de renda no mundo.
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