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Revista USP, número 65, dossiê “20 anos de redemocratização”, publicada pela Coordenadoria de Comunicação Social da USP (telefone 11 3091-4403), 204 páginas.



E
m 15 de janeiro de 1985, o Brasil se enfeitou de verde-amarelo e alegria para festejar a vitória de Tancredo Neves. Foram 480 votos contra 180 dados a Paulo Maluf. Era a certeza da democracia, depois de 21 anos de ditadura. Congresso Nacional superlotado, assisti à votação de pé, abraçado ao escritor e cartunista Ziraldo, amigo de vida inteira, e ao saudoso jornalista Zózimo Barroso do Amaral. Choramos de pura alegria, coração acelerado, nó na garganta, voz embargada, emoção ameaçando arrebentar o peito. Momento mágico, luminoso pedaço de céu azul, verde, branco e amarelo.

Com essa lembrança, Ronaldo Costa Couto – economista, escritor, ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República no governo Sarney – abre o seu artigo “Rasteira do destino” para a Revista USP. Resgata a trajetória política de Tancredo Neves até os momentos trágicos da sua morte, em 21 de abril de 1985. “Comoção nacional. Vêm o reconhecimento e homenagem do povo. Dois milhões de pessoas na despedida de São Paulo. Em Brasília, um mar humano: 20 quilômetros molhados de lágrimas entre a Base Aérea e o Palácio do Planalto.”

De Tancredo Neves ao governo Lula, a Revista USP vai pontuando os momentos mais importantes desses 20 anos de redemocratização. “Foi um longo caminho percorrido pelo povo brasileiro até ela, passando pelos atalhos e vielas sombrios de uma ditadura militar que não deixou saudades em ninguém”, observa o editor Francisco Costa. “Pois bem, no que teria tudo para ser um ano festivo pela conquista política, de uns tempos para cá as coisas se tornaram um pesadelo alimentado diariamente, semanalmente por jornais, revistas, rádios, TVs e blogs da Internet.”

O depoimento de Roberto Jefferson, a despedida de José Dirceu da Casa Civil da Presidência, a posição do presidente Lula e a tática do governo em insistir que há um clima de “golpismo” no País. “É nesse clima que o Brasil chega ao vigésimo aniversário de sua redemocratização, e o que se pode dizer é que todas as pessoas de bem deste Brasil torcem para que o chamado tsulama não escancare a porta do presidente e a democracia saia desse lamentável episódio fortalecida e purificada”, afirma Costa. “Isto posto, a revista comemora esse aniversário com um conjunto de artigos de alto nível.”

O editor explica que o dossiê é assinado por economistas, sociólogos, escritores e jornalistas que participaram ativamente da vida política do Brasil, como Jarbas Passarinho, Miguel Reale Júnior, Oliveiros S. Ferreira, Alain Touraine, Daniel Aarão Reis, Paulo Markun e José Sarney. “Todos têm o que dizer. E muito. Esse é um dossiê necessário, num momento tristemente difícil, como a lembrar ansiosamente que o nosso maior bem não pode, não deve sofrer qualquer violação.”

Longo processo

Oliveiros S. Ferreira, professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, levanta uma questão curiosa: “Antes de escrever sobre os 20 anos da redemocratização, caberia perguntar qual o critério que nos indica que esse processo teve início com a eleição de Tancredo Neves, em 1985. O ex-presidente Fernando Collor talvez tenha sido o primeiro a pôr em dúvida a afirmação de que o processo começou com a eleição de Tancredo Neves e José Sarney. Para ele, o processo democrático caracteriza-se pela eleição do presidente por voto direto e secreto. Sendo assim, o processo começou em 1990 com sua eleição para a Presidência da República.”

Ferreira afirma que o critério normalmente aceito de que a democratização começou em 1985 parte do princípio de que, com Tancredo, cessou o governo militar. “Ora, se podemos dizer que a data escolhida por Collor não é aquela que se poderia dizer exata, o critério geralmente aceito peca pela base: a redemocratização teve início quando um civil sucedeu a um general. Deixando de lado a variação das circunstâncias, poder-se-ia dizer, a ser verdadeiro sub specie aeternitatis tal critério, que o governo do general Eurico Gaspar Dutra não deu início ao processo de redemocratização em 1946, porque um general sucedeu a um civil.” O professor defende que limitar o processo de redemocratização à eleição de Tancredo Neves é estreitar os critérios de análise e reduzir a distinção entre ditadura e democracia ao detalhe do uniforme ou costume civil.

Governo Lula

Com muita clareza, Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), analisa a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder. Lembra que Lula exerce um mandato que muitos julgavam uma utopia. “Poucos imaginavam que seria possível ao eterno perdedor ascender. Um operário metalúrgico, de escassa instrução formal, mas de grande inteligência e experiência, como líder de notáveis lutas sociais e políticas, tornara-se, afinal, depois de três derrotas consecutivas, presidente do Brasil, um feito inédito nos anais da história de nosso país e de todas as Américas ao sul do Rio Grande.”

Reis também faz uma retrospectiva das significativas metamorfoses das últimas décadas. “De Tancredo que virou Sarney, passou-se ao príncipe que virou sapo, quando o Messias decantou-se em bandido mentiroso – Collor. Foi apeado do governo, porém não através de um golpe, mas nos conformes democráticos. E deu-se a surpresa: ao presidente comprometido com um programa ultraliberal sucedeu um vice da mesma chapa, Itamar Franco, identificado com um nacional-estatismo, paternal e benevolente, que parecia enterrado no mundo mas que renasceu viçoso e belo nestas paragens, com direito a broa de milho e reinvenção do Fusquinha de duas portas. Fez de FHC, que namorara Collor, seu ministro da Fazenda, um novo príncipe. Com o êxito do Plano Real, FHC arrebatou a Presidência em campanhas memoráveis, acumulando dois mandatos, ambos ganhos no primeiro turno.”

Nesse rápido panorama, o historiador traça aspectos essenciais do regime democrático, como a imprevisibilidade do jogo e a alternância do poder, respeitados os resultados das eleições realizadas com regularidade numa atmosfera de liberdade de organização partidária e sindical. Na avaliação de Reis, os tempos atuais pertencem às esquerdas moderadas. “Apontam nesse sentido também os limites internacionais e as tendências predominantes em nossa sociedade. Tempos de reformismo conservador. A ver se os que chegaram lá aproveitam o seu momento histórico. Mais tarde, se perderem o controle dos acontecimentos, que não responsabilizem as circunstâncias ou os inimigos. Mas, neste momento, as cartas são eles que as dão.”

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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