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Melfi: “A expansão de vagas foi

a nossa principal marca”

 


E
leito em 2001 para dirigir a USP, o geólogo e professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Adolpho José Melfi, trazia na bagagem mais de 20 anos de experiência em cargos de administração da Universidade. A partir daí sua gestão foi capaz de criar dois novos campi, parte de um enorme esforço para expansão de vagas na graduação, além de tomar iniciativas que permearam as outras atividades-fim da instituição, como a extensão e a pesquisa, passando por questões de infra-estrutura e gerenciamento. Nesta entrevista ao Jornal da USP, o reitor fala das conquistas sem esquecer de mostrar os desafios que esperam seus sucessores.

Jornal da USP – A expansão de vagas na graduação foi a grande marca da sua gestão. Como o senhor vê essa questão?
Adolpho José Melfi – Não resta dúvida de que a expansão foi a principal marca. Fizemos isso por acreditar que se trata de um passo fundamental para a promoção da inclusão social no Brasil. Não que a Universidade ofereça poucas vagas, mas o desafio é grande. São cerca de 175 mil candidatos no vestibular deste ano, que disputarão 10 mil vagas. E, para chegar a esse número, investimos bastante, sobretudo quando pensamos que expansão em uma universidade que é de pesquisa e que quer continuar sendo uma das boas universidades do mundo custa caro, pois esse processo de ampliação não pode comprometer a qualidade. A USP é a melhor universidade do Brasil e da América do Sul. E manter essa posição, ao mesmo tempo em que ampliamos nossas atividades, sobretudo da graduação, foi o grande desafio desses últimos quatro anos. Além disso, essa expansão ocorreu de forma diferenciada. Tivemos o aumento do número de vagas em cursos preexistentes, mais vagas a partir da criação de novos cursos em diversas unidades de ensino e pesquisa que também já existiam e um novo campus, a USP Leste, com cursos também inéditos, onde a expansão foi mais vistosa. Começamos suas atividades este ano, com 1.020 novas vagas, número bastante expressivo para o início de um novo campus, no qual conseguimos manter a qualidade da Universidade, graças ao sucesso na contratação de excelentes docentes e funcionários. Algumas vagas para docentes foram disputadas por cerca de 80 candidatos, o que significa que tivemos possibilidade de escolher professores de alta qualidade. Atualmente são 60 docentes e temos a perspectiva de contratar mais 54, pois temos que dar continuidade ao segundo ano, que se inicia em 2006, com mais 1.020 vagas. Até 2008 serão 4.080 alunos.

JUSP – O funcionamento total do Campus Leste implica a pós-graduação?
Melfi – Para termos a pós-graduação dependemos de um corpo docente qualificado para a tarefa. Pensando nisso, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação tem incentivado o intercâmbio de docentes do campus da zona leste por meio de seu credenciamento como orientadores de pesquisas em programas de pós-graduação que já estão em funcionamento no Butantã, como forma de eles adquirirem experiência e, posteriormente, levá-la para sua unidade. Além disso, a partir do final de 2006, teremos o bloco de pesquisa já instalado, mas, antes, no início do mesmo ano, também será inaugurado o Centro de Pesquisas em Meio Ambiente, sob a coordenação do professor Wanderley Messias da Costa. Trata-se de um convênio com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente. O centro será dedicado ao estudo do impacto que a poluição provoca no ambiente urbano, um problema sério na região do campus.

 


A USP Leste, campus inaugurado neste ano numa das regiões mais carentes de São Paulo: inclusão social com mérito


JUSP – A USP Leste também inovou com a criação de um Ciclo Básico, comum a todos os alunos no primeiro ano. Como o senhor vê essa experiência?
Melfi – Trata-se de uma experiência muito positiva, pois possibilita a formação de profissionais mais preparados para a análise e a descoberta de soluções de diferentes demandas sociais. Essa questão é colocada, inclusive, na forma de uma disciplina, Resolução de Problemas, algo bastante inovador. Na prática, trata-se de um campus inteiramente experimental, pois a Escola de Artes, Ciências e Humanidades, a EACH, é uma unidade que foi criada sem a existência prévia de departamentos, uma exigência do Estatuto da USP, que teve que ser modificado. A origem dos departamentos remonta à reforma universitária do final dos anos 60, quando o sistema de cátedras foi superado. Acreditava-se que os departamentos seriam uma forma mais ágil de gerir e desenvolver a Universidade. Mas, com o tempo, os departamentos foram se tornando unidades estanques, com dificuldades para se integrar. Assim, a EACH representa uma nova proposta, pois ela é uma unidade sem departamentos, onde provavelmente os docentes de diferentes áreas terão mais facilidade para promover um diálogo mais direto. Tem tudo para dar certo. Mas, se não der certo, a unidade tem total liberdade para propor sua estruturação em departamentos, caso sinta essa necessidade. Entretanto, há unidades mais antigas que estão propondo a diminuição do seu número de departamentos e outras que já cogitam a extinção dessa forma de organização, o que reforça a idéia de que essa deva ser a tendência.

JUSP – Várias universidades estão demitindo doutores. O que precisa ser feito para evitar que o Brasil tenha milhares de doutores desempregados?
Melfi – É uma questão complicada, na qual o governo federal vai ter que pensar seriamente. Hoje o governo tem uma política de dobrar o número de doutores. A idéia é chegar a 16 mil doutores até 2010. Mas, por outro lado, o governo desestimulou um pouco isso ao modificar o que dizia a LDB sobre a necessidade de as universidades terem o corpo docente formado por uma certa porcentagem de doutores. A redação do dispositivo passou a dizer “mestres ou doutores”. E, evidentemente, não há muito interesse de algumas universidades particulares em contratar doutores, pois o custo é mais elevado. Mas não devemos generalizar, pois o Brasil tem boas universidades particulares, que estão desenvolvendo pesquisas. Precisamos, portanto, saber qual é a política do governo, que precisa ser muito clara na definição de áreas prioritárias e no estímulo ao desenvolvimento de centros de pesquisa pelas empresas e na contratação de professores doutores pelas universidades. Se isso não for feito teremos, em breve, um grave problema: uma quantidade enorme de doutores desempregados, que custaram relativamente caro para a nação e não poderão reverter o que aprenderam em benefício da sociedade.

JUSP – Como o senhor vê o futuro da expansão de vagas na Universidade?
Melfi – Provavelmente não vamos ter fôlego para uma expansão no mesmo ritmo dessa que foi feita nos últimos anos. As universidades públicas paulistas tiveram uma porcentagem de crescimento que corresponde a quase 35% do número de vagas, o que é muito alto. Acredito que a USP está atingindo um número de estudantes muito próximo da sua capacidade. Quando falamos em expansão, temos dois parâmetros a levar em consideração. Um são os recursos. Mas, às vezes, mesmo tendo recursos, essa expansão pode prejudicar o funcionamento da Universidade se chegarmos a ter um número de alunos muito grande. Por exemplo, a Universidade de Buenos Aires era uma grande universidade e, hoje, decaiu bastante, pois passou a ter cerca de 120 mil alunos. A Universidade do México deve ter quase 200 mil. São números que a USP não pode atingir. Mas temos espaços ainda ociosos, além de capacidade para administrar um número maior de alunos. Tenho a impressão de que uma universidade com pouco mais de 12 mil vagas de ingresso seria perfeitamente suportável. Evidentemente, para isso, precisamos de recursos para criação das condições necessárias.

JUSP – Ao expandir a graduação, uma universidade de pesquisa também tem que expandir a pós-graduação e as atividades de extensão, o que custa caro.
Melfi – Sim. Além da pesquisa, também temos outro aspecto que não podemos descuidar, que é a extensão. Temos dois hospitais totalmente custeados pela Universidade, o Centrinho, de Bauru, e o Hospital Universitário, e museus como o Museu Paulista, o Museu de Arte Contemporânea (MAC) e o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE). Tudo isso tem um custo muito alto. Muitas pessoas dizem que um aluno de uma universidade pública custa muito caro. Elas pegam o orçamento, dividem pelo número de alunos e falam: “Olha, cada aluno custa isso”. Mas não consideram a existência dos hospitais, que fazem atendimento à comunidade. Outro aspecto é o pagamento dos aposentados, que tem um impacto de quase 30% na nossa folha de pagamento, que é de cerca de 85% do orçamento. Ou seja, a USP tem uma série de trabalhos e serviços prestados à comunidade que são de extremo valor social e que não podem ser negligenciados. Então, quando se fala do custo da Universidade, temos que lembrar da sua extensão, além da sua pesquisa, cujo valor para o País é imensurável.

JUSP – A extensão passou também pela criação de outras unidades, como o Parque Cientec e o Museu de Ciências.
Melfi – Sim. O Parque Cientec vai poder realizar, em breve, uma série de obras que estavam previstas, pois conseguimos recursos externos para isso. Seus edifícios serão reformados para que possam receber os equipamentos que foram doados pela Fundação Vitae. Vamos ter um planetário virtual e um cinema em terceira dimensão para a apresentação de filmes científicos.

JUSP – Na sua gestão, foi criado também o Instituto de Relações Internacionais.
Melfi – Tínhamos esse curso de graduação, um grande sucesso no vestibular. Temos um diretor pro-tempore, que é o professor Walter Colli, e, em breve, a nova unidade será instalada no espaço onde funciona a diretoria do Instituto de Psicologia, que está sendo transferida para um prédio novo. Era uma área que faltava na USP, sobretudo porque temos grandes nomes, incluindo ex-ministros.

JUSP – A rede de rádio e a de televisão também foram criadas em sua gestão. Qual é o papel da comunicação para a Universidade?
Melfi – As mídias da Universidade são grandes difusoras de cultura para a sociedade. Além disso, também têm um papel fundamental no processo de informação interna da instituição. Por conta disso, fico um pouco entristecido de ver certas críticas de que a Universidade não se comunica. A rádio e a TV, por exemplo, vivem ganhando prêmios. Recentemente a TV USP ganhou um prêmio no 13º Festival de Gramado. O site da Universidade é o mais visitado do mundo na área educacional, na frente, inclusive, de grandes centros de ensino e pesquisa, como o Massachusetts Institute of Technology, o MIT, Harvard e outros. Esse é um setor fundamental para a Universidade poder se comunicar com a sociedade e mostrar sua importância, mostrar que o dinheiro do contribuinte aqui investido não é um dinheiro perdido.

JUSP – Por que o senhor decidiu criar novas coordenadorias, a do Espaço Físico (Coesf) e da Tecnologia da Informação (CTI)?
Melfi – O objetivo foi dar para esses dois setores uma maior agilidade, pois o poder de decisão das coordenadorias é muito mais amplo e rápido, o que gera maior eficiência. A tecnologia da informação tomou uma importância tão grande que precisava ter mecanismos mais ágeis. Com relação ao espaço físico, a Universidade cresceu, novos campi foram criados. Tínhamos que ter uma estrutura mais dinâmica, que o Fundo de Construção da USP, o Fundusp, não possuía. Um dos grandes problemas é que, quando a USP foi criada, não existia um plano de ocupação. Nos campi do interior começamos a ter problemas desse tipo. Com os novos campi é diferente, pois temos, desde o início, um plano de utilização. O Campus 2 de São Carlos, por exemplo, tem toda uma preocupação com o ambiente, o que não havia antigamente, até porque nem era a cultura da época.

JUSP – Outro projeto da sua gestão era a criação de um centro de convenções.
Melfi – Vai sair. Em novembro lançaremos a pedra fundamental do Centro de Convenções. Trata-se de uma solicitação muito antiga da nossa comunidade porque a USP, com todo seu tamanho, não tem um espaço para fazer um congresso internacional que reúna mais do que 500 ou 600 pessoas. Quando assumimos, foi nosso primeiro projeto. Há um projeto arquitetônico que inclusive ganhou prêmio. Mas não conseguimos concretizá-lo devido às dificuldades em obter da Prefeitura a licença ambiental daquela área. Finalmente saiu essa licença e temos os recursos para a fase inicial, de criação do projeto executivo. Depois disso, vamos tentar captar recursos fora. Não ter podido concluir esse projeto foi minha grande frustração. Apesar disso, teremos um outro lançamento. Não é um projeto nosso, mas acabamos envolvidos nele. Trata-se do Centro de Pesquisas Ambientais de Cubatão, que talvez seja inaugurado em janeiro. É um centro que a Petrobras criou, construiu, vai equipar e manter durante um certo tempo para que a USP desenvolva pesquisas naquela região. É um projeto muito importante, com investimentos da ordem de R$ 15 milhões. Esperamos poder ministrar nesse espaço cursos sobre ambiente para as escolas e desenvolver pesquisas tanto de interesse da Petrobras como de interesse geral, nas áreas de mangues, ar e água.

 


O Campus 2 de São Carlos, outra iniciativa bem-sucedida realizada nos últimos anos: expansão para o interior

 

JUSP – Nos últimos quatro anos a USP melhorou seus índices da pós-graduação e manteve sua produção científica na casa dos 25% dentro do cenário nacional. Isso se deve a que ações?
Melfi – Além da internacionalização da pós-graduação, com o aumento das parcerias no exterior, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação criou um programa de incentivo para os cursos que estavam com avaliações mais baixas na Capes. Destinamos mais recursos, facilitamos viagens e parcerias e tudo isso gerou resultados de forma muito rápida. Nossos grupos de pesquisa são bem consolidados, o que também favoreceu esse quadro, junto com a criação, pela Fapesp, de um programa de infra-estrutura, o que permitiu uma melhoria das condições laboratoriais. Graças a isso pudemos dar esse salto.

JUSP – A internacionalizaçã deverá ser uma das preocupações da Universidade nos próximos anos?
Melfi – Sim. Falamos da pesquisa, mas a Universidade não pode se distanciar do que está acontecendo na graduação. E vou mais longe. É papel fundamental da Universidade olhar para o ensino básico. O grande problema do Brasil está aí. E temos responsabilidade. Temos que pensar em fortalecer ainda mais a formação dos nossos professores de ensino básico, pois aí está o calcanhar-de-Aquiles do nosso desenvolvimento. Na nossa gestão tivemos essa preocupação.

JUSP – A Universidade reafirmou, em sua gestão, a importância do mérito para a entrada na Universidade. Como o senhor vê a discussão da política de cotas?
Melfi – A entrada na Universidade tem que ser pelo mérito. Não existe forma mais democrática. Agora, o que não é democrático é que não estamos dando chances iguais para todos os jovens. Um jovem que vem de família abastada, de escola particular, tem mais chances de entrar na universidade pública e gratuita do que um jovem que vem de uma escola pública. Temos que melhorar a qualidade do ensino básico para que todos os jovens tenham exatamente as mesmas condições. Essa questão de reservas de vagas, cotas, não resolve o problema. O governo pode achar que tenhamos que ter 50% dos alunos vindos de escola pública. Não sou contra. Mas ele que nos dê chance de trabalhar para pegar os melhores alunos dessas escolas. É uma situação um pouco diferente de você reservar cotas. O governo quis que tivéssemos 33% das vagas nos cursos noturnos. E nos deu tempo para isso. Hoje temos pouco mais que esse porcentual. E temos que ter cursos com demandas mais altas, como Engenharia, no noturno. Não tive a oportunidade de fazer isso, mas acho que os próximos reitores terão que fazê-lo. A Universidade não pode ser elitista. Ela precisa ter altíssimo nível, mas tem que ter forte compromisso social. Isso, inclusive, para garantir a autonomia. Por isso a USP Leste foi um sucesso social muito grande, pois representou a ida da Universidade para uma região carente, o que aumentou muito a inclusão social local. O pessoal da zona leste que não vinha prestar vestibular no Butantã por causa das dificuldades de acesso prestou na USP Leste e passou. No Butantã temos 28% de alunos de escolas públicas e, no novo campus, eles são 47%. Temos na Cidade Universitária 12% de afrodescendentes, enquanto na zona leste eles são 21%. E não criamos cotas nem facilitamos. É o mesmo vestibular. Outra coisa que ajudou foram as isenções das taxas do vestibular. Hoje são cerca de 75 mil isenções para 175 mil inscrições. Além disso, o próprio número de candidatos aumentou muito em função da isenção.

JUSP – O plano de carreira para os funcionários da Universidade foi outro projeto anunciado desde o início do seu mandato. Qual é a importância dele para o futuro da Universidade?
Melfi – Hoje existe um debate em torno do plano de carreira, que está sendo um pouco mal entendido. A filosofia da carreira, que prevê mobilidade das faixas I para II ou III, como foi estabelecida é excelente. Antigamente o funcionário, para passar para a faixa II, tinha que fazer outro concurso. Essa mobilidade é fundamental para que os funcionários possam, por mérito, subir para outras faixas. E isso tem que ser feito por meio de avaliação. A questão do mérito está novamente presente. Mas não é um processo fácil. Depois que essa cultura for criada, as pessoas vão entender que isso trará bons resultados.

JUSP – Quais os desafios da Universidade para os próximos anos?
Melfi – Hoje o mundo é outro. Além da internacionalização, não podemos pensar que dá para manter a mesma formação do aluno como a que eu tive, voltada quase que única e exclusivamente para o Brasil. Cada vez mais a Universidade terá que se adequar ao que está acontecendo nas outras boas universidades. Outro aspecto muito importante é a preocupação com a sociedade. Não podemos esquecer que um aluno que entra na USP é um privilegiado. Ele tem que pensar no que pode fazer em benefício de uma sociedade carente, cheia de problemas. A USP do futuro tem que ser uma universidade altamente competitiva, mas sobretudo envolvida com um enorme compromisso social, que é o de melhorar este país.


 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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