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Max Athaíde, o "isca humana", que já ficou até 12 horas sentado na mata, à espera de mosquitos:
"Eu gosto de ficar em regiões
isoladas"


O médico Luís Marcelo Aranha Camargo assiste o agricultor Ovídio da Silva, de 79 anos, na subunidade do Instituto de Ciências Biomédicas da USP em Monte Negro: "Não é possível ficar sentado atrás do microscópio numa região como esta"


A
pergunta que intitula nossa matéria, feita por moradores de Monte Negro, em Rondônia – município distante 329 quilômetros da capital Porto Velho e mais de três mil de São Paulo –, logo vem acompanhada de elogios ao médico Luís Marcelo Aranha Camargo. Explica-se: o pesquisador uspiano deixou o conforto da capital paulista, aos 28 anos, para aceitar um desafio: instalar-se em Rondônia para desenvolver, inicialmente, um projeto de pesquisa como professor assistente na área de doenças tropicais. Hoje, quase 15 anos depois, o “doutor Marcelo” divide seu tempo entre a capital do Estado, onde assessora um ousado projeto da Universidade São Lucas, e Monte Negro, sede de uma subunidade do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, o ICB-5.

“Hoje vou ser atendido pelo doutor Marcelo. Graças a Deus, porque não agüento mais esse pé”, disse o agricultor Ovídio Rufino da Silva, capixaba de 79 anos, que mora há 31 anos em Rondônia. Lidando com a terra constantemente, seu Ovídio adquiriu uma doença chamada cromoblastomicose, causada por fungos. A doença – estudada por grupos de pesquisa coordenados por Camargo – é comum na região e propiciada pelo clima quente e úmido. “A evolução é um processo inflamatório crônico”, diz Camargo.

Figura ímpar entre os quase 14 mil habitantes do município de Monte Negro, Camargo estabeleceu fortes vínculos com as comunidades locais, participando de dezenas de expedições pelo rio Madeira e seus principais afluentes, como o rio Machado.

Com um orçamento mensal de R$ 5 mil, além de quase R$ 3 milhões em recursos provenientes de órgãos de apoio à pesquisa, o ICB-5 consolidou-se como campo fértil para pesquisas, especialmente nas áreas de parasitologia e doenças tropicais. Mas nos últimos três anos a USP de Monte Negro ganhou novo perfil, com contornos de unidade de saúde coletiva, tamanha a necessidade da população local, especialmente dos moradores das linhas rurais (comunidades locais). “Não é possível ficar sentado atrás do microscópio numa região como a nossa”, afirma Camargo.

O fôlego para essa mudança de perfil veio com o termo de cooperação científica firmado com a Universidade de São Lucas e outras parcerias estabelecidas com universidades da região e também do Estado de São Paulo. Parcerias que propiciam atendimento à população com a participação de bolsistas.


Médico generalista

A experiência de Camargo vem sendo bem aproveitada na região. Exemplo disso foi o plano estadual de saúde, elaborado a convite do próprio governo de Rondônia. E, agora, a elaboração do projeto do curso de Medicina da Faculdade São Lucas. Por meio de um termo de cooperação científica, o professor traçou um ousado projeto que prevê a formação de médicos generalistas. “Hoje, as faculdades formam especialistas que acabam indo para as capitais”, diz. “O que precisamos é de médicos com ampla formação, dispostos a ficar no Estado.”

Atualmente, Camargo desenvolve cerca de oito linhas de pesquisa, contemplando doenças dermatológicas, ginecológicas e de saúde pública, como leishmaniose. Alunos de diversas faculdades batem à porta do ICB-5 em busca de orientação para projetos científicos e ações sociais. É o caso de Antônio Paulo Schroeder Ferreira, de 19 anos, aluno do segundo ano do curso de Enfermagem da Faculdade São Lucas, que participa de um grupo de pesquisa sobre o vetor da leishmaniose tegumentar americana (LTA). O maior atrativo de Monte Negro, segundo o estudante, é a quantidade de espécies de flebotomínios (transmissor da leishmaniose) encontrada na região: 114 ao todo. Em outros Estados esse número é bem menor. “A USP vive de talentos. É por isso que não podemos fechar as portas para ninguém”, diz Camargo. “Nesses anos todos já recebemos mais de 400 estagiários no ICB de Monte Negro, só que ninguém quer ficar”, observa.

O impacto cultural é o maior obstáculo enfrentado pelos estudantes e pesquisadores. O professor conta, por exemplo, que um aluno de Biologia teve síndrome do pânico após alguns dias na floresta. “São pessoas totalmente urbanas, que não conseguem ficar por aqui.” Camargo admite, no entanto, que muitas pesquisas não seriam concluídas sem os alunos. Para janeiro de 2006, Camargo aguarda a chegada de mais oito estudantes de cursos de Medicina de Marília, no interior de São Paulo. “Eles vão subir o rio Machado para realizar atendimentos por uma semana inteira. É, sem dúvida, uma experiência incomparável”, diz.

Isca humana

Max Ueller Pereira de Athaíde, de 22 anos, já ficou até 12 horas sentado em plena mata à espera de mosquitos. Ele é o que chamam “isca humana”. A captura é feita de duas maneiras: através de armadilhas, no caso dos mosquitos machos, e com o próprio corpo do jovem entomologista que, apesar de uma norma da OMS (Organização Mundial da Saúde) que proíbe isca humana, realiza o trabalho voluntariamente. Bolsista do ICB-5, Athaíde – ou Max, como é mais conhecido – fica horas esperando a picada do inseto, para sugá-lo e prendê-lo com um tubo, no caso da fêmea, que se alimenta de sangue. “Como isca, eu tenho condições de detalhar os hábitos do mosquito, como o horário mais freqüente que cada espécie aparece naquele hábitat”, afirma Max, que antes nem sabia que existiam entomologistas e agora assegura ter encontrado sua profissão.

Além do caminho profissional, cujo próximo passo é cursar biologia, Max encontrou nesse trabalho uma realização pessoal. “Eu gosto de ficar em regiões isoladas. Além disso, a população ribeirinha me ensinou a viver com o mínimo. Muitas vezes só comemos peixe com farinha”, afirma. Para ele, as comunidades ribeirinhas vivem melhor do que as urbanas, apesar da falta de assistência. Para esse problema, aliás, Max faz sua parte. Já participou de diversas expedições acompanhado de profissionais de saúde e morou por mais de um ano na região do baixo rio Machado. Aventura que não o deixou ileso. Como ele atua diretamente nos focos de transmissão, muitas vezes em busca de Anopheles (mosquito da malária, que tem cerca de 46 espécies no Brasil, 23 delas já identificadas pelo ICB-5 em Rondônia), Max já teve malária 13 vezes. A oitava e a nona transmissão vieram juntas. “Tive vivax e falsíparo de uma só vez. Estava no rio Machado e vim carregado para Monte Negro.” Mas nada disso assusta Max e sua moto, a “Chica da Selva”. Juntos, eles têm colaborado com a pesquisa brasileira.


Na trilha da solidariedade

No mês de outubro passado, a coordenadora de campo do Curso de Especialização em Saúde Coletiva do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP – o Centrinho de Bauru –, Renata Pernambuco, esteve na cidade de Monte Negro por duas razões muito especiais: para supervisionar o atendimento realizado por seus alunos na clínica odontológica da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP e da Liga Independente de Saúde Rural (Lisura) e para percorrer algumas das quase 20 linhas rurais existentes naquela região.

Na bagagem, Renata levou quase 100 livros, 200 bolas e 300 escovas dentais. Na memória, a certeza de que a educação e as brincadeiras são capazes de promover “milagres”. “Meu objetivo é levar saúde bucal a essas populações, sem deixar de levar um pouco de alegria também”, conta Renata, que desde criança foi incentivada a repartir o que tinha e a participar de projetos sociais.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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