PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO
  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Claudio Tozzi, de Bruno Giovanetti e Leila Kiyomura (organizadores), Edusp, 220 páginas, R$ 94,00 (lançamento: sábado, dia 26, na Bienal de Arquitetura, no Parque do Ibirapuera, Livraria Pró-Livros, às 11 horas).


Obras de Tozzi: a cidade com mais arte


D
iante da obra de Claudio Tozzi o melhor é ser povo. De preferência, povo da cidade. Porque é para ele e para ela que esse paulistano nascido em 1944 faz arte desde o início dos anos 60. Para vê-la não é necessário ir a galerias, colecionar peças, comprar livros caros; basta andar por São Paulo. Pelas ruas, pelo Metrô. Olhar os muros, os prédios onde estão seus painéis gigantes, cheios de cores, de preferência o azul. Também não é necessário quebrar a cabeça para entender a sua arte. Se há quadros figurativos, concretos, abstratos, geométricos, impressionistas, expressionistas, isso fica para a interpretação de críticos especializados. Para o povo sobram símbolos, ou signos, de fácil entendimento, tirados do dia-a-dia da vida. Um parafuso, por exemplo, não sai da cabeça de Tozzi há 40 anos. Sua arte evolui, novos temas se acrescentam, mas o parafuso está sempre lá. Em posição vertical, na horizontal, de ponta-cabeça, isolado, em grupo, dentro de uma caixa, em branco, em vermelho, em vermelho sobre suporte escuro e um elemento azul, em repouso ou em ação, perfurando um cérebro. Quem não sabe e não sente que um parafuso é um instrumento de penetração, de tensão, de tortura e, no pincel do artista, esteticamente bonito? Não é também bonita aquela zebra que pasta no alto de um prédio na praça da República? Embora animal apenas africano, ganhou as graças do povo brasileiro, que brinca com ele até quando dá zebra. Tozzi fez o painel em 1972, bem antes das vacas acrílicas que invadiram São Paulo este ano.


A Editora da USP (Edusp) vem publicando, em co-edição com a Imprensa Oficial do Estado, uma série intitulada Artistas Brasileiros. Chegou a vez de Claudio Tozzi, por iniciativa dos jornalistas Leila Kiyomura – repórter do Jornal da USP – e Bruno Giovannetti. No livro, segundo a professora Ana Mae Barbosa, “os organizadores apresentam Claudio Tozzi como se ele estivesse caminhando pela cidade. Reúne depoimentos de artistas e amigos, fragmentos críticos, observa o seu percurso pela repercussão da sua obra na mídia. Propositadamente, insere todos que participam do livro no meio da multidão, sem a identificação de suas funções. Artistas, professores, críticos, jornalistas, urbanistas, sociólogos... Todos no vaivém da cidade”.

Um primeiro lançamento da obra, com a presença dos autores e do artista homenageado, foi feito quarta-feira, dia 9, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, na Cidade Universitária. Outro lançamento está previsto para este sábado, dia 26 na Bienal de Arquitetura (Livraria Pró-Livros, às 11 horas), no Parque do Ibirapuera.
É justo que a Universidade reconheça e divulgue a arte de Tozzi, que foi seu aluno, da Escola de Aplicação até a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), e agora professor de Estrutura da Linguagem Visual, também na FAU. O artista gostou do livro de Leila e Giovannetti: “Graficamente bonito, uma grande retrospectiva, de leitura não-seqüencial, mas atemporal, com leveza em qualquer página”.


Guevara

Tozzi acompanha o seu tempo e reproduz em telas e painéis os momentos mais marcantes. Escrevem os organizadores: “No clima da geração de briga, deixou-se envolver, cada vez mais, pelos movimentos de massa. Apropriou-se dos flagrantes que registrava e também de fotos de jornais e revistas para criar cenas em alto contraste e colagens. Passou a transpor a realidade em séries”.

No tempo da ditadura, com 23 anos, espalhou painéis representando Guevara vivo ou morto em meio a crianças e gente sofrida, quadro considerado subversivo, recusado pelo Salão de Brasília (1967) e destruído. Por essa e outras, foi preso, teve de calar temporariamente os temas políticos, mas sem nunca abandonar os valores sociais e morais ligados à cidade.
Buscando novas possibilidades gráficas e novos símbolos, apresenta o primeiro parafuso. “Eu uso o parafuso como um símbolo”, explicou anos mais tarde, “que representa as pressões existentes, que representam movimento. Escolhi o parafuso porque, além desse significado que lhe pode ser atribuído, é altamente estético, dá para trabalhar bem.” Segundo Leila, o parafuso é a engrenagem da cidade, mas o grande parceiro de Tozzi é o sol. O sol que ilumina seu ateliê todo branco, do chão aos tapetes e móveis, conforme foi descrito em livro anterior da dupla de jornalistas sobre os ateliês de pintores paulistas.

De sol e de cores também não poderiam deixar de falar os poetas que observam a produção do arquiteto, que não queria construir nada além de arte. No poema “claudio tozzi: cor pigmento luz” (assim mesmo, tudo em letras minúsculas), Haroldo de Campos (no original também em minúsculas) proclama:

A cor
pensa a cor
a cor da cor
se transparenta
e é luz

pensar a luz
a luz da luz
se fragmenta
e é cor

a palavra cor
na cor
a palavra da luz
na luz


O poema prossegue em mais seis fragmentos. Mas aqui cederá lugar a outro poeta, Flávio Império, que em texto sem título diz:

Claudio é uma cabeça limpa de pintor contemporâneo, sabe ver sabe prever e, principalmente, sintetizar. A mão não é seu faceirismo, aparentemente ausente ela se ocupa de mil tarefas ocultas” auxiliares paralelas nos muitos gestos de construir.

Quem quiser entender e apreciar o olhar de críticos de arte, professores e de outros artistas sobre Tozzi, leia a última parte, e bem extensa, do livro de Leila e Giovannetti. Lá estão Mario Schenberg, Daisy Peccinini, Aracy Amaral, Fábio Magalhães, Nelson Aguiar, Jacob Klintowitz, Olgária Matos, Victor Knoll, Iolanda Húngaro, Elza Ajzemberg, Issao Minami, Júlio Moreno, Marcello Rollemberg, Sérgio Ferro, Paulo de Tarso Venceslau, Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Tomie Ohtake, Wesley Duke Lee, Luiz Paulo Baravelli, Arcângelo Ianelli, Aldemir Martins, Cristiano Mascaro, Yara Nagelschmidt, Benedito Lima de Toledo e José Roberto Aguiar (nomes todos propositalmente sem mais indicações, para que os críticos se confundam com o povo a quem a arte de Tozzi se dirige prioritariamente).


Schenberg, físico de renome internacional, militante político e crítico de arte, dirigindo-se a Tozzi, escreveu: ”Você sofre a influência da arte geométrica, mas agora está tentando transformar essa arte numa coisa vibrante, mais sensorial. Aliás, esse processo foi um pouco do que se deu internacionalmente. Depois do abstracionismo geométrico, os artistas passaram para o expressionismo abstrato, uma retomada de Monet, procurando a cor como energia. Você está buscando uma síntese do expressionismo abstrato e da construção geométrica, que pode ser uma tentativa de sintetizar grande parte da arte do século 20”. Depois disso, o físico e crítico reconhece que a interpretação da arte tem muito de subjetivo, e até o artista, “quando olha o próprio quadro, ele o faz condicionado pela sua personalidade. Outra pessoa olha para o quadro e vê outra coisa diferente”. Isso vale também para gerações diferentes. Schenberg conclui: “A arte, a partir de um determinado momento, se torna independente do artista, tem sua própria história”. Quem fizer uma pesquisa nas ruas de São Paulo, agora ou daqui a um século, certamente encontrará milhares de opiniões diferentes sobre a obra de Claudio Tozzi. Diferentes, mas não no entendimento de que um parafuso é um instrumento de tensão e de tortura, física ou mental.

A arte politicamente engajada de Tozzi fustigou a ditadura militar brasileira, do mesmo modo que faziam os artistas da música popular, do teatro, do cinema. Atualmente, ele se preocupa mais com a forma, com o equilíbrio da pintura, mantendo como tema preferencial a cidade e a arte pública. Mesmo que São Paulo tenha mudado muito em 40 anos, invadida por prédios, com bairros semidestruídos, violenta, superpovoada e carente de planejamento, “nada muda em relação à arte”. Pelo menos em relação à sua arte, que, ele tem certeza, continuará viva graças também aos seus alunos, que agora mesmo têm uma exposição na FAU.


A arte e a metrópole

Em artigo integrado ao livro de Leila e Giovanetti, intitulado “Por uma cidade viva. E mais poética”, o professor Claudio Tozzi fala sobre seu conceito de cidade e projetos para a sua gestão, estimulando um crescer ordenado e novas relações com a natureza e com o social. “É pois (a cidade) um organismo vivo, e cada sulco, cada via que se constrói, implica a abertura de um novo espaço. Relações de cheios e vazios, que determinam a sua fluidez e beleza. São intersecções que orientam os fluxos simbólicos no espaço da metrópole; resgatar para a cidade a leveza, a luz, a cor, os limites, as formas... Organizar seus espaços, montar sua poética, projetar sistemas de informação e equipamentos urbanos, integrar as artes plásticas a este novo sistema; questões amplas, para o contexto do ato de intervir na cidade.”

Segundo o artista, “a questão específica do designer e programador visual é propor sistemas de objetos e signos de informações, criar uma semiótica urbana que se integre na conceituação ampla da cidade e não somente resolva questões que atuam num território restrito”.

Por isso, “é necessário que o designer, o arquiteto e o artista plástico se integrem num processo de trabalho interdisciplinar. E sua formação deve ser ampla de informações tecnológicas e conhecimento de valores humanos, abrangendo questões que extrapolem o simples ato de criar ou de projetar um objeto isolado. A cidade passa a ser um sistema único, seu desenho integrado, que resulta num ambiente mais propício ao desenvolvimento do homem em suas relações sociais e com a natureza”.

O artista e professor conclui que “esta unidade de ação de pensamento, da arquitetura e da pintura, pode determinar uma arte única e resolver as questões entre uma e outra”.

 

ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]