
As ruínas do Engenho São Jorge dos Erasmos,
localizadas em Santos, estão entre as mais antigas construções
coloniais brasileiras, contemporâneas do início da
ocupação e exploração européia
das terras indígenas do litoral brasileiro. Essas ruínas
deram origem a projetos de arqueologia que vêm trazendo à
tona a importância do monumento para a história antiga
brasileira.
Uma das propostas é a dissertação de mestrado
de Silvio Cordeiro, intitulada A paisagem histórica
do sítio arqueológico do Engenho dos Erasmos
Perspectivas educativas em torno do monumento quinhentista,
que deverá ser apresentada em 2006 ao Museu de Arqueologia
e Etnologia (MAE), sob orientação da professora Elaine
Farias de Veloso Hirata. Esse projeto teve origem numa proposta
de pesquisa maior, financiada pela Fapesp, denominada Engenho
São Jorge dos Erasmos Estudos de arqueologia da paisagem,
que se subdivide em quatro módulos: escavação,
georreferenciamento, consolidação documental e ação
educativa. O projeto de Cordeiro faz parte do módulo ação
educativa, envolvendo um grupo de 12 jovens da Escola Estadual Professora
Gracinda Maria Ferreira, também localizada em Santos.
Cordeiro busca, através da produção de um vídeo,
construir e difundir o conhecimento para a comunidade do entorno
do sítio arqueológico, a partir de exercícios
de desconstrução e reconstrução de narrativas
históricas entre os jovens. Para isso, estabeleceu uma oficina
de vídeo que aconteceu durante dez meses, com três
encontros mensais, algumas vezes no próprio engenho, outras
vezes na escola, situada no mesmo bairro, próximo das ruínas.
Usando o vídeo como instrumental, o trabalho fluiu
através de diversas atividades que estimularam as pessoas
a perceber e reconhecer com outros olhos o conjunto de vestígios
arqueológicos na paisagem histórica do lugar onde
vivem, ressalta Cordeiro.
O objetivo era que os jovens assumissem uma nova postura diante
do sítio arqueológico, considerado patrimônio
histórico brasileiro, redescobrindo-o como um testemunho
vivo de uma história que se faz contínua e não
mais presa ao passado. Queríamos promover a redescoberta
das ruínas através da educação do olhar,
permitindo que se ultrapasse o tom contemplativo e o reconhecimento
do monumento apenas enquanto vestígio de um passado remoto,
diz Cordeiro. Buscamos, através da oficina com os jovens,
o despertar de um olhar curioso e crítico, que desvende as
narrativas por trás do objeto arquitetônico, possibilitando
uma amplitude de compreensões e questionamentos acerca da
história do lugar.

Engenho
dos Erasmos, em Santos: informação histórica
para os moradores
Redescoberta
As oficinas eram compostas de exercícios de percepção
da paisagem, sua transformação no tempo e a interpretação
do conjunto remanescente através da arqueologia do sítio,
bem como de continuadas discussões sobre o usufruto do monumento
para a comunidade.
O documentário, denominado Engenho dos Erasmos: Imagens da
redescoberta, atualmente é utilizado em atividades de ensino
e vem confirmando a importância da narrativa do vídeo
e da exploração do recurso audiovisual como instrumento
didático e de estímulo ao debate. O nome tem
a ver com a redescoberta, pelos jovens, do espaço ocupado
que os circunda e nunca antes havia sido visitado. Essa é
uma maneira de ver a arqueologia como uma atitude política.
A arqueologia, como uma ciência social, também pode
contribuir para uma mudança social, acredita Cordeiro.
Ao mesmo tempo em que tem o status privilegiado de patrimônio
cultural, o engenho está localizado na maior área
de exclusão social de Santos.
Já Arqueologia dos Erasmos, um videodocumentário também
produzido por Cordeiro, registra as escavações num
antigo cemitério existente na área do engenho, durante
os meses de abril e maio de 2003. O vídeo documentou as informações
coletadas em campo pela equipe de arqueólogos do MAE, ao
lado de outros registros, como fotografias e desenhos. São
depoimentos dos arqueólogos envolvidos na escavação
que descobriu crânios datados do fim do século 16.
Um registro interessante, segundo Cordeiro, foi o relato do Conde
Baudoin DÚrsel, descendente dos Schetz, representando
a 14a geração da família Erasmus Schetz, que
no século 16 era a proprietária do engenho. O
Conde gentilmente forneceu imagens de seus ancestrais mercadores,
inclusive um retrato inédito do próprio Erasmus,
conta.
Essa coleta de imagens e entrevistas foi possível graças
a uma viagem empreendida à região flamenga da Bélgica,
em junho de 2003, com recursos do Fundo de Cultura e Extensão
Universitária da USP, sob orientação do consultor
convidado do projeto, o historiador belga Eddy Stols, da Universidade
Católica de Louvain.
Segundo
Cordeiro, o projeto de documentação audiovisual pretende
contribuir para a discussão de um tema importante da arqueologia
histórica, na medida em que aborda um conjunto de documentos,
tanto escritos como arqueológicos, possibilitando avançar
na constituição de uma abordagem própria, de
cunho educativo, levando a história antiga brasileira a compor
a história da humanidade. Queremos, com essa proposta
educativa, construir no presente o conhecimento sobre o passado,
mas com ênfase na experiência participativa, abrindo-se
essa construção à comunidade do entorno do
sítio arqueológico histórico do Engenho dos
Erasmos, relata.
Para o mestrando, a iniciativa de trabalhar, em seu mestrado, a
questão da linguagem através do audiovisual busca
criar um processo que estimule e propicie o diálogo com a
comunidade, tanto na construção do conhecimento quanto
na difusão. Essa oportunidade me abriu a perspectiva
de elaborar um método educativo de inserção
dos trabalhos arqueológicos realizados em campo para constituir
um diálogo com as comunidades do entorno, esclarece.
A produção do videodocumentário teve apoio
da Fapesp, da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
da USP e do Conselho Curador do Engenho dos Erasmos, através
da professora Maria Cecília Lourenço França.

Curso
de pós deu origem a livro
Ao
cursar a disciplina Tendências Atuais da Arqueologia
Histórica, ministrada pelo professor Pedro Paulo Funari,
Silvio Cordeiro formado em arquitetura pela Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP teve a oportunidade
de participar como autor de um dos artigos que compõem
o livro Estudos de arqueologia histórica, organizado
por Funari e pelo mestrando Everson Paulo Fogolari.
O livro é resultado das discussões decorrentes
da disciplina, procurando compor artigos que lidam com a documentação
escrita e arqueológica ao mesmo tempo. Divide-se em
três grandes temas: teoria e metodologia, mediterrâneo
antigo e mundo moderno.
Segundo Funari, o livro demonstra como as discussões
epistemológicas em curso, em termos mundiais, incorporam-se
nas pesquisas de jovens pesquisadores brasileiros, que, ainda
em formação, já demonstram espírito
aberto às grandes questões contemporâneas
da arqueologia.
Para os alunos participantes, foi um grande incentivo. Como
ressalta Funari, o principal problema do aluno de pós-graduação
é não conseguir ver relação entre
a disciplina cursada e o trabalho de pesquisa. Ao produzir
um texto com forma e conteúdo acadêmicos, os
alunos tiveram oportunidade de estabelecer um exercício
de aprendizado e aprimoramento do seu trabalho de pesquisa.
O livro pode ser adquirido pelo telefone 3862-5594, com Silvio
Cordeiro.
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