A
professora Suely Vilela entende que cada reitor da USP deve criar
e legar para a posteridade modelos de administração.
O seu será um modelo de gestão ousada e diferenciada,
com base no planejamento estratégico a longo prazo, destinado
à produção de conhecimento, tecnologia e patentes;
em parcerias e convênios com instituições estrangeiras
de renome, que envolvam ensino e pesquisa inclusive no nível
da graduação; na contratação de professores
pelo critério de projeto acadêmico, não apenas
pela carga didática; no trabalho mais direto com alunos da
escola pública e minorias étnicas que se preparam
para entrar no ensino superior; e na recuperação do
papel acadêmico do Conselho Universitário, ao qual
cabe, na opinião da reitora, definir políticas de
planejamento e participar da política nacional. Se o Estatuto
da Universidade é obstáculo, que se discuta a mudança
do Estatuto. Para garantir a expansão de cursos e vagas,
como se fez na zona leste, no caso da USP, o Conselho de Reitores
reivindica do governador um acréscimo à parcela do
ICMS destinado às três universidades estaduais, talvez
por meio de lei específica. A USP Leste tem para 2006 recursos
extra-orçamentários da ordem de R$ 18,5 milhões
e previsão para 2007. O Jornal da USP conversou com a reitora
quarta-feira (7), no seu gabinete.
Jornal
da USP No seu programa de candidata a reitora a senhora
defendeu ações afirmativas de inclusão, adaptando
a vocação acadêmica da Universidade às
novas demandas sociais. Que ações serão essas?
Suely Vilela Os números que temos indicam baixa
população de negros na Universidade, e há também
a questão socioeconômica. Portanto, a inclusão
é étnica e econômica e a USP precisa avançar
nisso. Apesar do aumento do número de vagas e com
a USP Leste aumentamos a inclusão tanto étnica quanto
socioeconômica , o atendimento pleno ainda está
aquém das possibilidades. Nossa meta é investir significativamente
nessa direção. Como fazer? Melhorando a qualidade
do ensino médio e fundamental. Vamos criar cursos, tanto
pró-universitários como pré-universitários,
atuando diretamente com o aluno, dando aulas, reforçando
e qualificando professores. Já temos experiência nesse
campo, mas queremos fazer em dimensão maior. E aí
são necessários recursos extra-orçamentários
e parcerias. Nosso modelo de inclusão são ações
afirmativas como essas. São exemplos disso a isenção
de taxa de inscrições no vestibular, que este ano
foi significativa, a inclusão de portadores de deficiência
física e a adequação dos espaços para
lhes facilitar o acesso.
JUSP
A senhora se referiu a cota com mérito.
O que é cota com mérito?
Suely Cota no sentido tradicional é reservar
vagas e simplesmente colocar a pessoa aí. Nós não
entendemos assim. Cota com mérito é, por exemplo,
você dar peso diferente para quem veio da escola pública.
Então, vai haver um processo seletivo no vestibular, depois
poderá haver pontuações para determinadas classes.
Isto é, você atribui peso diferenciado para determinados
segmentos. Cota terá critérios de avaliação.
JUSP A senhora insiste em maior internacionalização
da Universidade. Com que meios e ações pretende alcançar
essa meta?
Suely A USP já tem inserção internacional
significativa. Queremos estabelecer o maior número possível
de convênios. Hoje temos parcerias informais, mas de convênios
estabelecidos o número é muito pequeno. Queremos avançar
nesse processo de formalização, porque, ao formalizar
um convênio, consegue-se agregar novos pesquisadores e também
novos alunos. Cria-se novo grupo de pesquisa, não se limitando
àquele indivíduo que tem relacionamento internacional.
Mais: queremos integrar a graduação, a pós-graduação
e a pesquisa. Atualmente, a internacionalização está
mais concentrada na pesquisa e na pós-graduação.
Temos também algumas áreas, como a engenharia, com
alunos da graduação. Querem trazer ao projeto de internacionalização
a CCInt, para estar mais articulada com as pró-reitorias.
Quando faço convênio para realizar um projeto de pesquisa,
obviamente quero colocar aluno pós-graduando, principalmente,
trabalhar com a questão da co-tutela. Nosso objetivo é
a co-tutela, em que o aluno faz estágio de quatro meses a
um ano. Queremos a graduação no mesmo formato: ao
se estabelecer contato com um professor estrangeiro, já trazê-lo
para a graduação. Importante dizer que, além
dos projetos de pesquisa em colaboração e focando
a co-tutela, queremos criar programas de pós-graduação
internacionais. Hoje temos programas de pós com nível
de inserção internacional; queremos criar programas
conjuntos em que a massa crítica sejam professores tanto
do Brasil quanto da universidade estrangeira. O grau de internacionalização
de algumas áreas já permite ter uma meta com esses
programas internacionais de pós.
JUSP
No ranking elaborado pela Shangai Jiao Tong University a
USP fica em 196o lugar. O que isso significa para o projeto de internacionalizar
a Universidade?
Suely O fato de a USP estar entre as 200 melhores
universidades é um bom indicativo, mas devemos buscar a meta
de passar para uma posição melhor. Entendo que nesses
próximos quatro anos devemos buscar uma inserção
melhor. A Universidade Nacional do México, com grande número
de alunos, está mais bem colocada que a USP, mas é
uma questão de utilização de indicadores. Quando
você usa o indicador produção científica,
a USP fica em 45o lugar. Entendo que o reitor tem que buscar melhorar
a nossa posição, ampliar a liderança.
JUSP
No seu programa a senhora destaca o papel da Agência
USP de Inovação e menciona um núcleo de planejamento
estratégico. O que essas organizações são
e fazem?
Suely A Agência USP de Inovação,
criada na gestão do professor Melfi, é a que vai cuidar
de agregar inovação às nossas pesquisas. É
produção e transferência de tecnologia, isto
é, produção de patentes. Essa é uma
de nossas prioridades, a produção de patentes. O futuro
do País depende da inovação tecnológica;
se olharmos os rankings, o Brasil está melhorando, mas quando
se olha a questão das patentes, estamos sempre caindo nesse
ranking. Então, a agência vai estimular inclusive os
docentes a produzir pesquisa capaz de gerar patentes, e facilitar
os processos e mecanismos de produção. A agência
também se ocupa da parceria universidade-empresa, pois à
universidade compete criar recursos humanos e produzir o conhecimento,
e às empresas produzir tecnologia. A agência já
está estruturada e uma de suas finalidades são os
parques tecnológicos. Estamos trabalhando neles em São
Carlos, em Ribeirão Preto e São Paulo.
JUSP
E o núcleo de planejamento estratégico?
Suely Nós temos que deixar modelos. Cada reitor
que passa tem que estabelecer uma política, criar modelos,
que permaneçam por longo prazo. O planejamento estratégico
já está nas unidades, com suas metas para os próximos
cinco a dez anos, mas é necessário fazer isso em termos
de universidade. Há no Estatuto da USP uma comissão
de planejamento, o GPS (Grupo de Planejamento Setorial). Portanto,
o planejamento estratégico é um olhar de futuro para
os próximos cinco ou dez anos, principalmente na questão
da gestão, pois a Universidade, na medida que cresce, torna-se
mais complexa. Ela precisa caminhar na velocidade determinada pelas
atividades-fim.
JUSP
A USP Leste teve recursos especiais para sua construção.
Existe programação de recursos para garantir a conclusão
do campus e, talvez, ampliar as vagas?
Suely Temos para o ano 2006 recursos da ordem de R$
18,5 milhões para a USP Leste, extra-orçamentários,
concedidos pela Secretaria de Tecnologia, e temos previsão
para 2007. Estamos trabalhando agora na incorporação
de um acréscimo ao porcentual de 9,57% do ICMS das três
universidades oficiais. Entendo que isso deva ser trabalhado pelo
governador do Estado como lei específica, pois a matéria
foi retirada da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).
JUSP
Os cursos noturnos merecerão atenção
especial da reitora? Eles têm problemas?
Suely Devemos pensar num projeto pedagógico
para os cursos noturnos. Nossa preocupação é
garantir no noturno a mesma qualidade de formação
dos alunos do período integral. Para isso precisamos de investimento
em infra-estrutura. Durante o processo de discussão da sucessão,
ouvimos nas unidades reclamações até com relação
à qualidade dos cursos da noite. Daí por que é
necessário pensar num processo pedagógico; mas não
há nada ainda específico.
JUSP
E o ensino não-presencial?
Suely O que há efetivamente é um curso
de licenciatura semipresencial, com início previsto para
2007. Queremos trabalhar mais as tecnologias e metodologias do ensino
a distância para interligar os campi da USP e, ainda, expandir
o conhecimento para fora, extramuros. Reuniões podem ser
virtuais, feitas através de videoconferências, dispensando
viagens dispendiosas e cansativas, embora o contato pessoal seja
importante. Em termos de ensino a distância propriamente dito,
acho que demanda uma grande discussão. Temos algumas iniciativas,
como na pós-graduação, em que professores participam
de bancas por meio de videoconferências. Podemos ainda trabalhar
na questão das disciplinas, que, a partir da capital, estejam
abertas para o interior.
JUSP
A senhora também faz referência em seu programa
a um novo quadro docente. O que muda?
Suely Quero dizer o seguinte: como será a política
de renovação do quadro docente, a política
de contratação de professores? Nós queremos
que a contratação seja feita através de projetos
acadêmicos, não apenas pela carga didática,
que também é importante, mas o projeto acadêmico
é extremamente importante. Queremos trabalhar a questão
do aposentado, da aposentadoria compulsória. Antes de o professor
completar 70 anos, outro docente precisa ser preparado, por pelo
menos dois anos, para substituí-lo. Inclusive para não
haver prejuízo para a área da vaga.
JUSP
O seu programa anuncia propostas na carreira docente
e de funcionários. O que essas categorias podem esperar?
Suely Entendo que a carreira docente precisa ser debatida,
não apenas levando em conta a proposta do professor pleno,
como vem sendo colocado, mas também a possibilidade de outros
regimes de trabalho e sua flexibilização. Para os
funcionários está sendo aplicado esse novo modelo
de carreira. Vamos observar a experiência e fazer adequações,
sempre procurando desconectar a carreira do funcionário da
carreira do docente.
JUSP
Dois temas interligados: aposentadoria e previdência.
Suely A aposentadoria do professor na USP está
estabilizada. Desde 1998, o comprometimento do orçamento
com ela fica em torno de 23%. Obviamente, a questão da previdência
preocupa. Em setembro o governo apresentou a proposta SPPrevi, modelo
válido para todo o Estado. Hoje (quarta-feira, 7) está
prevista reunião dos procuradores das três universidades
(USP, Unesp e Unicamp) para analisar a proposta. Tema importantíssimo,
delicado, complexo, porque está previsto que nós não
seríamos mais responsáveis pelas aposentadorias dos
nossos professores, que passariam para esse fundo.
JUSP
Uma de suas propostas se refere ao papel do Conselho Universitário.
Pretende valorizar mais essa instância de decisão?
Suely Quando olho hoje uma pauta do Conselho Universitário
sinto que é desestimulante. Temos lá casos de alienação,
de recursos, alteração de regimentos, temas apenas
administrativos, eu diria. Entendo que o Co. tem papel maior, um
papel de definição de políticas, de planejamento
de longo prazo. Esse é o papel do conselho, mas o regimento,
o Estatuto da USP, não permite muito essa política.
Será necessário discutir a reforma do Estatuto. Vamos
apresentar proposta ao Conselho Universitário, de recuperar
o papel acadêmico, não só do Co., mas dos outros
colegiados e até dos conselhos dos departamentos. O Conselho
Universitário deve definir uma política geral para
a Universidade, sem omitir a inclusão social, e participar
da política nacional.
JUSP
A senhora já definiu a sua equipe? Poderia adiantar
alguns nomes?
Suely Não gostaria de adiantar nomes, porque
estou tendo uma visão sistêmica da Universidade, dos
diferentes cargos. Não quero fazer algo individualizado.
Só indicamos o chefe de Gabinete (professor Wanderley Messias
da Costa) e estamos olhando o organograma administrativo. Tenho
que ter o mapa global para compor a equipe. Obviamente, já
tenho praticamente 95% da equipe, mas continuo conversando. Definimos
alguns critérios, alguns indicadores; o primeiro é
a questão do currículo, depois a do envolvimento com
o projeto de gestão que apresentamos. São critérios
essenciais. Com certeza absoluta até sexta-feira (9) tenho
os nomes dos pró-reitores três estão
praticamente definidos, falta um, e estou conversando. Quando definir
os pró-reitores é porque já tenho definidos
os demais cargos. Claro que temos que levar em conta a questão
geográfica dos campi, e esse é o terceiro critério.
JUSP
A senhora espera encontrar oposição durante
sua gestão?
Suely Entendo que faz parte do processo de administrar
uma universidade do porte da USP ter aliados e oposição.
Isso faz parte do próprio crescimento. Opiniões divergentes
são importantes sempre que tenham o sentido de construir,
de melhorar a Universidade. Pretendo fazer uma gestão com
o sentido de agregar aqueles que não tenham me apoiado no
processo sucessório, mas que agora, tenho certeza, estão
pensando na Universidade de São Paulo. A nossa bandeira é
a USP, é também a do Conselho Universitário
e dos Conselhos Centrais. É nessa direção que
vou buscar aqueles que tenham alguma restrição ao
meu projeto.
JUSP
Qual será a marca de sua administração,
aquela pela qual a senhora gostaria de ser lembrada mais tarde?
Suely Eu diria que a questão da inclusão
social, que precisa avançar; a questão da tecnologia
e dos modelos. Quero deixar até um modelo de gestão,
ousado e diferenciado, porque é disso que a USP precisa.
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