PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO
  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Tozzi e o neto Arthur

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Decio Tozzi, D’Áuria Editora, livro que reúne os projetos do arquiteto. Tem 336 páginas com fotos e desenhos coloridos. Preço: R$ 230,00.


Na Capela da Fazenda Veneza, Decio Tozzi desenha o vazio e expressa a busca
da essência. Em todas as suas obras como o Fórum Trabalhista Ruy Barbosa,
a rua comercial Oliveira Lima e o altar que construiu em Maceió para a visita do papa João Paulo II, o arquiteto prioriza o encontro com a luz


E
u consegui desenhar o vazio – é assim que Decio Tozzi define a Capela da Fazenda Veneza, em Valinhos. Uma obra poética de 2002 que surpreende pela síntese, pela essência. Um haicai da arquitetura... Com essa composição – uma cobertura curva sobre quatro apoios laterais na beira de um lago, que se integra na natureza com a leveza de um pássaro – o professor da Faculdade de Arquitetura da USP e do Mackenzie insere na paisagem a liberdade de quem domina a técnica. Uma liberdade de quem ensina e aprende a missão de arquiteto há 45 anos.

“Arquitetura é luz, espaço e matéria.” Com esses elementos, Decio Tozzi vai transformando os espaços e expondo suas obras ao sol, ao vento, aos sonhos e convívio. Os edifícios, casas, escolas propiciam o encontro com a luz, diferente no decorrer do dia e das estações. É essa aventura que o livro Decio Tozzi, lançado pela Editora D’Áuria, apresenta, reunindo desde os primeiros projetos até os mais recentes, como os premiados Capela da Fazenda Veneza, Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, rua Comercial Oliveira Lima e Parque Villa-Lobos.

“Nesses anos de trabalho, percorri os mais diversos temas, desde a residência individual e tipos de edificações até a intervenção e propostas para a cidade, sempre tentando compreender e sugerir novos e mais abrangentes programas”, esclarece o arquiteto. “O método é claro e preciso – uma visão crítica, selecionadora, atenta e rigorosa, e um nível poético livre, inventivo, permeado de esperança. Por meio da análise crítica, procurei desenhar usando a técnica como uma forma de obter espaços de convívio humano que buscam a beleza e o diálogo saudável com a paisagem, certo de que essa postura se insere no caminho do desenvolvimento da arquitetura e da sociedade.”

Parque Villa-Lobos

Às margens do rio Pinheiros, bem em frente da raia olímpica da Cidade Universitária está o Parque Villa-Lobos, que atrai milhares de pessoas da região e de toda a cidade. “No começo da década de 1980, nos meus caminhos de ida e volta da FAU, sempre observava essa área imensa, que era um dos últimos vazios urbanos do centro expandido de São Paulo”, conta Tozzi. “De forte sinuosidade, essa antiga área de leito fluvial transformou-se após sua retificação numa várzea submetida ao regime intermitente e de grande periculosidade, acentuada quando seus proprietários propiciaram, com a retirada e comercialização de areia, a formação de lagoas nas áreas de escavação. Depois dessa exploração predatória, passou a receber entulhos de toda a natureza, transformando-se num grande bota-fora do lixo da cidade.”
Na tentativa de recuperar a área, o arquiteto propôs a construção do novo parque. “Desenhei um parque contemporâneo, dentro do conceito dos parques temáticos que além das áreas verdes e clareiras apresentam um programa onde a população usufrui da cultura e expressa sua sensibilidade.” Tozzi decidiu homenagear o centenário do compositor Heitor Villa-Lobos projetando um local com caráter musical, desde o ensino até a apresentação pública.

O projeto criado em 1987 foi inaugurado em 1994. “Desenhei um grande e denso bosque biodiversificado, composto por 50 mil árvores divididas entre 300 espécies e 12 clareiras gramadas destinadas ao uso livre da população. No centro, projetei uma área balizada por renques de palmeiras imperiais onde desenvolvi um paisagismo urbano composto por uma sucessão de pequenas praças com estares e árvores de sombra, que trazem o significado do paisagismo característico das praças e jardins urbanos das cidades brasileiras.”

Hoje, o público tem à disposição 350 mil metros quadrados de área verde com duas quadras poliesportivas e de tênis, campos de futebol, uma pista pavimentada para ciclistas, corredores e patinadores, anfiteatro e estacionamento com 730 vagas. “Os outros 350 mil metros quadrados de área verde deverão estar concluídos até o final de 2006, deixando delimitadas com gramado as áreas de implantação do centro de convivência musical e auditórios”, planeja Tozzi.


Transformar a cidade

O livro Decio Tozzi é uma aula para os estudantes e profissionais de arquitetura e urbanismo. As construções são evidenciadas com detalhes através de desenhos e fotos que levam a assinatura de Cristiano Mascaro e Julio Abe Wakahara entre outros profissionais. Porém, é importante também para o leitor em geral, para que possa compreender o desenho urbano, a importância da arquitetura na sociedade e observar ainda como nascem os projetos capazes de transformar a cidade. Um exemplo é o Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, inaugurado no ano passado, na avenida Marquês de São Vicente, que provocou uma mudança pontual em todo o entorno.

Decio Tozzi fez o projeto em parceria com Karla Albuquerque em um conceito sonhador, idealista. Através de um edifício com formas claras e simples, procurou dissociar da Justiça a imagem de servir só à elite. “Os tradicionais edifícios dos palácios de Justiça, até o início do século XX, caracterizavam-se por estruturas formais inspiradas no classicismo arquitetônico, conotando a idéia de monumentalidade suntuária”, observa Tozzi. “Além disso, os espaços solenes denotavam um aspecto que não significava somente a austeridade do poder, mas também sua autoridade, como se essa imagem autoritária da Justiça correspondesse à imagem da mesma forma autoritária.”

Tozzi e Karla conseguiram realizar um projeto que centralizou os diversos setores da Justiça Trabalhista, anteriormente espalhados pela cidade. “O edifício organizou os quatro blocos das varas judiciais, dois a dois, separados por espaços vazios de altura dupla, onde acontecem as atividades coletivas de apoio às cotidianas do complexo judiciário”, explica o arquiteto. O mais interessante é o grande espaço vazio central que integra todo o conjunto. Essa fluidez sugere a integração e transparência das atividades burocráticas. “O antigo hall solene, autoritário e majestoso encontra um novo significado, ou seja, a Praça da Justiça, desenhada como uma nova praça de São Paulo, pois o nível térreo apresenta as funções de restaurante, banco, centro telefônico, agência de correio, livraria e um auditório para 500 pessoas aberto à comunidade.”



A circulação é feita por 20 elevadores e todos os andares estão interligados por um sistema de rampas múltiplas que propiciam todo conforto para as 20 mil pessoas que diariamente demandam o fórum. “Esse espaço forma por sua escala e volumetria uma praça banhada de sol, mas protegida das chuvas e dos ventos.”
Apesar do idealismo do projeto, a construção do edifício teve a sua primeira fase envolvida em denúncias de desvio de dinheiro público. Mas Tozzi lembra que o importante é que os culpados foram punidos. E a arquitetura está clara, transparente, com o seu rendilhado de vidro, com as luzes que projetam, no decorrer do dia, diferentes texturas e, o mais importante, a proposta de convívio e concórdia.


Primeiros projetos

A busca da luz natural permeia as construções de Decio Tozzi desde o início de sua trajetória. A Escola Técnica do Comércio, a primeira escola profissionalizante da cidade de Santos, é um projeto de 1963 e já tem o conceito de sistema espacial aberto. “A leitura de sua arquitetura revela o desenho como resultado da intenção de domínio e transformação da natureza adversa da região, que apresenta excessiva luminosidade atmosférica e elevadas temperaturas”, esclarece o arquiteto. “Conseguimos captar a luz solar zenital por planos de reflexão e tubos condutores de luz, transformando a luminosidade excessiva em luz difusa interior, própria para o ensino e leitura.”

O livro traz ainda projetos de diversas casas. Todas com espaços amplos compondo um cenário que recepciona o jardim, a praça ou a cidade. A residência de Geraldo Abbondanza Neto, 1989, na Barra do Una, surpreende pelo efeito do plano diagonal que protege o espaço. “Desenhei uma cabana na praia com teto inclinado, protegendo contra o sol poente. Seu desenho destaca-se na paisagem na horizontalidade do relevo da praia. Este espaço amplo e generoso incentiva o convívio descontraído.”

Mesmo com ocupações, propostas, desenhos diferentes e apesar de estarem em lugares opostos, as obras do paulistano Decio Tozzi, 69 anos, reunidas no livro, dialogam entre si. Pela luz e poesia. A Capela da Fazenda, que recebeu diversos prêmios e foi publicada em livros e revistas de arquitetura de vários países, tem a mesma simplicidade do altar que construiu em Maceió, para a celebração da missa do papa João Paulo II, na sua visita em 1991. Através dessas construções que priorizam o desenho da paisagem, o arquiteto sintetiza o sonho da busca da essência.

“ Poucas vezes em minha vida de fotógrafo fui surpreendido por aparições”, conta Cristiano Mascaro. “No entanto, isto me aconteceu quando fui para Valinhos registrar a capela da Fazenda Veneza. Entusiasmado com a tarefa de fotografá-la, madruguei como obrigam as tarefas religiosas. Em meio à névoa e aos vapores d’água, me surpreendi com uma aparição. Era a capela com o risco branco da abóbada leve como uma folha de papel e a forma severa de uma cruz vermelha fincada no lago. Algo que me fez refletir a respeito da fé e do papel divino da arquitetura.”

 

ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]