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Costa: “Sem caixa preta”



P
ara selecionar dez mil alunos de 170 mil candidatos é preciso uma grande estrutura física, de pessoal e de material. Entre outras coisas, 7 milhões de folhas de papel tipo sulfite. Mas, o que mais impressiona é a técnica, ou a arte, de conseguir o máximo de objetividade na correção das provas dissertativas. Muito candidato a uma vaga na Universidade pode se perguntar se a sua aprovação, ou reprovação, depende da sorte, ou do azar, de a sua redação cair nas mãos de um professor mais ou menos rigoroso. Não depende, garante o professor Roberto Costa, coordenador e consultor de vestibulares e concursos da Fuvest, a fundação que há 30 anos realiza a seleção de alunos para a USP. Segundo ele, a correção da redação é um processo longo, de várias fases, que envolve critérios bem definidos e uma equipe de especialistas, e até de auditores que desempenham papel comparável ao de juízes de “um tribunal superior”.

Todos os papéis de um vestibular são guardados na sede da Fuvest por um ano, para a eventualidade de reclamação, ou mesmo recurso à Justiça, de algum candidato reprovado. Depois disso, são entregues ao USP Recicla, sempre com acompanhamento rigoroso da fundação, uma vez que uma parte das informações é sigilosa: a que diz respeito à condição socioeconômica das famílias, que o candidato informa na inscrição.

Muito papel

O vestibular realiza-se em três etapas: a inscrição, que na última versão teve cerca de 170 mil candidatos; as provas da primeira fase, com aproximadamente o mesmo número de interessados; e a segunda fase, já afunilada para cerca de 30 mil. Só na segunda fase a Fuvest imprime cerca de 110 mil provas correspondentes às diversas matérias pedidas, e cada prova de redação exige cópias para uso dos vários professores encarregados de corrigi-la. As 7 milhões de folhas necessárias para todo o processo não incluem os manuais (do candidato, guia das profissões, relação de escolas de segundo grau), que são impressos no Diário Oficial.

A necessidade de sigilo obriga a algumas medidas de segurança. Por exemplo, todas as provas da primeira fase são impressas no edifício da fundação; antes, isso ficava a cargo da Imprensa Oficial, em ambiente, segundo o coordenador Roberto Costa, de difícil controle, em razão da intensa circulação de pessoas e múltiplas atividades lá exercidas. Outra precaução diz respeito à guarda do material durante o ano, que é gerenciada pelo Centro de Processamento de Dados e o acesso ao local é restrito a poucas pessoas.

O processo de guarda sofreu evolução rápida com o aparecimento do computador. Dos primeiros anos da Fuvest até 1995 ficaram arquivadas apenas as notas dos candidatos; de lá para cá, são gravados os textos das provas e a primeira capa, que contém as notas de cada questão. “Se o candidato pedir a redação de três anos atrás, podemos resgatar o texto”, afirma Roberto Costa. Segundo o coordenador, também mudou muito a relação da Fuvest com o seu público. “Aqui não existe caixa preta”, garante, e todo candidato que quiser tirar dúvidas é bem recebido e atendido. Recursos à Justiça não têm havido, mas de vez em quando um candidato quer saber por que o número de pontos que a Fuvest lhe deu não bate com os seus próprios cálculos. Depois de verificar a sua prova, acaba reconhecendo que se enganou na resposta ou marcou em quadradinho errado. Nesse caso, não há o que fazer, pois “o computador é implacável”.

O coordenador dos vestibulares assegura que nunca houve uma fraude, “pelo menos que se saiba”. As questões são preparadas por professores, muitos da própria USP, de total confiança, e apenas duas pessoas lêem toda a prova antes da aplicação – ele e a professora Maria Tereza Fraga Rocco, vice-diretora da Fuvest. Por muitas outras leituras de professores da equipe passam as questões escolhidas, mas sempre em partes. O objetivo é garantir exatidão e clareza, cuidado fundamental, pois a dubiedade ou a possibilidade de dupla resposta podem levar à anulação da questão. Como algumas vezes acontece.

Redação

Se a correção das provas da primeira fase, com respostas de múltipla escolha, fica por conta do computador, a da segunda fase, especialmente a redação, exige a participação de uma equipe de aproximadamente 200 pessoas. Ninguém leva a prova para a sua casa? “Deus me livre”, responde o coordenador. A correção é sempre feita na sede da Fuvest. São professores treinados para a tarefa e cada um corrige apenas uma das cinco páginas. Isto significa que cada prova passa por cinco docentes, depois ainda tem a recorreção. Uma parte deles encarrega-se da correção das questões relativas às disciplinas de sua área abrangidas pelo vestibular (matemática, física, química, biologia, história, geografia, inglês), mas a redação é um caso especial. E longo. Primeiro, um professor avalia a prova sob três aspectos: tema e desenvolvimento, estrutura e expressão. Cada quesito recebe nota de zero a quatro. Em seguida, a mesma redação, mas em outra cópia, vai para outro professor, que repete o processo. As notas de ambos são comparadas e se houver entre elas diferença maior do que um certo número de pontos fixados pela Fuvest, entra a parte dos auditores, “uma espécie de tribunal superior”, composto de professores de grande competência e experiência, que vai resolver a pendência. Os auditores trabalham em conjunto, lêem a mesma prova, cada um na sua tela, analisam as notas dos professores que primeiro avaliaram aquela redação e de comum acordo fixam a nota final. Para demonstrar a justeza do processo adotado pela Fuvest, o professor Roberto Costa lembra que apenas três por cento das provas de redação vão parar na mesa dos auditores. “Há casos de professores que corrigiram mil provas de redação e tiveram apenas cinco erros”, diz o coordenador. Na outra ponta, os que cometem grande número de erros estão sujeitos a dar lugar a outros, no vestibular seguinte.

Nem todos os docentes escolhidos pela Fuvest são da USP. A fundação tem recrutado também docentes de universidades particulares e da rede pública de ensino, especialmente no caso da correção da prova de Português.

Volta e meia, programas de auditório de TV brincam com respostas ridículas atribuídas a vestibulandos. Roberto Costa garante que nenhuma dessas piadas sai da Fuvest, que respeita o sigilo, sem contar ainda que quem corrige as provas não conhece o autor da redação, identificado no papel apenas por um número.

Mudanças

A Fuvest está analisando com a Reitoria e a Pró-Reitoria de Graduação da USP mudanças no sistema de vestibular. A pró-reitora Selma Garrido Pimenta, que foi diretora da Faculdade de Educação, diz que é necessário adequar o vestibular aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), normas dos anos 90 destinadas a nortear o ensino médio no País, “patamar desejável de formação para todas as áreas”. Segundo Selma, atualmente existem algumas distorções, sendo uma delas a interlocução básica com os cursinhos. A adequação da Fuvest aos parâmetros curriculares oficiais concorreria, segundo a pró-reitora, para que as escolas do ensino público também cumprissem as normas federais e seus alunos pudessem concorrer em igualdade de condições com os da escola privada.

O coordenador da Fuvest diz que as provas dos vestibulares “seguem os Parâmetros Curriculares Nacionais até certo ponto”, mas está convencido de que não podem ser nem muito difíceis nem muito fáceis. “São calibradas para a proposta da USP.” Afirma que a fundação monta uma prova média, capaz de classificar corretamente alunos para a Universidade, mas não é possível alcançar a perfeição e às vezes há surpresas. De qualquer modo, admite que do diálogo com a Reitoria sairá a definição de mudanças no vestibular ainda este ano.


 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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