A TV Digital no Brasil está
entre três padrões: opções que mudam
a forma de assistir televisão
A
discussão sobre qual o padrão tecnológico de
TV digital (japonês, europeu ou americano) a ser adotado no
Brasil continua acirrada. Depois de entregue o relatório
com os resultados da primeira fase da pesquisa do Sistema Brasileiro
de TV Digital, pelos 22 consórcios de universidades públicas
e privadas, no final do ano passado, o ministro das Comunicações,
Hélio Costa, afirmou que a TV digital entrará em operação
comercial no dia 7 de setembro deste ano, o que preocupa pesquisadores
da área, que consideram muito cedo para ocorrer essa transmissão.
O jornalista Pedro Ortiz, diretor da TV USP, afirma que a TV digital
não muda apenas a forma de produzir televisão, mas
também a transmissão e a recepção. Ela
vai alterar todo o mercado televisivo, a produção
de aparelhos e equipamentos, a produção de conteúdo,
a transmissão e a recepção. No longo prazo,
tudo o que se tem de televisão analógica hoje vai
ficar obsoleto.
O conceito também é outra mudança radical,
destaca Ortiz. A forma de produzir e assistir à TV não
será mais a mesma. Nesse sentido, pensar e elaborar políticas
claras para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital é
uma premissa básica. É preciso contemplar todas as
áreas: política industrial (componentes, aparelhos
de TV e sistema de conversão), econômica e social;
a questão tecnológica do software; do middleware (os
aplicativos, ou seja interfaces para interatividade, para a utilização
de internet via televisão digital); e do hardware
equipamentos para produzir e transmitir. A mudança
é enorme. Mudam as relações das produtoras
de conteúdo para TV e também da recepção.
A TV digital oferece uma série de possibilidades que não
é só um novo sinal de TV no ar, mas a questão
da interatividade, do aumento no número de canais de áudio,
de internet, explica Ortiz.
O SBTVD foi pensado para contemplar essas várias faces da
nova televisão. Ortiz ressalta que um dos objetivos desse
sistema é procurar desenvolver no Brasil um padrão
para a TV digital que envolva o sistema todo: transmissão,
emissão e recepção. Poderíamos
desenvolver tecnologia para nos adaptar a um dos padrões
internacionais já existentes ou um padrão brasileiro
próprio, o que levaria mais tempo.
Confusão
Para o professor Almir Almas, do Departamento de Cinema, Rádio
e Televisão da Escola de Comunicações e Artes
(ECA) da USP, que em 2005 defendeu tese de doutorado na PUC sobre
Televisão digital terrestre: sistemas, padrões
e modelos, há muita confusão entre o que é
sistema, padrão e modelo. É preciso deixar isso
claro. A discussão sobre se o padrão será japonês,
europeu ou americano é um conjunto de regras de padronizações
tecnológicas que compõem o padrão técnico
para a TV digital. Por exemplo, há um padrão técnico
para transmissão e para digitalizar o material, entre outros.
É uma discussão mais sobre o hardware.
O que tem que ser bem brasileiro é o modelo. Isso significa
regulamentar como esse novo sistema digital vai funcionar para atender
à área tecnológica, de produção
de conteúdo e do espectador que está na outra ponta
do modelo. Almas ressalta que, ao se falar no modelo de TV digital,
é preciso pensar que o modelo brasileiro é de televisão
aberta, o que significa que mais de 90% dos lares no Brasil recebem
sinal aberto via antena, gratuitamente. Almas acha que a discussão
do modelo deve vir primeiro do que a do padrão, pois só
assim fica mais fácil saber qual deles atende às reivindicações
do modelo brasileiro de TV digital.
Ao contrário de Almas, o professor Marcelo Knörich Zuffo,
coordenador do Laboratório de Sistemas Integráveis
(LSI) da Escola Politécnica, acha que o governo está
trilhando o caminho correto. Definir o modelo tecnológico
é fundamental porque ele explora onde podemos ir com os serviços
até os próximos 30 anos e explora a racionalização
de um bem esgotável. Estamos na transição do
modelo tecnológico para o modelo de serviços. Aí
entra todo o debate do conteúdo que vai explorar ao máximo
a tecnologia.
No entanto, Zuffo ainda acha que falta mais diálogo por parte
do Ministério das Comunicações para se chegar
a um consenso, embora o governo tenha acertado ao baixar o decreto
4.901, criando a rede de cooperação de pesquisa em
TV digital. Dos países emergentes como Rússia,
Índia, China e México, o Brasil é o que tem
atacado de forma mais coerente no domínio público
e privado. Também criou, a partir desse decreto, oportunidades
de movimentação das universidades, o que aumentou
a qualidade do debate, diz o professor. Os achismos,
as mudanças de foco se mostraram equivocadas. As etapas que
têm sido seguidas, como a definição do modelo
tecnológico e de serviços, são para equacionar
as políticas de geração de conteúdo.
Primeira
transmissão
O que deixa o jornalista Pedro Ortiz preocupado é o fato
de o governo ter determinado a data de 7 de setembro deste ano para
a primeira transmissão da TV digital. Quando começarem
as transmissões, os mesmos canais vão continuar sendo
transmitidos por sinais analógicos e sinais digitais. Cada
um de nós, em casa, se quiser, não vai precisar comprar
o conversor, mas à medida que os canais digitais forem se
ampliando e oferecendo outros serviços, como interatividade,
governo eletrônico, transmissão de dados, internet
etc., quem quiser ter acesso a esses serviços via TV digital
vai ter que comprar o conversor, explica.
É nessa questão do desenvolvimento do conversor e
de outras interfaces para a nova televisão que entra o Laboratório
de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica, unidade
que liderou um consórcio de universidades públicas
e privadas e que, no final de 2005, apresentou documento ao ministro
Hélio Costa durante evento ocorrido na Poli.
Naquele evento, Zuffo e a equipe do consórcio demonstraram
que os pesquisadores brasileiros podem chegar muito longe, como
acontece com a questão da internet via televisão.
Temos recomendado, por exemplo, a tecnologia de endereçamento
IPV6, um novo protocolo na internet. Também recomendamos
um outro padrão de controle remoto para aplicações
de inclusão digital, com um baixíssimo custo, desenvolvido
inteiramente em parceria, numa rede de colaboração,
para chegar à conclusão de que o melhor controle remoto
é um que custa R$ 3, inclusive com recurso de mouse que estamos
patenteando.
Três
padrões em disputa
A
seguir, as principais características dos padrões
americano, europeu e japonês de TV digital.
Americano
Utiliza o modelo ATSC (sigla em inglês para Comitê
para Sistema de TV Avançada). Seu principal atrativo
é a alta definição da imagem. É
considerado o mais robusto, ideal para transmissão
em alta definição, mas é o menos desenvolvido
no quesito mobilidade: existe a necessidade de instalação
de equalizadores para recepção do sinal em situações
de multipercurso ou seja, caminhos diferentes resultam
em intervalos em tempos diferenciados no receptor. Um fator
importante na definição do modelo foi a falta
de interesse das redes de TV aberta em permitir maior participação
dos usuários na definição da programação.
Como grande parte da sociedade americana já tem acesso
à TV por assinatura e à internet, a multiprogramação
e a interatividade não eram prioridades.
Europeu
O modelo desenvolvido é o DVB (sigla em inglês
para Transmissão em Vídeo Digital). Privilegia
a múltipla programação, a interatividade
e novos serviços. É mais imune aos problemas
de multipercurso apresentados pelo ATSC. Existem no mercado
três especificações: DVB-T (transmissão
terrestre), DVB-C (por cabo) e DVB-S (via satélite).
A Comissão Européia propôs 2012 como data
limite para que todos os países da União Européia
passem a transmitir somente sinais digitais.
Japonês
O sistema ISDB (Transmissão Digital de Sistemas
Integrados) tem como vantagem a integração de
serviços. O padrão japonês foi pensado
para transmitir sinais de vídeo não só
para aparelhos de TV tradicionais, mas também para
celulares e demais equipamentos móveis, unindo a qualidade
da transmissão em alta definição à
portabilidade em terminais móveis como celulares e
palm tops. Por ter sido o último padrão desenvolvido,
na opinião de muitos técnicos é superior
aos demais. É também o mais próximo da
transmissão de informações multímidia,
uma das características que o padrão escolhido
para o Brasil deverá atender mas é também
o mais caro em investimentos
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