Falta de planejamento integrado para o futuro. Esse é
o mal de que padece o setor energético brasileiro. O diagnóstico
é de especialistas da Escola Politécnica da USP, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Unicamp, convidados
a participar do debate da série Desafio Brasil,
que desta vez tratará de energia. O debate, uma iniciativa
do Canal Universitário (CNU) em parceria com a Rede Globo,
acontecerá nesta terça-feira, dia 18, às 20
horas, na Cidade Universitária, e será transmitido
ao vivo pela TV USP.
O que existe é a necessidade de se definir um planejamento
energético global no Brasil, afirma o professor Marco
Antonio Saidel, coordenador do Grupo de Energia do Departamento
de Engenharia e Automação Elétricas (Gepea)
da Escola Politécnica da USP. Ele explica que o que se tem
é um planejamento individual. O Brasil possui, basicamente,
dois setores energéticos, explica o professor: de um lado,
o petróleo, controlado principalmente pela Petrobras e fornecedor
da chamada energia de transportes, que vive um momento de razoável
abundância; de outro lado, o elétrico, que tem sua
fonte maior na água e vive uma situação mais
complicada desde a crise de abastecimento ocorrida em 2002. Cada
um desses dois setores faz seu planejamento, mas de forma separada,
cada um por si. Fica faltando a integração.
Passado
A pouca análise que se faz em escala nacional, explica o
professor Lineu Belico dos Reis, do Departamento de Engenharia e
Automação Elétricas da Escola Politécnica
da USP, não se debruça sobre o futuro, mas sobre o
passado. O que se tem é um balanço do último
ano e dos últimos 15 anos, conta, referindo-se ao Balanço
Energético Nacional elaborado pelo Ministério de Minas
e Energia. Não que esse balanço não seja importante,
mas o ideal é contabilizar o passado, analisar o presente
para projetar o futuro de forma eficaz, acrescenta.
A chave dessa contabilidade é a chamada matriz
energética. O termo matriz se refere tanto ao levantamento
da oferta e do consumo de cada tipo de energia no País quanto
à reflexão e planejamento gerado pela análise
desse documento. A matriz é um instrumento que permite
você relacionar todas as fontes e recursos naturais que estão
sendo utilizadas para produzir energia com as diversas áreas
de consumo, explica Belico. Segundo ele e Saidel, o que falta
ao Brasil no momento é dar o próximo passo rumo ao
planejamento em longo prazo para completar, de fato, a matriz energética
brasileira.
O que mais se aproxima hoje de uma matriz brasileira é
ironicamente produzida fora do Brasil, por estrangeiros, estranha
Belico, referindo-se a duas agências internacionais que fazem
prospecção em energia sobre o Brasil e outros países
emergentes do mundo. Se você entrar nessas agências,
vai ver a matriz brasileira para daqui a 25 ou 30 anos. Só
que quem criou o cenário foram eles, com informações
brasileiras, explica. As agências em questão
são a Energy Information Agency, norte-americana, e a International
Energy Agency, controlada por diversos países desenvolvidos.
As conseqüências dessa falta de planejamento são
muitas e passam inclusive por novos riscos de falta de energia elétrica.
Temos, hoje, um risco anunciado do setor elétrico para
2010 ou 2011, alerta Saidel, lembrando que a data não
é exata e depende de diversos fatores, como o crescimento
nacional.
Mas as implicações vão muito mais além
e se refletem de maneira mais intensa no setor elétrico.
Há uma luz amarela no setor elétrico que significa
alerta, explica o professor Roberto Schaeffer, do Programa
de Planejamento Energético da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, também convidado para o debate desta terça-feira.
Segundo ele, essa situação se deve a diversos fatores.
O presidente Lula herdou um modelo energético pouco eficaz.
Uma de suas plataformas de campanha era exatamente a reforma do
setor elétrico brasileiro, mas isso está sendo
mais complicado do que o esperado, explica Schaeffer. O novo
modelo propõe leiloar para empresas públicas ou privadas
o direito de fazer empreendimentos no setor, o que tem acontecido.
Mas os empreendimentos estão enfrentando muitas dificuldades
em obter licenças ambientais para sua construção,
o que está atrasando todo o projeto.
Outra conseqüência da falta de planejamento e de controle
por parte do governo é a baixa eficiência do uso da
energia elétrica no Brasil. Há muito desperdício.
Mas, segundo os professores, combater o desperdício não
se trata apenas de apagar a luz ao sair da sala. É
preciso aumentar a eficiência, por exemplo, dos eletrodomésticos
brasileiros. Um ar condicionado ou uma geladeira brasileira
gasta muito mais do que similares americanos, exemplifica
Schaeffer. E, no Brasil, não existe controle sobre isso.
Segundo o professor, seria necessário haver índices
mínimos de eficiência para eletrodomésticos
e automóveis, entre outros.
Mas, mesmo com maior controle dos gastos, é natural um aumento
gradativo na demanda por energia elétrica, o que faz necessário
um aumento na geração. Diante desse quadro, um outro
fator fundamental é a busca por outras fontes de energia
além da hidrelétrica. E nisso o Brasil é bastante
rico. A energia solar para aquecimento da água, por
exemplo, se fosse incentivada, poderia ser muito mais utilizada
do que hoje, conta Saidel. Apesar de precisar de um investimento
inicial um pouco alto para a instalação do sistema,
o custo desse tipo de energia é praticamente zero. Além
disso, existe a energia eólica (gerada pelo vento), a energia
gerada pela biomassa (como a cana-de-açúcar), o biodiesel
e tantos outros. Não há, no Brasil, escassez
de fontes energéticas, diz Schaeffer. Falta é
planejamento e controle.
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