Um gol espetacular, em que a bola entra com força,
estufando a rede. É com essa expectativa que Maria Bonomi
vai para Berlim. Leva a sua energia positiva gravada em papel Nepal.
Uma cena inspirada nas passadas elegantes do seu ídolo Ademir
da Guia.
Maria
Bonomi é a única mulher a integrar o time de craques
da pintura do projeto Os Onze, organizado pelo Museu Brasileiro
da Escultura (Mube), que vai apresentar na Embaixada do Brasil em
Berlim, na Alemanha, de 23 de maio a 20 de julho, o futebol da arte.
Ou a arte do futebol. O evento faz parte da programação
da Copa da Cultura e vai mostrar, além dos passes do “filho
do divino Domingos da Guia”, os gols memoráveis de
Antonio Peticov, Claudio Tozzi, Ivald Granato, Jô Soares,
José Roberto Aguilar, José Zaragoza, Roberto Magalhães,
Rubens Gerchman, Tomoshige Kusuno e Zélio Alves Pinto.
Tudo
que Peticov deseja para o Brasil é um gol de bicicleta. Um
gol com muitas cores, desses que deixam os torcedores atordoados.
É esse movimento que esse paulista de Assis representa em
sua tela. O espectador só vai reconhecer as chuteiras do
artilheiro. “Nesse quadro eu busco a emoção
da Copa de 82 na Espanha. Na época, estava trabalhando em
Milão e a Itália jogava contra o Brasil, que era o
favorito, mas o Paolo Rossi marcou três gols contra os dois
feitos com garra pelo Sócrates e Falcão. Na época,
tudo o que eu mais desejava era viver a emoção desse
gol de bicicleta que não houve.”
O
Brasil, que estava com tudo para ganhar aquela Copa, voltou para
casa e deixou a vitória para os italianos. Uma cena triste,
que, se depender do sonho do mineiro Zélio Alves Pinto, não
vai se repetir. Jamais. “Eu estou torcendo por um gol abstrato,
poético”, garante. “Um gol de artista.”
Na tela de Zélio, a bola fura a rede e vai parar no céu,
em movimento espiral. Uma bola amarela como um sol mergulhado no
azul. A tela é uma das tantas obras poéticas que Zélio,
desenhista, grafista, pintor, jornalista e escritor, vem criando
nessas quase cinco décadas de trajetória.
Ronaldinho
– A esperança de Rubens Gerchman é a de todos
os brasileiros: Ronaldinho Gaúcho. Daí a sua homenagem
para esse atleta que sabe aliar o futebol à arte. O carioca
Gerchman, que há um ano está com ateliê também
em São Paulo, vive uma fase de delicadeza, mas muita energia,
e deixa fluir todos os seus sonhos no movimento “elástico”
de Ronaldinho. Pintou o atleta com sua destreza de moleque. “Estilingue
na mão direita, cabelos ao vento...
É
o balé do nosso futebol”, diz Gerchman, um dos artistas
que mais pintaram as cenas que marcaram a Seleção
Brasileira.
A emoção dos torcedores é um dos focos de Claudio
Tozzi. Esse professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU)
da USP arquitetou o espaço da tela para homenagear a arte
do povo. Conseguiu captar várias cenas: a expectativa da
arquibancada, o drible dos jogadores e os brasileiros que pulam
e gritam. No fundo vermelho da tela, a vibração do
jogo. Para se dedicar ao tema, Tozzi ficou na concentração.
Tirou licença na Universidade para imprimir o futebol com
o toque de mestre.
Outro professor da USP, Tomoshige Kusuno, um dos fundadores da Escola
de Comunicações e Artes (ECA) da USP, também
está levando para Berlim a sua visão lúdica
do futebol. Kusuno, que nasceu em 1935 na cidade de Yubari, no Japão,
e veio para o Brasil em 1960, se destaca nas artes pelo alcance
poético de seu imaginário. “Retratei o futebol
como uma grande festa”, explica. “Uma festa que fui
buscar na tradição da tribo kashinawa, originária
da região do Alto Purus, no Acre. Apresentei um ritual onde
a nossa bola é o centro.”
A
mostra conta com a curadoria de Ivald Granato, que há um
ano apresentou as suas gravuras naquele mesmo espaço. “Foi
a própria Embaixada que sugeriu a exposição.
A tática do jogo é a seguinte: cada artista vai apresentar
uma única obra. São telas de aproximadamente 2 metros
por 2 metros, que são pequenas diante de tanta emoção
para contar.”
Granato,
considerado “o artilheiro dos pincéis” por estar
sempre movimentando o campo das artes, está levando para
a Alemanha o momento mágico do lance. O artista carrega nas
tintas para documentar a disputa da bola. “Somos nós
contra os outros”, diz. “E vamos torcer, fazer uma corrente
pela nossa seleção.”
Balé de Berlim – O projeto Os Onze está
entre os quase 200 eventos da Copa da Cultura. A programação,
que exigiu um investimento de R$ 60 milhões (R$ 30 milhões
divididos entre o governo brasileiro e a iniciativa privada e mais
R$ 30 milhões do governo alemão), foi aberta no início
do ano. Mas a maioria dos eventos começa no dia 25, na Casa
das Culturas do Mundo, em Berlim, e se estende até o final
da Copa, no dia 9 de julho.
Na
avaliação do ministro da Cultura, Gilberto Gil, ações
internacionais como essa abrem o mercado externo para os artistas
brasileiros. “A Copa da Cultura pretende dar seqüência
ao projeto de difusão cultural no exterior, que foi iniciado
com o Ano do Brasil na França. Através desse evento,
pretendemos fazer um intercâmbio artístico entre o
Brasil e a Alemanha e intensificar as nossas relações
em todos os setores”, disse o ministro, em entrevista coletiva
realizada no dia 17, no Mube, para apresentar a Copa da Cultura.
O
programa inclui dezenas de shows, como os de Chico Buarque e de
Elza Soares, exposições como a mostra “Intervenções,
que abre no dia 10 de junho, com instalações de Lucia
Koch, Carla Guagliardi e Chelpa Ferro, além da sala especial
de Nelson Leirner. Há ainda a Semana Nelson Rodrigues, com
leituras, exibição de filmes, além de uma mostra
de 19 dias com o melhor da recente produção audiovisual
nacional e alguns clássicos.
Os
eventos são todos gratuitos. “Os torcedores de todo
o mundo vão ter muitas opções para conhecer
o universo da cultura brasileira”, observou o ministro. “O
futebol é a nossa fonte de inspiração.”
Na coletiva, Gil fez questão de cantar a música que
compôs especialmente para a Copa da Alemanha, Balé
de Berlim:
Nossa seleção chega a Berlim
Numa perna só. Moleque saci
Uma perna só jogando
por tantos milhões de corações de curumins
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