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A Que a Terra é azul todos já sabemos desde que o russo Iúri Gagárin fez o primeiro vôo de um ser humano ao espaço a bordo da nave Vostok, em abril de 1961. Mas qual é a emoção de ver a imensidão do planeta do espaço? Tal sensação é traduzível em palavras? Recebido como herói em sua cidade natal, o bauruense Marcos César Pontes, primeiro brasileiro a participar de uma missão espacial, tentou dizer o que passou por sua cabeça quando viu pela primeira vez o planeta do interior da nave russa Soyuz. “É difícil de se mostrar até em imagens. Eu gravei com uma câmera que havia lá e espero que tenha conseguido pegar essas nuances. Mas, olha, é difícil descrever”, afirmou, durante sua movimentada visita a Bauru, no dia 21 de abril, uma sexta-feira.

Com os olhos brilhando feito uma criança, Pontes, de 43 anos, tenente-coronel da Aeronáutica, disse ter se recordado de sua mãe ao notar pela primeira vez, com a própria vista, a veracidade da afirmação de Gagárin. “Existe uma luz na superfície da Terra, na atmosfera. Há uma expressão científica para isso, mas não quero entrar nesse aspecto. O aspecto que quero destacar é a beleza que isso tem. Quando você vê aquilo, parece uma energia. É inacreditável a beleza”, lembrou. E completou em tom emocionado: “Você imagina todas as pessoas que estão neste planeta. É como se a Terra fosse nossa mãe. Foi por isso que a primeira coisa que pensei foi na imagem de planeta-mãe e me lembrei dos olhos da minha mãe”, disse, referindo-se a dona Zuleika Navarro Pontes, falecida em junho de 2002.

A referência que fez à mãe não foi a única cena tomada de emoção da chegada de Pontes a Bauru. Em diversos momentos, o astronauta – e agora celebridade – foi flagrado derramando lágrimas. Foi assim no abraço saudoso que deu no pai, Virgilio de Pontes, de 89 anos, ainda no Aeroclube da cidade, e no breve discurso que fez, ainda sobre o caminhão do Corpo de Bombeiros, ao notar a recepção calorosa que a população preparara na principal avenida de Bauru. “Uma coisa que sei e todo mundo sabe é que vou voltar para a casa muitas vezes, estou muito feliz”, discursou.

Sonho – A principal mensagem que o astronauta procurou passar aos mais de 5 mil bauruenses que deixaram suas casas para participar das homenagens foi a importância de se acreditar nos sonhos. Menino de família humilde que soube vencer na vida, Pontes nasceu em março de 1963, quase dois anos após o feito de Gagárin, e iniciou sua carreira profissional ainda na adolescência, limpando peças de motores de locomotivas nas oficinas da rede ferroviária.

Em Bauru, as pessoas que empunhavam bandeiras do Brasil e se amontoavam para chegar mais perto do ilustre conterrâneo ouviram o astronauta contar um sonho que teve durante uma “noite” de sono a bordo da ISS (sigla em inglês da Estação Espacial Internacional), no qual flutuava por uma cidade. “Quando acordei estava realmente flutuando, aquele sonho impossível estava acontecendo, isso significou bastante para mim”, contou.

E o que Pontes teria mais vontade de fazer agora que voltou ao solo terrestre? Risos e brincadeiras à parte, que deixaram o astronauta vermelho durante a entrevista que concedeu à imprensa em Bauru, as prioridades eleitas por ele são descansar com a família e se sentir à vontade em casa. “Eu fui para muitos lugares e... Sabe aquela sensação de chegar em casa, sentar e tirar o sapato, botar o pé em cima do sofá? Isso eu ainda não consegui fazer”, brincou.

Outra prioridade é rever os amigos, velhos e recentes. Um desses amigos é o bauruense Marivaldo Campos Brito, também de 43 anos, companheiro de infância do astronauta. Peça-chave na organização da festa de recepção a Pontes em Bauru, Brito era um dos mais empolgados com o retorno do amigo. “Durante a história dele, o sofrimento que passou, foram muitas as bolas e as pedras que teve de chutar ao longo do caminho para chegar aonde chegou. Foi muito suor e lágrima, realmente não foi fácil, foi uma carreira muito atribulada”, afirmou o bauruense, amigo do astronauta desde os 9 anos de idade e que também sonhava em servir a Força Aérea Brasileira.

Apesar do forte abraço que deu no amigo e de ter afirmado que, em Bauru, estará sempre em casa, Pontes tem consciência de que momentos assim podem se tornar cada vez mais raros. A própria irmã do astronauta disse à imprensa que Marcos já não é mais da família Pontes, mas de todo o Brasil. E ele não discorda. “Quando eu comecei a me preparar para a missão, não tinha me dado conta desse outro aspecto”, revelou. “Eu me lembro de 1998, quando fui selecionado para a missão e me informaram que a imprensa me esperava para uma entrevista coletiva. Quando ouvi aquilo me deu um frio na barriga”, completou Pontes, que agora integra um time seleto de pouco menos de 500 homens e mulheres que já foram ao espaço desde 1961.

 

Pontes leva 5 mil às ruas de Bauru

O dia ensolarado estava perfeito para a chegada de Marcos Pontes à sua cidade natal, num avião da Força Aérea Brasileira (FAB) pilotado por ele mesmo. As poucas nuvens no céu favoreceram também a visão do show de acrobacias realizado pelos aviões da Esquadrilha da Fumaça em sua homenagem. Definitivamente, o dia 21 de abril de 2006 entrou para a história de Bauru, cidade do interior paulista de 343 mil habitantes, localizada a 345 quilômetros de São Paulo.

Pontes desembarcou no Aeroclube de Bauru por volta das 9 horas e seguiu em carro aberto por algumas das principais vias da cidade. Uma correria inédita para a realidade bauruense, o trânsito parado na avenida Nações Unidas, principal via da cidade, e bexigas verdes e amarelas empunhadas ao lado de bandeiras brasileiras. Esse era o cenário de comoção que levou cerca de 5 mil pessoas às ruas bauruenses para receber o hoje mais ilustre filho da cidade.

“Realmente é uma emoção muito grande. Voltei algumas vezes na época em que estava na Força Aérea, e sempre me senti muito bem chegando aqui, é um dia muito especial”, revelou o astronauta em sua chegada à cidade. “Andei por muitos lugares do mundo e vi muitas pessoas, mas não via rostos conhecidos. Quando você chega em um lugar e revê alguns amigos, dá uma sensação muito boa, uma sensação de conforto”, completou.

Tentando driblar possíveis polêmicas sobre o alto investimento do governo brasileiro em sua viagem à ISS – que custou US$ 10 milhões ao País –, o sempre sorridente astronauta defendeu a missão que o tornou um dos mais novos brasileiros ilustres. “Sou a pessoa que foi escolhida para realizar a missão pelo Brasil e cumpri o que era previsto. Meu enfoque é operacional, sempre pensando no Brasil, pensando na nossa bandeira e nas nossas crianças”, afirmou à imprensa.

Sobre os experimentos realizados no interior da ISS, Pontes assegurou que certos resultados não podem ser mensurados. O astronauta se refere ao que chama de esperança no rosto dos brasileiros. “Alguns resultados simplesmente não há como quantificar. Olhar para o olho de uma criança, como hoje fiz muitas vezes, e enxergar essa quantidade de pessoas olhando para você, pessoas de todos os tipos, pessoas novas, velhas, que trabalham em lugares diferentes. Me dá um preço disso!”

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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