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Missão Centenário durou dez dias e, pelo menos no que diz respeito ao vôo do astronauta brasileiro Marcos César Pontes, foi encerrada no dia 8 de abril, quando a nave russa Soyuz TMA-7, que o trouxe da Estação Espacial Internacional (ISS, sigla em inglês), pousou no Casaquistão. Porém, o debate sobre os reais benefícios científicos da missão e seu papel na continuidade das atividades espaciais brasileiras está longe de acabar. Ainda antes da decolagem da nave, no final de março, uma saraivada de críticas foi disparada de várias frentes. O astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, por exemplo, disse que “o vôo de Marcos Pontes é, na realidade, uma grande jogada eleitoreira do governo”. A opinião ganhou eco em veículos como o jornal O Estado de S. Paulo, que em editorial qualificou a missão como “passeio” e “peça propagandística a ser utilizada pelo presidente Lula em sua campanha reeleitoral”.

Outras críticas partiram do presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti. “A meu ver, faltou situar esse projeto dentro do programa espacial brasileiro: o que está sendo planejado, o que foi planejado nos últimos dez anos e o que está sendo cumprido, quais os financiamentos e o que significam US$ 10 milhões. Será que é muito ou pouco?”, perguntou Candotti em entrevista ao programa Observatório da Imprensa. “O que está em jogo com essa viagem é uma pressão muito grande sobre a opinião pública para que o Brasil se associe a esse programa de construção da Estação Espacial. Isso causará prejuízos graves ao bom encaminhamento daquilo que sabemos fazer e em que estamos ganhando a consideração mundial, que é fazer satélites bem-feitos. E, também, na própria execução do programa de construção de um veículo lançador”, completou.
Os argumentos a favor da missão também foram lançados na mídia – o que talvez tenha inspirado o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Sergio Gaudenzi, a dizer que a imprensa fez um “carnaval sideral” em torno do assunto. O ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Machado Rezende, em artigo na Folha de S. Paulo, afirmou que a viagem “servirá à popularização da ciência e do programa espacial e à atração de jovens talentos para a pesquisa científica, a engenharia e a astronáutica”. Na mesma linha, Henrique Lins de Barros, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), escreveu em O Globo: “A viagem de Marcos Pontes mal começou. Agora, com os pés no chão, ele terá que iniciar a segunda fase, contribuindo para a divulgação da ciência em nosso país”.


Pontes de volta à terra: viagem foi uma conquista
da ciência brasileira

Conquistas – Mais do que avaliar o resultado dos experimentos científicos – que incluíram material biológico como enzimas e bactérias e foram preparados por instituições de ensino superior e também por escolas municipais de São José dos Campos, cujos alunos acompanharam atentamente as reações das sementes de feijão na nave –, é preciso valorizar a missão de Marcos Pontes como marco simbólico do programa espacial brasileiro e de todos os avanços que o País já alcançou na área. Essa é a opinião do professor Agenor de Toledo Fleury, do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP. “O aspecto principal dessa viagem é fazer lembrar que temos um programa espacial em curso há mais de 20 anos e que temos uma contribuição importante nessa área”, diz. Em relação à crítica de que o custo da missão é elevado, o professor afirma que “em muitas coisas no Brasil se pode dizer que se trata de dinheiro jogado fora, mas não nesse caso”.

Experiência na área é o que não falta ao professor Fleury para alertar sobre a necessidade de frear as críticas exageradas e de valorizar as conquistas brasileiras. Sua trajetória inclui passagens pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), pela canadense Spar Aeroespace e pela Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer). O professor liderou projetos na construção dos satélites SCD-1 e SCD-2, inteiramente produzidos no Brasil, e conta que, na época do lançamento do primeiro (que está em órbita desde 1993), passou por uma de suas poucas experiências “de ter vontade de chutar a televisão, tamanha a ignorância que algumas opiniões demonstravam”. “A imprensa só acompanha o trabalho na primeira semana, para ver se vai cair”, aponta. “A Embraer é a terceira fabricante de aviões no mundo. Não teríamos isso se não possuíssemos competência. Em termos de tecnologia, não devemos nada a ninguém no mundo. O que falta é a continuidade dos programas e mais estímulo aos pesquisadores.”

Para Fleury, o Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) – cuja edição mais recente cobre os anos de 2005 a 2014 – é “extremamente ambicioso e não é caro se comparado com outros países”. As principais virtudes do País, considera, estão no desenvolvimento dos satélites. O Brasil possui tecnologia de ponta do processamento e distribuição de imagens de satélites. “Para o futuro, fundamentalmente deve ser resolvida a questão dos lançadores”, defende Fleury, referindo-se ao desenvolvimento dos projetos na base de Alcântara (MA).

A continuidade da construção do Veículo Lançador de Satélites (VLS), incluindo o novo Centro de Lançamento em Alcântara, é o primeiro item da lista de prioridades da última edição do PNAE. A base sofreu um grave acidente em agosto de 2003, quando uma explosão destruiu o foguete VLS-1 durante os preparativos da decolagem, matando 21 técnicos civis. A investigação concluiu que a explosão foi causada pela ignição prematura de um dos motores do foguete.

A AEB deve lançar nos próximos dias o edital de licitação para a construção do Centro Espacial de Alcântara, com o objetivo de utilizar sua privilegiada localização no mercado mundial de lançamentos espaciais. O novo centro terá não apenas as bases para foguetes, mas prevê área para moradia, comércio, lazer e instalação de órgãos públicos e instituições universitárias e de pesquisa que queiram se instalar no local. “Esse é um compromisso nosso e do governo de resgate àqueles companheiros que faleceram tragicamente no acidente”, diz Gaudenzi, presidente da AEB.

 


O lançamento da Soyuz e sua tripulação: aventura no espaço

Investimento – O processamento de imagens por satélite, de acordo com o professor Agenor Fleury, pode ser considerado um spin off do programa espacial brasileiro. Os spin offs são aplicações secundárias da tecnologia espacial, ou produtos “colaterais” gerados a partir do desenvolvimento de outros processos. Para o professor Ernani Vitillo Volpe, docente e pesquisador do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP, investir no envolvimento de várias instituições é o caminho certo para ampliar o programa espacial brasileiro e fazê-lo gerar outros spin offs. “Essa receita foi amplamente utilizada na área da informática no Vale do Silício, nos Estados Unidos”, exemplifica Volpe, que é doutor em Engenharia Aeroespacial pela Universidade de Stanford, dos Estados Unidos.

De acordo com o modelo utilizado no Vale do Silício, várias instituições de pesquisa são reunidas sob um mesmo “guarda-chuva”, gerando um efeito de capilaridade que faz a verba se dividir e chegar a vários laboratórios nos quais trabalham muitos estudantes de pós-graduação. Em cada local se desenvolve uma pequena parte do projeto, mas até chegar a ela os pesquisadores realizam sua formação e criam os produtos “colaterais”, que podem ter utilidade em outras áreas. “Muitas empresas, como a Sun Microsystems e o Google, nasceram assim. A Intel se originou dessa forma, a partir de um professor de física e seus alunos”, diz Volpe. Na área espacial, o modelo também é muito disseminado, com grande participação do governo por meio de verbas de origem militar no financiamento de pesquisas científicas e tecnológicas, que são chamadas genericamente de DOD, referência a Department of Defense. Para o professor Volpe, “o ideal seria que os esforços do programa espacial brasileiro fossem nessa direção”.


Futuro do acordo com a Nasa está indefinido

A primeira edição do Plano Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) foi aprovada em 1996 e revisada dois anos depois pela Agência Espacial Brasileira (AEB), criada pelo governo federal em 1994. Entre as várias frentes do plano está o desenvolvimento do CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) e de veículos lançadores, além da participação brasileira na Estação Espacial Internacional (ISS, sigla em inglês).

De concepção norte-americana, a ISS é gerenciada pela Nasa e dela participa um consórcio de 15 países, dos quais o Brasil é o único do Terceiro Mundo. Em 1997, o Brasil se comprometeu a fornecer uma série de equipamentos para a estação, orçados em cerca de US$ 120 milhões, recebendo em troca o treinamento de um astronauta e o direito de enviá-lo numa missão tripulada.

Já no início de 2001 a cooperação entre a Nasa e a AEB começou a apresentar os primeiros percalços de um caminho cheio de idas e vindas. “Em função do custo, não havia possibilidade de tocar as atividades no nível que o acordo previa sem prejuízo de outros projetos”, explica Petrônio Noronha de Souza, engenheiro da Divisão de Mecânica Espacial e Controle do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A explosão do ônibus espacial Columbia, em fevereiro de 2003, fez com que a agência americana pisasse no freio em relação às viagens espaciais tripuladas.

Enquanto Marcos Pontes já havia recebido boa parte de seu treinamento na Nasa e minguavam as suas chances de ir à ISS num vôo americano, a AEB passou a negociar a viagem com a agência russa. As naves Soyuz – cujo nome em russo significa “união”, batizadas que foram em plena era da União Soviética no auge da Guerra Fria – são as responsáveis pelo trajeto desde 2003. Os vôos levam sempre um tripulante americano, um russo e um terceiro que pague pelo transporte, caso do astronauta brasileiro.

“O vôo de Marcos Pontes, ao contrário das opiniões veiculadas na imprensa, foi fruto das dificuldades de todo um processo e não teve nada de atropelado nem de antecipação atabalhoada”, garante Petrônio Souza. “Não havia possibilidade para vôo do brasileiro dentro do contexto da Nasa, e ela foi aberta pelo projeto russo”, completa Raimundo Fialho Mussi, coordenador da área técnico-científica da AEB e gerente da Missão Centenário.

O futuro da relação entre Nasa e AEB eial da Nasa, em Houston, nos Estados Unidos, e a própria permanência do Brasil no consórcio da ISS depende de novas conversações. “Vamos ter redução no acordo com a Nasa, principalmente se não pudermos garantir vôos para astronautas brasileiros. Devemos ter reunião com a Nasa em junho para definir como fica esse cenário”, diz Raimundo Mussi. “A proposta é de redução bastante significativa para valores que estejam dentro de nossa condição orçamentária.”

Para Mussi, dificilmente haverá uma definição mais clara da situação até que se regularizem os vôos dos ônibus espaciais. “O futuro da ISS é um se depender da Soyuz, e outro se houver a reativação dos vôos com as naves americanas. Há projetos, inclusive dos Estados Unidos e do Japão, que estão no solo e não podem voar por limitações da Soyuz”, revela. De acordo com Mussi, técnicos da Nasa que estavam no lançamento da Missão Centenário, em Moscou, afirmaram que estaria sendo preparado um vôo de ônibus espacial para julho, mas ainda não há confirmação oficial.

Tanto Petrônio de Souza quanto Raimundo Mussi defendem a validade da viagem de Marcos Pontes. “Dentro dos limites e restrições que temos, a missão atingiu seus objetivos. Pelo que foi gasto, o resultado é mais do que lucrativo no sentido de divulgação e abertura de oportunidades”, diz o engenheiro do Inpe, que esteve bastante envolvido nas atividades entre Nasa e AEB até o final de 2001. Para Mussi, houve grande transferência de tecnologia para o Brasil na área de microgravidade. “A razão do vôo não foi Pontes, mas sim o fato de termos experimentos que seriam executados por um brasileiro. Embarcamos Pontes porque tínhamos experimentos, e não o contrário.”


O universo ao alcance dos alunos

foto: Cecíli Bastos

Sodré: astronomia estimula ensino

“Antes eu olhava o céu e tudo era estrela. Agora visualizo Marte, diferencio as estrelas novas das velhas”, relata Isabelle Amorim Pereira Gomes, do segundo ano do ensino médio do Colégio São José, de Santos (SP), sobre sua participação no Programa Telescópios na Escola, um projeto educacional promovido por seis instituições de ensino e pesquisa, entre elas o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. O objetivo do programa é estimular o ensino das ciências a partir do uso de telescópios robóticos para a obtenção de imagens dos astros em tempo real. Os telescópios são operados remotamente através de uma página eletrônica (www.telescopiosnaescola.pro.br). Não é necessário
ter conhecimento prévio de astronomia.

Os alunos do Colégio São José já fizeram observações no ano passado e, para este ano, estão com data marcada para maio e junho, quando vão receber, em tempo real, imagens da Lua vindas do telescópio Argus, do Observatório Abrahão de Moraes, localizado em Valinhos (região de Campinas) e coordenado pelo IAG.

A próxima atividade dos jovens santistas é estudar várias fotos da Lua. “Vamos medir o tamanho das crateras e a intensidade do brilho das estrelas, relacionando os conceitos de física, química e geometria”, explica Waldemar Alves Ribeiro Filho, professor de química do Colégio São José. “De uma forma dinâmica e diferente estudamos conceitos que, muitas vezes, numa aula expositiva, não despertam interesse.”

Viagem – As observações começaram em setembro de 2005 e estão abertas para qualquer escola pública ou particular do Brasil. Para auxiliar na observação, sempre há um técnico que pode responder às dúvidas via correio eletrônico ou telefone. Tudo é muito simples e fácil de fazer: basta seguir as instruções que se encontram no site.

Há também oito atividades pedagógicas que podem ser utilizadas a partir da 8a série do ensino fundamental. Os professores da Escola Estadual Patriarca da Independência, em Vinhedo (SP), estão cheios de idéias a partir desse programa. O professor de matemática Sérgio Tadeu Lemes quer continuar proporcionando aos alunos essa viagem pelas estrelas, planetas e asteróides.

“Quando você observa o céu através de fotos tiradas do telescópio e faz contato com especialistas, o conhecimento
é muito enriquecido.”

Laerte Sodré Júnior, professor do IAG, quer que os alunos e professores se tornem exploradores do espaço. “Uma das vantagens da astronomia é que ela exerce fascinação sobre o público, podendo ser utilizada para estimular o ensino de ciências.” Outra proposta de Sodré é ampliar a divulgação científica no Brasil, para que mais técnicos sejam formados. “Precisamos de um número muito maior de técnicos, matemáticos, físicos e engenheiros. Podemos usar a astronomia também para isso.” Além do IAG, as outras instituições participantes do programa são o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e as Universidades Federais de Santa Catarina,do Rio Grande do Norte, do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro.

(IZABEL LEÃO)

 

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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