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USP 70 anos – Imagens de uma história vivida, de Shozo Motoyama (organizador), Edusp e Centro de História da Ciência, 696 páginas.

 

O livro USP 70 anos – Imagens de uma história vivida é, antes de tudo, um livro de memórias. São imagens, depoimentos e documentos reunidos especialmente para recontar uma história e fazer refletir sobre a existência de uma entidade. O documento, desenvolvido por um grupo interdisciplinar de sete pesquisadores, será lançado pela Editora da USP (Edusp) e pelo Centro de História da Ciência (CHC) da USP nesta quinta-feira, dia 18, às 16 horas, no Anfiteatro Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária. No mesmo evento serão homenageados 72 professores de todas as unidades da USP, em reconhecimento pela sua dedicação à Universidade.


Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito e Escola Politécnica: com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e outras unidades, elas deram início à USP, nos anos 30
(B,C,D)

O livro foi escrito com duplo objetivo. O primeiro, pensar a USP nos dias de hoje através de uma análise histórica. “Alguns dos problemas que existiam na época da criação da Universidade, em 1934, persistem até hoje, mesmo que de uma forma diferente”, conta o professor Shozo Motoyama, do Departamento de História da USP, organizador do livro. Um desses problemas é a falta de integração entre as unidades, segundo Motoyama. O outro objetivo é preservar uma memória que o professor sentia que estava se perdendo.

Um dos aspectos que mais impressionaram Motoyama ao longo das pesquisas para o livro foi a riqueza do conteúdo que ia surgindo aos poucos. Tanto que o professor planeja o lançamento de pelo menos mais um volume sobre a história da USP. Essa segunda obra vai abordar as contribuições mais concretas da Universidade para a sociedade e pretende centrar-se não na Reitoria, como o primeiro, mas no trabalho desenvolvido em cada uma das unidades. Produzido para comemorar os 70 anos da USP, o livro sofreu um atraso por causa da “complexidade” do tema, segundo Motoyama, mas continua atual na medida em que é uma reflexão e que está sendo lançado num momento em que o Brasil discute os rumos da Universidade.

Antecedentes – Apesar do título, que remete aos 70 anos de vida da Universidade, o livro trata de um período muito mais longo. São quase 180 anos de história, considerando que o relato se inicia antes de 1827, com os antecedentes da criação da Faculdade de Direito do Largo São Francisco – incorporada à USP em 1934 –, a mais antiga faculdade brasileira, ao lado da Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco. Mas por que ir tão longe? “A tradição cultivada por estabelecimentos anteriores ao decreto da criação influiu nos destinos da USP”, responde Motoyama. A escolha também se deve à proposta do livro de ser um estudo de fôlego. “Sem uma análise em profundidade e alcance, não se podem ultrapassar o convencional e o superficial”, justifica o historiador.

É o que faz o capítulo 1 do livro, “O longo antecedente”, que trata do período entre a criação da Faculdade de Direito e a criação da Universidade. O contexto histórico internacional era o que o historiador Eric J. Hobsbawn chamou de era das revoluções (1789-1848) e o Brasil vivia as limitações de sua condição de colônia. Com o medo que a metrópole nutria do cultivo da inteligência na sua maior colônia, o País teve que esperar por sua independência política, em 1822, para atender à reivindicação social de uma organização universitária em solo brasileiro. Depois de alguns contratempos, foram criados, em agosto de 1827, os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda, os primeiros do País. Não era uma universidade como se queria, mas estava lançada a primeira pedra.


Vista aérea da Cidade Universitária nos anos 70(E)

O início do segundo capitulo, “A construção da Universidade”, que trata do período que vai da criação da USP até 1969, anuncia: “Na data de 25 de janeiro de 1934, nascia na capital paulista uma instituição que mudaria a história do País”. O texto relata o difícil caminho de consolidação da Universidade e seus desafios para se firmar no cenário nacional. O capítulo também traz uma análise dos efeitos modernizadores que esta universidade teve na sociedade brasileira.


Laboratório do Instituto de Biociências na década de 60 (F)

Criada, num primeiro momento, para dar unidade ao ensino superior paulista – que estava disperso em cursos ministrados por diversas faculdades – e para recuperar a liderança bandeirante perdida com a derrota militar de 1932, a USP logo passou a mirar mais alto, querendo alcançar um objetivo muito mais ambicioso. Ao defender a investigação científica e o “aperfeiçoamento do espírito”, independente de resultados práticos imediatos, a USP revolucionou o ensino superior brasileiro. Também incomodou os detentores do poder da época, mas a solidez das instituições que a formaram e o idealismo dos seus primeiros membros fizeram com que a Universidade sobrevivesse e crescesse.


Motoyama: analisar o passado para entender o presente (G)

“A Universidade resistente” é o texto que se segue, encerrando a primeira parte do livro. Ele se ocupa do período entre 1969 e 1989, quando a USP esteve submetida, na maior parte do tempo, aos ditames do regime militar. O período é um dos mais conturbados da história do Brasil e do mundo, uma época de muitos protestos e transformações no comportamento social, como lembram os autores. “A insegurança, as dúvidas e as dificuldades da sociedade brasileira tiveram reflexos claros no ambiente da USP”, diz o livro.

Se por um lado o ensino superior sofria com os desmandos do regime militar, por outro ele vivia uma expansão notável. Havia uma clara determinação do governo para isso. Ao mesmo tempo, porém, enfrentava sérias restrições, com a cassação de professores e a censura dos militares a linhas de pesquisa. Essas interferências causaram a insatisfação de setores da Universidade, que se mobilizaram para lutar contra a ditadura. O texto traz depoimento do sociólogo Florestan Fernandes – que foi perseguido e exilado pela ditadura militar –, falecido em 1995, sobre aquele período: “Confinados pela pressão ditatorial ao espaço interior das universidades e dos grupos em dissensão com o regime, os estudantes, jovens, principalmente, pretenderam revolucionar a sociedade brasileira a partir e através daquelas áreas, nas quais se sentiam seguros”.


(H, I, J)

História oral – A história, nessa primeira parte do livro, segue uma linha cronológica, mas o relato não é rígido nem frio. Os depoimentos que aparecem no texto são de personagens de carne e osso que falam com a autoridade da experiência vivida. “Achamos melhor deixar os próprios atores e atrizes desse drama chamado Universidade falarem por si mesmos”, conta Motoyama. Nesse sentido, os autores aparecem para reunir os relatos e inseri-los na conjuntura social, econômica e cultural do momento histórico em questão. É graças a essa contextualização e ao diálogo criado entre os depoimentos, as imagens e os fatos externos que o livro ganha densidade histórica.

Se os depoimentos são importantes na primeira parte do livro, na segunda eles se tornam fundamentais. É nessa parte que são relembrados, exclusivamente através de entrevistas, os anos após a reforma dos estatutos da Universidade, em 1989. A história do período é reconstruída a partir de depoimentos – publicados na íntegra – de reitores, vice-reitores e pró-reitores que assumiram os cargos depois dessa data. A obra traz ainda entrevistas de reitores e ex-reitores de períodos anteriores.

Apesar de se debruçar quase que totalmente sobre tempos passados, USP 70 anos – Imagens de uma história vivida também tem ambições futuras. Através da análise histórica e dos depoimentos dos inúmeros dirigentes que ajudaram a fazer a história da Universidade, o livro acaba por fazer pensar a USP, seus desafios de ontem e de hoje, ao mesmo tempo em que lança luz em direção ao futuro. “Esperamos que a leitura desse livro – na sua essência, de memória – traga subsídios para o enfrentamento do futuro”, conclui Motoyama.


O saber na sociedade
A seguir, trecho do livro USP 70 anos – Imagens de
uma história vivida, organizado por Shozo Motoyama

Bem poucas instituições universitárias exercem tamanha atração a tanta gente quanto a Universidade de São Paulo (USP). Não é sem razão que ela tornou-se quase um mito para uma parte da população. Mas de onde vem toda essa consagração, todo esse prestígio? Com certeza, de fatores diversos, cujas origens se perdem nas brumas do passado. A história da USP, de fato, é riquíssima. Que outra entidade educacional poderia apresentar contribuição tão grande para a sociedade brasileira, seja no campo da cultura, seja no da economia ou mesmo no da política? Sim, qual seria o estabelecimento de docência e pesquisa capaz de ostentar um currículo com tantos educadores, cientistas, pesquisadores, engenheiros, empresários, intelectuais e outros, formados nos seus bancos de estudo, que fizeram a história do Brasil?

Só para ilustrar essa interrogação, citemos, entre outros, Manuel Álvares de Azevedo, poeta de trágico destino, Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente na época do ápice da política do “café com leite”, Roberto Cochrane Simonsen, pioneiro da industrialização, Florestan Fernandes, sociólogo das causas populares, e Mário Schenberg, físico de ousadas teorias. Essa amostra qualitativa, embora representativa, não passa de uma pequena galáxia brilhando nos confins de um universo povoado de miríades de outras, repletas de egressos da USP. A despeito de não existir ainda uma estatística completa, há indicações confiáveis para se acreditar que o sucesso de diversos acontecimentos nacionais contou com a participação efetiva dos uspianos. Certamente, muitos projetos nacionais não decolariam se não fosse a contribuição, muitas vezes anônima, dos formados pela primeira universidade do Estado bandeirante.

Mesmo hoje, a USP mantém a liderança em vários campos. Por exemplo, na área de pesquisa, ela continua no topo, sendo responsável por 25,6% de produção científica do País e por 49,3% do Estado de São Paulo, no período compreendido entre 1988 e 2002. Outro caso é o da pós-graduação. No ano de 2004, a USP desenvolvia 219 programas com 271 cursos de mestrado e 255 de doutorado, cobrindo 284 áreas de concentração. No total, 21.300 pós-graduandos estudavam nesses cursos, perfazendo 16,5% de mestrandos e de doutorandos de todo o País.

Os números são suficientemente significativos para não deixar qualquer margem à dúvida, mas talvez fosse interessante apontar que, no passado, essas cifras já foram muito maiores. Na verdade, uma grande parte de programas de pós-graduação de outras universidades brasileiras viabilizou-se, hoje, graças aos mestres e doutores diplomados pela entidade universitária chamada USP. E, para aquilatarmos a dimensão do que isso significa, basta lembrarmos que, na centúria atual, as sociedades hegemônicas são aquelas caracterizadas pelo conhecimento, nas quais a educação e a pesquisa se constituem nas áreas estratégicas.

Então, nesse caso, temos uma história rara de continuados sucessos? Infelizmente, não é bem assim. A trajetória histórica da Universidade não esteve isenta de percalços. Afinal, nada se afigura perfeito. Ao viver toda a história brasileira desde os idos de 1827, quando surgiu a então Academia de Direito, sua primeira unidade, a USP não escapou à tormenta de infortúnios que muitas vezes assolou a nação. Contudo, soube enfrentá-la com galhardia. Perdendo ou ganhando, errando ou acertando, ela nunca perdeu a sua verve, imprimindo a sua marca. Quisesse ou não, a sociedade brasileira e, em particular, a paulista sofreram e sofrem o impacto das suas ações. Isso significa que, tanto nas vitórias quanto nas suas derrotas, a USP participou de maneira ativa nos destinos da nação brasileira, moldando sua história. E, no futuro, deverá continuar assim.

 

Créditos das imagens: A, B, C - Jorge Maruto; D - Edusp; E - arquivo Edusp; F- Arquivo Jornal da USP/CCS; G - Franscisco Emolo; H, I, J - Coph/FFLCH

 

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