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As recentes transformações por que têm passado as sociedades obrigam a repensar diversos valores. As universidades, instituições criadas no século 12, estão sempre se reinventando para continuar a existir e se encontram, atualmente, em tempos de novos questionamentos. Para compreender a atual diversidade do ensino superior brasileiro e os desafios que ela coloca, o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e a Editora da USP (Edusp) lançam nesta segunda-feira, dia 15, o livro Ensino superior – Conceito e dinâmica, organizado por João Steiner, diretor do IEA, e Gerhard Malnic, ex-diretor do instituto. O lançamento acontecerá na sala do Conselho Universitário da USP, na Cidade Universitária, a partir das 9 horas, com conferência do senador Cristovam Buarque, ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-ministro da Educação.

O livro reúne 17 artigos, originalmente apresentados durante um ciclo de palestras realizado pelo IEA entre novembro de 2004 e abril de 2005. Os textos já estão disponíveis na internet, e agora serão lançados em formado de livro. Mas isso não encerrará o debate. Considerando a relevância do tema, o IEA deverá criar em breve, em sua página eletrônica (www.iea.usp.br), o Observatório do Ensino Superior. Nesse espaço, serão disponibilizados todos os artigos que o instituto já publicou sobre o assunto, organizados por temas, e se somarão aos novos que forem sendo produzidos.

Apesar de o ciclo de palestras ter acontecido no calor da discussão sobre o Anteprojeto de Lei da Reforma da Educação Superior, entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 29 de julho do ano passado, os textos que compõem o livro não fazem uma análise pontual do anteprojeto. “A nossa preocupação não era discutir a reforma universitária, porque isso seria uma coisa muito datada. O que nós queríamos era dar uma perenidade à nossa contribuição”, conta o professor Steiner, completando que uma forma de perenizar essa contribuição é exatamente publicá-la em livro.

Segundo diz em seu artigo o professor Hernan Chaimovich, o livro é uma reflexão acadêmica sobre a própria idéia de universidade. “Estes textos possuem um potencial de transformação que decorre da densidade da reflexão acadêmica”, escreve. Porém, como sugere o título, o livro não trata apenas da universidade, mas do ensino superior como um todo, considerando também outras formas de ensino pós-secundário.

Nascida na contradição – Citada no livro de diversas maneiras, está uma característica que parece ser inerente às universidades e que está por trás dos grandes desafios que o ensino superior terá que enfrentar: a contradição. Segundo Chaimovich, essa contradição, causadora de um perene mal-estar, está na própria origem e nos fins das universidades, “criadas pelo poder e destinadas a enfrentar, pela sua própria natureza, o próprio poder que as criou e que, quando públicas, as mantém”. Mas o dilema avança e se estende sobre as próprias funções da instituição. Para Chaimovich, a universidade deve, ao mesmo tempo, manter distância para ver o todo e se aproximar da realidade imediata. Visa a preservar tradições, por um lado, e a quebrar paradigmas, de outro.

Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, também enxerga uma dualidade. Em seu texto, que trata da USP para discutir a questão universitária no Brasil, ele coloca o tempo presente diante do passado para questionar: em que medida os grandes ideais dos fundadores da Universidade de São Paulo ainda fazem sentido nos dias de hoje? Schwartzman mostra que, se de um lado existem argumentos a favor da idéia de que os ideais dos anos 30 já não valem mais, de outro, as universidades que hoje possuem padrões de qualidade internacional são as mais tradicionais. Manter os valores de origem, entretanto, não significa retornar àquele passado. “Para continuar mantendo seus valores antigos, essas universidades precisam se transformar e modernizar profundamente”, defende.

Autonomia – Para se tornarem modernas, sem abrir mão dos antigos ideais, as universidades precisam ampliar sua autonomia. Considerando que não existe homogeneidade nos sistemas de ensino superior, cabe trabalhar a questão da autonomia para cada caso. No caso das universidades públicas – como escreve no livro a professora Eunice Durham, diretora-científica do Núcleo de Pesquisa sobre Ensino Superior (Nupes) da USP –, a autonomia, ou seja, a capacidade de se reger por leis próprias, não confere uma liberdade absoluta, já que a universidade pública deve cumprir as finalidades sociais às quais se destina. “A questão é como conciliar o necessário controle de qualidade que a sociedade não pode dispensar com a igualmente necessária autonomia”, diz Eunice.

Segundo a professora, a autonomia se realiza de formas diferentes nos diversos setores da universidade pública. Se no ensino e na pesquisa existe uma ampla liberdade, é na área administrativa e de gestão financeira que ela se limita, ficando muito longe da autonomia da qual goza o setor particular. Esse problema se dá, em parte, por professores e servidores serem funcionários públicos e estarem submetidos às regras da categoria. “Esse sistema faz com que a universidade, como instituição, perca a autonomia de gestão do seu pessoal, tanto em termos de cargos como de eliminação de cursos obsoletos e criação de cursos novos”, avalia Eunice.

Eunice termina seu artigo dizendo que essas restrições da autonomia universitária não são só devido a limitações da legislação. “As universidades possuem, hoje, segundo a LDB, uma autonomia maior do que aquela que utilizam”, conta a professora, completando que a questão da autonomia é muito mais complexa do que geralmente se pensa e que é necessário ultrapassar os limites demasiado estreitos do debate atual.
Para Schwartzman, a USP, aos seus 70 anos, vive um momento crucial. Ela precisa decidir se pretende voltar aos ideais de sua criação e se tornar uma universidade de classe internacional, fazendo as transformações necessárias para isso, ou se vai ser mais uma entre tantas instituições de ensino do País, pesquisando e ensinando com seriedade e competência, mas sem capacidade de mirar mais alto. “Eu acredito que o País necessita de universidades de classe internacional, e que a USP é uma das poucas instituições que têm as condições intelectuais, materiais e políticas de aceitar, enfrentar e vencer esse desafio”, conclui o professor.

O momento crucial, entretanto, parece não estar sendo vivido apenas pela USP. Cristovam Buarque, no texto que servirá de base para sua conferência na ocasião do lançamento do livro, afirma que a sobrevivência da universidade depende da sua transformação e evolução. “Para o terceiro milênio, ela deverá mudar, não apenas se ajustando, mas se transformando radicalmente, para atender à nova realidade técnica e às novas exigências que o mundo impõe às idéias”, afirma no artigo “A pós-universidade”.

Segundo Buarque, se essa transformação não acontecer, surgirá uma nova entidade: a pós-universidade. A pós-universidade será uma instituição que passará a existir paralelamente à universidade, mas que superará a capacidade de geração do saber das universidades, assim como elas fizeram com os conventos quando foram criadas. Da mesma forma que a USP foi criada, em 1934, para reformular o ensino superior, as instituições de ensino superior precisam, hoje, se recriar para continuar a existir e cumprir o seu papel.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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