Atentados à Polícia coordenados
por facções criminosas – como os ocorridos nos
dias 13, 14 e 15 passados – devem ser combatidos com inteligência
e não com o uso ilegal da força. A opinião
é da professora Marina Rezende, da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
“Não há como ser truculento sem ferir a democracia”,
afirma. “As facções devem ser desmanteladas
a partir de informações sobre sua organização,
evitando também que os criminosos obtenham informações
com rapidez.”
“Os
ataques à Polícia e alvos não-policiais –
como ônibus e agências bancárias – fazem
parte de um jogo de poder das facções criminosas para
fragilizar o Estado diante da opinião pública”,
diz Marina, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento
e Integração Psicossocial da FFCLRP, que realiza estudos
sobre criminalidade. “Na medida em que a população
é levada a considerar ineficiente o combate ao crime, ela
acaba por exigir ações mais fortes e legitima que
o Estado mate à revelia, abrindo mão da legislação”,
diz a professora.
No
Estado de São Paulo, principalmente na região metropolitana,
foram registradas 80 mortes provocadas pelos atentados de facções
criminosas, além de ataques a edifícios públicos
e privados. O pesquisador Fernando Salla, do Núcleo de Estudos
da Violência (NEV) da USP, aponta que a situação
é inédita: “Nessas proporções,
o acontecimento é único. O evento mais parecido foi
a megarrebelião de 2001”, cita o professor, numa referência
ao motim que envolveu 29 presídios e “apresentou”
o Primeiro Comando da Capital (PCC) ao cotidiano paulista.
De
acordo com a professora Marina Rezende, o maior risco para a sociedade
é que os ataques se convertam numa espécie de “guerra
civil” entre as facções e a Polícia.
“Do ponto de vista legal, a Polícia não pode
matar em nome da corporação, como os criminosos, e
nem como método de segurança pública, o que
enfraquece bastante a democracia”, ressalta.
Inteligência – Entre as ações
de inteligência que a pesquisadora considera necessárias
para reduzir a ação das facções estão
a interceptação de articulações criminosas,
a identificação de líderes e o investimento
em reintegração de criminosos menos graves. “A
sobrevivência física e psicológica nas prisões
é difícil”, alerta. “Por isso, esses detentos
se associam a grupos por opressão, engrossando o segmento
operacional das facções como se fossem homens-bomba.”
A
situação exige medidas de curtíssimo prazo,
segundo os professores. Fernando Salla sugere a adoção
de um policiamento mais ostensivo, com a distribuição
de militares e civis em vários pontos e a utilização
de armamento pesado. É fundamental também a unificação
das políticas públicas, ultrapassando as possíveis
barreiras partidárias entre as esferas. “Os governos
não podem ter orgulho nessas horas. Precisam, se necessário,
pedir auxílio”, destaca.
O
professor ressalta que a inteligência deve também ser
uma arma dos cidadãos. “O momento é delicado,
mas as pessoas não devem se deixar levar pelo medo”,
diz. Salla cita a proliferação de boatos, muito comuns
em situações como essa, como um dos fatores que pode
dificultar a contenção dos tumultos.
Para
Marina, o direito de comunicação do preso com o mundo
exterior não deve ser cerceado, mas o contato com o mundo
criminal externo precisa ser impedido. “A polícia tem
condições de desmantelar centrais telefônicas
clandestinas”, disse. “Foram instalados bloqueadores
de celulares, mas a mudança da tecnologia dos aparelhos exige
novos investimentos, que poderiam ter a colaboração
das operadoras de telefonia.”
Segundo
a pesquisadora, o poder judiciário deve atuar com agilidade,
sem desrespeitar a legislação e não ferindo
direitos individuais. “Estudos de criminologia apontam que,
quanto maior a sensação de impunidade, maiores as
brechas para a disseminação de uma cultura de violência
na sociedade”, relata. “Essa sensação
também é reforçada quando não há
condenação para crimes na esfera política.”
Não
restam mais dúvidas, após os atentados em São
Paulo, que o PCC é uma força presente e muito forte
dentro da criminalidade nacional. Salla cita como um dos maiores
“méritos” do grupo a uniformidade de suas ações:
“O PCC não tem um comando único, não
tem uma única liderança. Mas é surpreendente
a capacidade do grupo de unificar ações”. |