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Na manhã de quarta-feira, dia 17, José Mindlin e sua esposa Guita acompanharam, atentos, a apresentação do projeto que vai garantir o futuro luminoso do sonho de suas vidas. Ou seja, a alegria de dividir com os brasileiros a esperança e a sabedoria da leitura. Guita e Mindlin ficaram admirados com o Projeto Brasiliana USP, que irá reunir num mesmo edifício a biblioteca que vêm formando há 79 anos, considerada uma das mais valiosas do País, e o acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, que possui o mesmo peso no âmbito universitário. As coleções ficarão em uma área construída de 14 mil metros quadrados, num terreno de 6 mil metros quadrados no campus da Cidade Universitária, em São Paulo.
Ao observar a maquete do edifício projetado sob a coordenação dos arquitetos Eduardo de Almeida e Rodrigo Mindlin Loeb, com assessoria da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, Mindlin ficou admirado. “É um projeto bonito, moderno e, ao mesmo tempo, funcional”, disse. “Estou muito feliz. Tanto eu como Guita e meus filhos, que cresceram entre os livros, tínhamos a esperança de garantir a perenidade desse nosso sonho. Nós vamos e os livros ficam. Daí, a nossa decisão de confiar a Brasiliana à Universidade de São Paulo.”
Mindlin ficou satisfeito com a iniciativa da Petrobras, que destinou um montante de R$ 2 milhões para o projeto, que irá contar com recursos públicos e privados. Durante a cerimônia da doação de seu acervo e da apresentação do Projeto Brasiliana USP, na sala do Conselho Universitário, no dia 17, o bibliófilo contou: “Há 79 anos, quando comecei esta coleção, tive a certeza de estar plantando uma sementinha. Décadas depois, essa semente virou uma árvore frondosa. O tempo passou e agora temos uma floresta”. Sorrindo, Mindlin dirigiu-se à reitora Suely Vilela: “Sei que a missão de reitora da Universidade de São Paulo exige muitas funções. E agora venho oferecer mais uma: senhora Suely Vilela, entrego a vosmecê a função de guarda-florestal”.



A reitora Suely Vilela entre Guita e José Mindlin (acima) e as maquetes da biblioteca que sediará a Brasiliana doada pelo casal: um acervo de 30 mil valiosos volumes e documentos sobre a história e a cultura do Brasil

Semente preciosa – Mindlin deixa para a USP uma biblioteca com mais de 30 mil livros, com a expectativa de contagiar crianças e jovens com seu vírus incurável. “É um vírus que contraí aos 12 anos lendo Machado de Assis. Espero que o Projeto Brasiliana dissemine o vírus da leitura, incentivando a formação de incontáveis leitores e grandes escritores.” Hoje, aos 92 anos, diz que é o mesmo José curioso que ia atrás do irmão mais velho só para pesquisar livros nas bibliotecas. “Sempre gostei de ler. Esse incentivo começou em casa. Meu pai, Ephim Henrique, era dentista, minha mãe era do lar. Os dois saíram da Rússia em 1905, mas por caminhos diferentes. Encontraram-se nos Estados Unidos e vieram para o Brasil em 1910. Tiveram quatro filhos, todos brasileiros: Henrique, Arnaldo, Esther e eu. Nós tínhamos uma biblioteca em casa. Eu adorava ler de tudo. Minha grande paixão sempre foram os livros.”

Mindlin lamenta que o livro, desde a sua remota mocidade, é privilégio de uma minoria. “A minha expectativa sempre foi de que a grande massa da população tivesse fácil acesso aos livros. E, para tanto, há uma série de problemas a ser resolvidos. O custo do livro é um deles. Na realidade, comprar o livro não deveria ser condição para leitura. É claro que ter o livro é um prazer, mas poder ler nas bibliotecas já resolveria boa parte das dificuldades.”

São essas considerações que levam Mindlin e Guita a sonhar com a sua biblioteca nas mãos dos jovens. Ficam satisfeitos em dividir preciosidades como os originais de Sagarana e de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e os manuscritos dos Sermões do padre Vieira, além de edições originais de relatos das primeiras viagens científicas como a de Hans Staden. Ou relíquias como o Discurso sobre a história universal, em edição portuguesa do século 18, que comprou quando tinha 13 anos e foi a pedra fundamental de seu acervo.

“Um bom livro é capaz de transformar as pessoas”, disse Mindlin. “Eu não seria o mesmo sem Machado de Assis, sem Marcel Proust. Com Machado aprendi muito. Influenciou na minha serenidade de observação. Gosto mais de ouvir do que de falar, de procurar sentir como as pessoas são através dos meios indiretos como os gostos, opiniões políticas, atitudes na vida. E Machado vai descrevendo a sociedade com uma naturalidade absoluta e a gente vê as personalidades diferentes, as ambições, os problemas, a inveja, os amores, a natureza humana. Ele foi dos primeiros na literatura brasileira a mostrar a psicologia das mulheres. Agora, Proust é o oposto. Descreve os mecanismos interiores do amor, do ciúme e também da vida social, do vazio, descreve a natureza sob prismas diferentes. A concepção de amor de Proust mostra que o amor não está na pessoa amada, mas na maneira de ver. É uma lição de vida.”

É exatamente com a serenidade machadiana que Mindlin vê os problemas que a cidade de São Paulo e o País vêm enfrentando. “Prefiro dizer que tudo isso é um acidente de percurso”, observou, referindo-se aos conflitos entre policiais e bandidos, recentemente ocorridos no Estado. “Eu não acho que o Brasil está vivendo um percurso de acidentes.” Quanto à trajetória do Projeto Brasiliana USP, Mindlin observou: “Eu queria ser dez anos mais moço para acompanhar de perto essa transformação, mas, de onde eu estiver, com certeza, vou estar apreciando este nosso projeto, que é só um projetinho diante do que a USP vai realizar”.

Possibilidades – Juntos, os acervos da Biblioteca Guita e José Mindlin e do Instituto de Estudos Brasileiros constituirão a maior coleção brasiliana universitária existente no mundo. Os objetivos do projeto são: promover a pesquisa sobre assuntos brasileiros, integrando as diferentes áreas das ciências; abrigar novas coleções; organizar seminários, exposições, conferências e cursos sobre assuntos brasileiros; preparar publicações; interiorizar, desenvolver e difundir novas tecnologias no ambiente acadêmico, em escala e padrão hoje inexistentes na área das humanidades, disponibilizando na internet, a longo prazo, todo o acervo e criando ao mesmo tempo instrumentos de busca refinados para pesquisas de alta qualidade.

O diretor do IEB, professor Istvan Jancsó, saudou Mindlin e citou as prioridades do Projeto Brasiliana USP. Uma delas é justamente permitir o acesso do público às obras agora incorporadas ao acervo da Universidade. “O projeto abre notáveis possibilidades de ensino em todos os níveis, de produção de material didático e de difusão de novas tecnologias na área de humanidades”, disse o professor. “Quanto à reflexão do enigma brasileiro, ele se destina a sediar grupos de pesquisa de altíssimo nível, empenhados em desvendar alguns dos muitos buracos negros do conhecimento que temos no Brasil.”

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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